Business da fofoca: perfis faturam R$ 20 mil por dia com tretas de famosos
As contas viraram plataformas de divulgação de conteúdo, dos quais muitos influenciadores dependem para alcançar visibilidade
atualizado
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A era das revistas e dos programas de tevê que pagam fortunas a paparazzis por um furo pode estar com os dias contados. Em um mundo cada vez mais conectado, qualquer pessoa com um celular na mão pode acompanhar a rotina dos famosos e flagrar um momento digno de se tornar um viral.
Quando uma boa fofoca surge, o material acaba divulgado em perfis do Instagram que se especializaram em tretas de influenciadores, reality shows, separações, especulações sobre novos casais, vídeos de humor, memes e mais.
Você certamente já se deparou com um deles no Instagram uma vez que, juntos, os principais “@s” do gênero somam mais de 150 milhões de seguidores… e contando. Aos poucos, eles se tornaram uma poderosa plataforma de comunicação, além de um negócio lucrativo.
Não à toa a paulista Gabrielly Ricci largou a carreira no direito para investir todo o seu tempo na manutenção da página de memes e entretenimento Gossip do Dia.
“Em 2012, criei um Instagram de moda. Em três anos consegui conquistar 600 mil seguidores e fui entendendo os macetes do Instagram. Mesmo assim encarava como um hobbie. Em 2015, decidi vender o perfil porque estava prestes a ingressar na faculdade, queria começar um trabalho fixo, com carteira registrada. Ainda via a internet como algo que não fosse muito rentável. Mal sabia…”, lembra.
A compreensão sobre o potencial das redes veio em 2018 quando ela criou o Gossip do Dia, hoje com 2,6 milhões de seguidores. O plano era conciliar o perfil com a carreira, o que acabou não acontecendo. “Vi que precisava voltar com tudo para a internet e focar 100% na página. Hoje, meu objetivo é dobrar o número de seguidores e alcançar mais reconhecimento.”
Isso porque quanto mais o número de followers cresce, mais marcas, influenciadores e assessorias entram em contato para fechar parcerias comerciais. De acordo com Gabrielly, um post publicitário não sai por menos de R$ 1 mil.
Segundo levantamento do Metrópoles, há perfis que chegam a faturar até R$ 20 mil por dia.
“São centenas de pessoas entrando em contato. Já cheguei a ficar com mais de 5 mil mensagens não lidas no WhatsApp, não conseguia dar conta, tanto que precisei colocar meu namorado para trabalhar junto comigo e responder orçamentos”, conta Gabrielly.
Economia da visibilidade
O alcance conquistado pelas páginas de fofoca é tão expressivo que manter uma relação próxima com seus administradores se tornou indispensável para novos produtores de conteúdo.
O especialista em comunicação digital Marcos Moraes, da MM Estratégia de Imagem, empresa especializada na gestão de carreira de personalidades como o ex-Fazenda Lipe Ribeiro, afirma que uma publicação nesses perfis pode representar um divisor de águas na carreira de um influenciador.
“As pessoas estão recorrendo cada vez menos ao papel para se informar, então essas páginas acabam tendo uma relevância muito grande no mercado. Tentamos ter uma parceria boa, saudável e alinhada com elas para projetar os clientes. Além do alcance, elas acabam tendo um valor mais acessível pra gente”, pontua.
Issaaf Karhawi, doutora e pesquisadora em Comunicação Digital na USP, explica que essa dinâmica está amparada em um fenômeno chamado de “economia da atenção”.
“É a nossa atenção que gera renda para essas redes. Quanto mais tempo ficamos ali, mais somos bombardeados por anúncios que sustentam esse formato de negócio. Nosso tempo é uma moeda valiosa. Não à toa a gente vê influenciadores que vibram ao sair em perfis de fofoca porque isso é sinônimo de visibilidade. E, ao mesmo tempo, esses perfis ajudam a manter esse mercado… é um ciclo”, explica.
Ela acrescenta que o modelo não é novo. “Mudam-se os meios, mas apenas renovam-se as práticas. A fofoca sempre foi importante suporte para sociedades do espetáculo: dos monarcas às vedetes do cinema. Agora, mudaram apenas os ‘observados’, aqueles para quem os olhos da sociedade se voltam. No nosso caso, os influenciadores digitais”, ressalta.
Tretas com famosos
Para além de divulgar as tretas de terceiros, esses perfis também costumam protagonizar os próprios embates com personalidades, geralmente insatisfeitas com alguma informação veiculada.
Nos últimos dias, por exemplo, Lívia Andrade acusou Rainha Matos de colocar lenha na confusão envolvendo seu affair, o empresário Marcos Araújo, e a ex-mulher dele, Pétala Barreiros. Nego do Borel também não gostou das repercussão do fim de seu noivado com Duda Reis, que ganhou força a partir de prints divulgados nessas páginas.
Diante dos riscos de processo, profissionalizar a atuação é fundamental para se manter no mercado. “É comum recebermos mensagens de famosos, influenciadores, reclamando de algo que foi postado. Também já recebemos ameaças, notificações extrajudiciais, mas estamos totalmente amparados. A gente sabe até onde pode ir”, explica Liliane Fernandes, administradora do Treta das Blogueiras.
A opinião é compartilhada por Gabrielly, do Gossip do Dia. “Os famosos e as subcelebridades têm que entender que se foi o tempo em que Instagram de fofoca e entretenimento era bagunça. Hoje existe uma empresa por trás, com CNPJ, funcionários, impostos pagos, assessoria jurídica. É tudo muito bem preparado para que os posts sejam feitos. Eles precisam da gente, hoje somos a antiga ‘Ti-Ti-Ti'”, diz a empresária, comparando seu trabalho à famosa revista de novelas.
Não basta pagar… tem que engajar
Apesar do aspecto comercial, nem todos os influenciadores conseguem espaço, ainda que estejam dispostos a pagar por ele. É o caso da ativista body positive Polly Oliveira. Incomodada com a onda de permuta entre cirurgiões plásticos e personalidades da mídia, ela tentou emplacar conteúdos criticando a prática, sem sucesso.
“Tenho vários prints de páginas que costumam cobrar R$ 1 mil, pedindo R$ 18 mil para publicar algo meu. O que é isso, se não uma forma de dizer que não quer me atender?”, questiona Polly. “Uma vez, uma proprietária de uma dessas páginas foi honesta comigo e disse que tinha medo do engajamento dela cair”, acrescenta.
Para ela, a atuação é problemática porque fomenta a pressão estética nas redes. “Eu pago para que as pessoas vejam o que eu quero que elas vejam. Mas que as pessoas estão pagando para mostrar? Cirurgias plásticas, chás de emagrecimento, tudo que a indústria da beleza fomenta”, critica.
Na avaliação de Issaaf Kawhawi, a queixa de Polly é uma consequência da monetização dos perfis. “Não podemos perder de vista que os influenciadores não estão descolados da sociedade e das normas que regem o mercado e a mídia. Por exemplo, falar de pressão estética é ir contra um mercado milionário que lucra em cima das inseguranças femininas com seu próprio corpo. Um mercado que tem em influenciadoras grandes aliadas na ampliação de suas mensagens e divulgação de seus produtos. Isso significa que falar contra esse discurso do padrão de beleza feminino”, analisa.
“É também ir contra uma lógica de mercado que foi se naturalizando entre influenciadores: as parcerias com marcas. Então quando uma página de fofoca se recusa a noticiar os malefícios de tratamentos estéticos, por exemplo, em certa medida há aí uma forma de resguardo, de não ir contra um mercado do qual esses perfis também se beneficiam e ajudan a consolidar”, completa.
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