Artistas e produtores do DF temem impactos da limitação de horário
Apesar de reconhecer o aumento de casos, profissionais da área pedem outras medidas e maior fiscalização
atualizado
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Pouco mais de dois meses após liberar o retorno das apresentações musicais em bares e restaurantes do Distrito Federal, o governo voltou a adotar medidas para impedir uma segunda onda de contaminação do coronavírus. Com o crescimento dos casos de Covid-19, esses espaços continuarão funcionando, mas devem encerrar suas atividades às 23h. Segundo o governador Ibaneis Rocha (MDB), o objetivo é dar um “recado para a população”. Porém, entre artistas e produtores culturais, que tentam se recuperar após meses sem trabalho, o decreto foi recebido como um banho de água fria.
Apesar de dispostos a contribuir com a superação da crise sanitária, artistas e produtores ouvidos pelo Metrópoles alegam que muitos trabalhadores têm enfrentado problemas financeiros.
Desde que a programação musical foi retomada, em setembro, o Samba Urgente fez algumas apresentações seguindo protocolos sanitários, como no Festival Flutua e no Novo Calaf. Para garantir o distanciamento entre os presentes, ambos os eventos apostaram pela venda de mesas fechadas, para até seis pessoas.
“A gente tá vivendo o presente, sabe? Fazendo tudo que é possível hoje. Se dentro das normas, a gente puder fazer um evento de distanciamento de dois metros, a gente vai fazer. Se puder funcionar só até as 23h, seguiremos, queremos continuar existindo”, pondera o percussionista Augusto Berto, do Samba Urgente.
Para o músico, o bem-estar do público é prioridade, mas é difícil não estender o apelo aos colegas de profissão. “Se existir comprovação de que a restrição de horário é a melhor forma de proteger a população, então tem nosso apoio”, afirma. “Mas é importante que as pessoas saibam que somos um dos setores que mais está sofrendo. Na nossa equipe a gente tem 30 pessoas sem trabalhar há nove meses. Quem tinha economia guardada, já perdeu. Quem tinha conta para pagar, está endividado. Porque a situação de quem trabalha com cultura está calamitosa”, defende Augusto.
Na última semana, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) anunciou o o edital Aldir Blanc Gran Circular. O programa prevê recursos de R$ 21 milhões destinados a ajudar os profissionais da área. Serão atendidos 1.890 agentes culturais das 33 regiões administrativas do DF, distribuídos em seis linhas de atuação.
Sem fiscalização
Na opinião de Caco Lelis, DJ, produtor cultural e drag queen, a solução não é restringir o funcionamento das casas, mas aumentar a fiscalização por parte do governo. Essa estratégia evitaria que estabelecimentos que seguem as regras sejam prejudicados por outros que permitem excessos ou por eventos clandestinos. “O vírus não deixa de circular depois das 23h, ou dentro do ônibus”, aponta.
“Os bares em que eu trabalho deixaram de tocar funk para que as pessoas não se empolguem e levantem pra dançar; participei de ações em que o DJ montava sua playlist no Youtube, como forma de trabalhar sem gerar aglomeração e se expor a riscos; até bingo para que as dragqueens pudessem performar sem gerar proximidade da plateia”, elenca. “Mas se não se não tiver fiscalização, o vírus vai continuar circulando em festas com 2 mil pessoas, que são realizadas clandestinamente”, argumenta Caco.
O profissional de entretenimento pondera que a restrição diminuirá a circulação de público e a arrecadação dos bares, impactando diretamente os artistas. “Vale destacar que nenhum DJ, músico e/ou produtor está recebendo seus cachês como recebiam antes da pandemia. Já estamos com público reduzido, nos virando com gorjetas”, protesta.
Estudando novas possibilidades
Menos de 24 horas após divulgar a programação da semana, os sócios da Birosca, localizada no Conic, lançaram um comunicado nas redes sociais, cancelando as atividades da semana. Desde que foi reaberto, há menos de um mês, o local, conhecido por festas badaladíssimas, adotou um novo formato, com mesas afastadas e sem pista de dança.
“Estamos sendo prudentes, até porque nosso público é da noite. Precisamos estudar novas possibilidades”, analisa a produtora Mayara Machado, uma das sócias do estabelecimento.
No comunicado divulgado nas redes, a casa não descarta fechar as portas por tempo indeterminado. “Além de repensar sobre questões operacionais e financeiras, não podemos deixar de considerar que a segunda onda de Covid-19 já está aí, ou seja, também avaliaremos se estar aberto nesse período é prudente ou não. Não queremos por nosso público em risco e tampouco ser negligentes com a pandemia”, diz o texto.
Fechando as portas
Após a publicação do decreto, Ricardo Lucas, um dos sócios do Lah no Bar, já faz planos de fechar as portas. “Não temos como continuar funcionando. Essa determinação não coincide com o comportamento do público, além de ser uma grande hipocrisia, uma vez que os shoppings vão continuar lotados e com horário estendido”, lamenta.
O empresário, que também está à frente da boate Victoria Haus, acredita que, além de ineficiente, a regra acaba punindo artistas e profissionais do entretenimento. “O governo sequer tentou minimizar os efeitos dessa crise para os bares e produtores de evento. O auxílio da lei federal [Aldir Blanc] para um espaço que está fechado desde março, que emprega mais de 300 pessoas, é de R$ 6 mil. É um absurdo”, alega Ricardo.
Ele também menciona a ausência de fiscalização por parte do governo. “Enquanto isso quantos flutuantes você vê no Lago [Paranoá]? Quem fiscaliza as embarcações lotadas? Festas clandestinas com mais de 4 mil pessoas?”, questiona.
Aglomeração
Ao falar sobre o decreto ao Metrópoles, o governador Ibaneis confirmou que em uma segunda onda, o ramo mais atingido com as medidas restritivas, será o de bares, “onde temos visto uma aglomeração muito grande”, segundo o chefe do executivo.
“Recebi os relatórios da Secretaria de Saúde que apontam aumento no nosso indicador de contágio do novo Coronavírus. O índice, que vinha se mantendo na casa de 1, evoluiu para 1.3. Antes que a situação se agrave, resolvi dar este recado para a população, retomando algumas medidas restritivas. A qualquer sinal de piora da pandemia aqui no DF, vamos rever as medidas e tomar providências ainda mais duras, se for o caso”, disse Ibaneis, à coluna Grande Angular.