Afrofuturismo: o que é a estética usada em Black is King, de Beyoncé
Entenda como a temática representada pela cantora pop em seu longa do Disney+ é uma tendência estética na cultura pop
atualizado
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Beyoncé lançou na última sexta-feira (31/7) Black is King, seu novo projeto audiovisual, disponível no Disney+ – veja aqui a crítica do Metrópoles. Em um longa de 85 minutos, a cantora entrega uma releitura do Rei Leão e debate temas como ancestralidade, protagonismo negro e lutas antirracistas.
Ao longo do filme – que só deve ser lançado no Brasil em novembro –, Beyoncé traz diversas representações da história negra e de toda a riqueza da África através de uma temática conhecida como afrofuturismo. O movimento, em linhas gerais, se trata de uma estética que combina elementos da ficção-científica com a cultura do continente.
De acordo com Kelly Quirino, professora de comunicação e pesquisadora de relações raciais da Universidade de Brasília (UNB), esse movimento é uma maneira de repensar a representatividade da cultura negra e africana, através da história, filosofia e da arte com elementos da fantasia e da ficção.
“Essa perspectiva do afrofuturismo se apropria desses conhecimentos ancestrais (da África) para ressignificar na atualidade e fazer uma projeção de uma narrativa futura, onde há o protagonismo dessa população negra. O racismo tira esse protagonismo, coloca os povos negros à margem. E a estética vem mudar isso”, explica Kelly.
O afrofuturismo, que teve seu marco na década de 1950 com o lançamento do livro Invisible Man (Homem Invisível), de Ralph Ellison, ganhou força nos últimos anos e foi centro de narrativas de grandes produções de Hollywood, como o longa solo do Pantera Negra e os terror-sociais de Jordan Peele, Corra! e Nós.
Para a especialista, o longa do herói da Marvel sintetiza bem o movimento. “Como em Wakanda não houve uma interferência europeia, a população negra de lá pôde explorar o máximo seu potencial, aliando uma tradição cultural (ritos cosmológicos, roupas e tradições) com a alta tecnologia”, opina.
“É muito interessante porque o filme também mostra os povos da diáspora nos Estados Unidos, como esses povos sofrem com apropriação cultural de objetos, de artefatos que vieram na África, da exploração por meio da pobreza, de serem subestimados e todos os dilemas da colonização”, completa.
No Brasil, Kelly elencou o grupo Nação Zumbi e o funk carioca como exemplos do afrofuturismo. “Aqui podemos citar a pegada do manguebeat. Eles misturam elementos da cultura tradicional africana (o maracatu) com a tecnologia através batida eletrônica”, exemplifica.
Combate ao racismo
De acordo com a especialista, o movimento tem o intuito também de ressignificar a ideia de que a cultura africana é subalterna. “Remodela esse passado que o processo colonial colocou, que é um passado de povos sem conhecimento, e o afrofuturismo vem para falar: ‘Não, ele tem conhecimento sim!'”, ensina.
Para a pesquisadora, trata-se de um grande resgate para autoestima e valorização dos povos pretos.”É de extrema importância em vários sentidos na construção do imaginário positivo para as crianças negras e na criação de uma autoestima, de a pessoa ter realmente o prazer e orgulho de ser negro. É ainda mais importante em um país racista como o nosso, onde ainda a população negra é associada com marginalidade”, completa.
Beyoncé
Se tratando de Beyoncé, Kelly ressalta que a cantora vem desde o álbum Lemonade (2016) abordando cada vez mais os temas ligados ao movimento negro, dando protagonismo a um casting de produtores, músicos e dançarinos pretos o que ganhou ainda mais força com os protestos do Black Lives Matter.
Em Black is King, a especialista ressalta como a cantora consegue usar a história de Simba em Rei Leão para dar outra visão do povo africano. “O álbum dialoga diretamente com essa perspectiva de que vidas negras importam. É a preservação da sua vida física, mas também da sua vida simbólica”, analisa.
“Em Black is King tudo tem uma simbologia para construir uma autoestima para o povo negro tipo: ‘Você é descendente de reis e rainhas. Tenha orgulho da sua ancestralidade, tenha orgulho de ter descendentes negros e negras porque você é um rei, você é uma rainha. Então o álbum dela tem um impacto muito grande nesse sentido”
Kelly Quirino
A especialista citou ainda a polêmica envolvendo a historiadora Lilia Schwarcz, que fez um artigo com o título: “Filme de Beyoncé erra ao glamorizar negritude com estampa de oncinha” e explica que isso é mais um “sintoma da branquitude” e da colonização, que coloca todo o aspecto do afrofuturismo na roupa.
“Essas essas roupas com marcas de animais, de oncinha tem todo um significado por trás. Porque no passado essas roupas eram usadas para a gente sobreviver, ou seja, tem uma tecnologia por trás. E a Beyoncé traz isso no álbum, para mostrar: ‘Olha até a nossa sobrevivência no passado se deu pelo fato da gente usar esses materiais’. E aí veio a apropriação cultural, veio a indústria da moda e se apropriou disso para ostentar, transformar essas roupas com tecidos de animais de felinos em luxo, apagando todo aquele significado por trás”, conclui.