Reflexões sobre uma inspeção judicial: “A lei é morta, o juiz é vivo”
A cruzada da Justiça contra a corrupção vem sendo feita por um juiz vivo? Ruas, povo, passado, história têm sido devidamente inspecionados?
atualizado
Compartilhar notícia
A frase que abre a coluna deste domingo (15/4) me veio várias vezes à cabeça nesses últimos dias.
Pela primeira vez na vida, fiz uma inspeção judicial. Inspeção judicial é um meio de prova previsto no Código de Processo Civil e praticamente morto. Este nosso novo mundo de números, estatísticas, massificação de processos, pressas e agonias não deixou mais espaço para que um juiz, na dúvida sobre alguma coisa, pegue seu bocadinho de tempo, desloque-se, vá até o local do problema, veja com seus próprios olhos, roce sua pele e sinta o cheiro das controvérsias, não se contentando só com as suas tão desconfiáveis narrativas.
Um dos edifícios foi a leilão e arrematado. O arrematante quer que os moradores saiam do imóvel adquirido por ele. Devemos precisar então, exatamente, onde cada quitinete se localiza. Nomeei um perito engenheiro civil e ele orçou alto a perícia. As quitinetes são simplórias, as pessoas envolvidas não têm o dinheiro e estávamos nesse impasse. Sabe de uma coisa? Vou lá com minha trena – eu sempre gostei de uma reforma. Em 15 minutos, tive todas as respostas que precisava e voltei para a vara com uma noção do que estava em jogo poucas vezes alcançada por mim em outro processo.
Consegui ser, para este caso, uma juíza viva
A liminar do HC de Lula foi indeferida e Lula, preso. Sem entrar no vespeiro de discutir a justiça destas decisões, enquanto tudo isso foi sendo feito e discutido freneticamente no desenrolar da semana passada, na minha cabeça rodavam essas ideias: inspeções, leis mortas e juízes vivos.
A cruzada judicial contra a corrupção vem sendo feita por um juiz vivo? Será que as ruas, o povo, o passado, a história vêm sendo devidamente inspecionados tanto por este juiz quanto pelos que o criticam? A decisão do HC foi uma vitória de juízes vivos sobre uma lei morta? Ou ali, ao contrário, na intenção de se vivificar uma lei, a realidade foi apagada, ninguém se lembrando de “inspecionar” o que de fato ocorreu travestido de processo?
Mortes, vidas, prisões, visões se mesclaram tanto nos últimos dias e tempos que fico aqui pensando que o único fecho digno para esta coluna, a única resposta sincera a todos estes impasses e conflitos de agora, pelo menos por agora é: estou confusa, estamos todos. Continuemos “inspecionando”.