Afrofuturismo cresce no Brasil, mas criadores ainda enfrentam desafios
Ale Santos, Lázaro Ramos e Lu Ain-Zaila explicam o afrofuturismo, movimento que mistura ancestralidade e ficção científica
atualizado
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Usado para definir o movimento político e cultural que costura elementos da ancestralidade negra com ficção científica, o afrofuturismo vive um momento de destaque em várias áreas, da literatura, da música, do cinema e da fotografia. O gênero que começou lá fora e tem entre seus produtos mais conhecidos os o primeiro super-herói negro dos quadrinhos, Pantera Negra, adaptado por Hollywood, em 2018, também conta com representantes de peso no Brasil, entre eles Lu Ain-Zaila, Ale Santos e Lázaro Ramos.
Mas o que é o afrofuturismo? Criado nos anos 1990 por Mark Dery, o movimento cultural aborda novas ideias sobre a África e a negritude, incorporando elementos do realismo mágico, da ficção científica e da história. Um exemplo é Marte Um, filme nacional sobre uma família negra em um Brasil governado por um supremacista, que foi indicado para a disputa do Oscar 2023 como representante brasileiro.
Em Hollywood, produções como A Mulher Rei, Adão Negro e Pantera Negra: Wakanda Pra Sempre entre as maiores bilheterias de 2022. Por aqui, vale citar também Medida Provisória, primeiro longa-metragem de ficção dirigido por Lázaro, que bateu a marca de 100 mil espectadores. Em entrevista ao Metrópoles, o ator e diretor classifica o sucesso do trabalho ao “fortalecimento de uma linguagem de entretenimento com relevância”.
“Porque ele traz o tema da luta antirracista mas ele é um entretenimento que se conecta para além da bolha ativista. E também se comunica com ela. E eu acho isso importante, acho isso uma vitória e acho que isso é fruto de um trabalho coletivo”, explicou Lázaro.
Para o ator, diretor e escritor, a popularidade do afrofuturismo é uma das possibilidades que chegam aos criadores negros, mas que deve disputar espaço com outras correntes. “Nesse momento, aparece como uma possiblidade, mas também disputará espaço com o afropessimismo, que já é uma outra corrente que está chegando como linguagem estética e ponto de vista”, diz Lázaro Ramos.
“Mas esse momento é importante, porque durante muito tempo as possibilidades que chegavam aos criadores negros eram limitados a alguns estilos. Eu acho muito importante a gente poder se apropriar com tudo que tem aí a favor das linguagens que podem conectar o público com nossas histórias”, completa.
Lázaro Ramos
Tendência internacional
Ale Santos, citado por Lázaro como influência nacional do movimento, concorda com o ator. Finalista do CCXP Awards, com o Último Ancestral, Ale fechou acordo com a RT Features para o desenvolver de uma produção audiovisual baseada na obra, que tem como pano de fundo um futuro ultratecnológico, em que quase toda a população negra foi exilada.
Ele destaca que embora o cinema nacional tenha se aberto para o afrofuturismo apenas recentemente, com Medida Provisória e Marte Um, por exemplo, o movimento vive um momento de amadurecimento na literatura. “Estamos no melhor momento pra ser um escritor de ficção cientifica negra no mundo, não só no Brasil. Nos Estados Unidos, os principais autores negros de ficção já têm contratos de adaptação de suas obras”, cita.
Para Ale Santos, sucesso de O Último Ancestral, está conectado com uma tendência internacional de “valorização da ficção especulativa negra”, o que eleva suas expectativas sobre a adaptação para a TV.
“Como autor, claro que minha expectativa está alta. Foi uma negociação difícil, aliás, a gente já havia recebido mais de quatro propostas de direito autoral do livro. Foram muitas conversas, meses, e deu esse match com a RT porque eles estavam com a mesma energia que é causar um grande impacto na ficção científica brasileira“, revela Ale.
“A gente consegue ver escritores nacionais ganhando destaque no Jabuti, como eu e a Sandra [Menezes], obras nacionais sendo adaptadas e fora do Brasil isso já é consolidado. Já é uma conversa entre os diretores de canais de TV e streamings. Todo mundo está querendo ver novas perspectivas de ficção contadas pelo olhar de pessoas negras”.
Ale Santos
Desafios editoriais
Embora o afrofuturismo tenha conquistado o mercado editorial e audiovisual, a autora, ativista social e pedagoga Lu Ain-Zaila, outro grande nome do movimento, é prova dos desafios que ainda são impostos aos seus representantes. Não à toa, ela recorreu a uma campanha de crowdfunding para relançar Sankofia: Breves histórias sobre Afrofuturismo, de sua autoria.
“O problema não é atual. A máquina de comunicação se pauta pela brancura, tanto para mim quanto para Conceição Evaristo que não é reconhecida só de andar na rua como foi Drumond. Ale Santos finalista do Jabuti duas vezes, Sandra Menezes chegou ao top 5 Jabuti… e cadê a mídia?”, questiona.
Lu Ain-Zaila
Lu Ain-Zaila conta que sua obra encontrou o afrofuturismo em 2016, o que a coloca entre as pioneiras do estilo no Brasil.
“Não tenho lembrança das pessoas que me falaram sobre, mas achei curioso e fui pesquisar. Fez sentido e ajudou a impulsionar a literatura especulativa negra se erguendo no país. Sendo uma ativista de movimento negro já iniciei ali sua conceituação à brasileira com nossos pensadores e filosofia, já que o movimento têm uma perspectiva panafricanista, ou seja, é uma movimento que se reelabora diante das especificidades negras das diásporas”, explana.
Apesar da importância que teve para a difusão do afrofuturismo no Brasil, inclusive sobre a perspectiva de gênero, ela desabafa sobre a falta de reconhecimento ao seu trabalho.
“Eu, primeira escritora mulher negra afrofuturista, não acordei com nenhum contrato editorial na minha porta, mas em dezembro estarei no Chile falando de literatura afrofuturista. Minhas obras já fazem parte de estudos latinoamericanos na Noruega, nos Estados Unidos. Dá pra dizer que não estou pronta para ir longe? Não, mas preciso de uma editora progressista pronta para lidar comigo”, desabafa.
“Aguardo o contato. Mas até lá continuarei transgredindo os limites, tenho nova obra em andamento. Fácil para nós nunca é, mas não temos intenção de deixar de escrever sobre como somos potências que podem imaginar e inspirar afrofuturos”, conclui.