Após perder a visão, artista desenvolve técnica inovadora de pintura
John Bramblitt esteve em Brasilia para realizar um workshop: ele explica seu processo de criação
atualizado
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A arte, de modo geral, é a maneira como os seres humanos conseguem expressar seus sentimentos e a sua natureza. E foi na pintura que John Bramblitt, norte-americano do Texas, encontrou a forma de mostrar suas alegrias e tristezas para as outras pessoas. A trajetória do artista seria corriqueira, não fosse o fato de Bramblitt ter começado a pintar depois de perder a visão em 2002, devido a complicações da epilepsia e da doença de Lyme.
A doença de Lyme é causada pela mordida de um carrapato. A cantora Avril Lavigne, por exemplo, ficou meses afastada dos palcos após contrair a efermidade. Pessoas infectadas desenvolvem um quadro febril até 30 dias após a picada, e os primeiros sintomas são uma mancha vermelha no local mordido, cansaço, febre e dor de cabeça. Entre as sequelas, estão também artrites e problemas graves no sistema nervoso central.
A adversidade, no entanto, não parou o norte-americano, que esteve em Brasilia para realizar workshop e uma exposição multissensorial, na Casa Thomas Jefferson. De passagem pela capital, ele conversou com o Metrópoles sobre o processo de transformar a vida e a carreira após uma tragédia pessoal.
Métodos de pintura
Segundo Bramblitt, um dos primeiros passos foi aprender a sentir as coisas. “Sempre que você passa pela perda de visão, desenvolve habilidades diferentes para poder se locomover e navegar pelo mundo apenas por meio do toque. Isso é chamado de orientação e treinamento em mobilidade. Basicamente, você está apenas descobrindo como sentir algo com a mão ou uma bengala branca e a fazer um mapa mental de onde está em relação a tudo o mais. Com a pratica, pessoas cegas, como eu, podem viajar por toda a cidade ou até em todo o país”, explica.
A partir dos conhecimentos adquiridos para conseguir se locomover, o artista começou a criar um método próprio de pintura. “Eu peguei essas habilidades incríveis, que permitem a uma pessoa sem visão transitar por toda a cidade, e as aplico na navegação de uma tela. O mais maravilhoso disso é: quanto mais um artista com deficiência visual pinta, melhor ele fica no quesito de circulação no mundo real. Como estou usando as habilidades de orientação e mobilidade toda vez que levanto um pincel, estou praticando minha capacidade de navegar pelo exterior também”, diz.
Antes de perder a visão, o artista já desenhava. O material utilizado era o lápis e a caneta, porém, atualmente, ele é incapaz de perceber as marcas. Para resolver o problema, precisou recorrer ao tato, utilizando uma tinta diferente, que o permite sentir o desenho.
Comecei a usar tinta espessa para desenhar, porque eu podia sentir as linhas. Quando você é cego, aprende a usar uma bengala branca para andar em uma rua e perceber o meio-fio e as rachaduras na calçada. Assim, você se localiza. Usando as mesmas técnicas, pude sentir as linhas de tinta que colocava em uma tela e, com muita prática, tentativa e erro, comecei a navegar pela tela
John Bramblitt
Ao invés de fazer o óbvio e legendar as cores em braile, o muralista “sente” as cores. “Misturo cores com outras substancias para que cada uma tenha um tato diferente. O branco parece mais espesso, como pasta de dente, por exemplo. Enquanto o preto pode parecer oleoso. Dessa maneira, consigo diferenciar os tons na paleta”, ensina.
Bramblitt ressalta a importância da paciência no processo de aprendizado. Não é fácil recondicionar toda uma forma de produzir arte, mas, segundo o artista, com a práticas os resultados começam a aparecer. Agora, ele se dedica a repassar seu conhecimento para outras pessoas com deficiência visual. “É algo que já ensinei a milhares de pessoas. Minhas oficinas são divertidas, estamos sempre rindo e nos divertindo”, acentua.
Arte e Brasil
Bramblitt já esteve no Brasil outras vezes. Na última visita, pintou um Boeing-737 para a Gol Linhas Aéreas. “Tive a oportunidade de passear por muitos bairros de diferentes partes do país e fiquei impressionado com o quão amigável e maravilhoso todos eram”, avaliou o muralista.
A arte nos dá a capacidade de entrar no lugar de outra pessoa, sentir as alegrias e compartilhar os sofrimentos. Essa habilidade vem de nossos corações e mentes. A diferença entre eu e outro pintor é que, embora eles possam usar os olhos para entender como é o assunto, eu utilizo minhas mãos. No entanto, quando se trata de compartilhar e expressar o que penso e sinto sobre o mundo, a inspiração vem do meu coração
Preconceito
Quando lembra do início de sua carreira como artista, John pondera os motivos pelos quais os donos de galerias não foram entusiastas de suas pinturas. “A ideia de um pintor cego estava tão longe da realidade que a maioria dos galeristas nem sequer falavam comigo. Isso realmente não me incomodou, para dizer a verdade, quando comecei a pintar minha saúde estava muito ruim e meus médicos não tinham certeza se eu ficaria vivo por tanto tempo. Essa situação me deu a tranquilidade de apenas trabalhar com aquilo que me agradava. Eu só queria que olhassem para a arte e não pensassem em mim ou na minha falta de visão”, ressalta.
Depois que “descobriram” a condição do norte-americano algumas organizações sem fins lucrativos entraram em contato com ele para que John ensinasse suas técnicas a outras pessoas. “Adoro fazer isso [ensinar], conheci as pessoas mais incríveis e comecei a aprimorar minha arte e minhas oficinas”. Depois de ser chamado por ONGs e instituições de caridade, museus e galerias de arte pediram que o artista expusesse suas pinturas.