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Quem sou eu para dizer o que uma mãe com paredes manchadas deve fazer?

Quem somos nós para dizer que Dona Maria Dolores se equivoca? Nossas paredes brancas nos olham e nos perguntam.

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“Doutora, o que fiz de errado com esse menino?”

Maria Dolores, na casa dos 50, cabelos pretos encaracolados, 1,60 m no máximo, rosto redondo, tez morena, olhos muito molhados.

“Dona Maria, vamos pensar pra frente. O que vai adiantar a gente remoer o passado agora?”

Ela me conta sobre o alcoolismo do filho, sobre a inércia dele. Me conta de sua extrema violência e crueldade, que nem mais precisa de bebida para pintar de vermelho todas as paredes da casa. Me fala (baixinho) que ele já quebrou seu braço, queimou sua coxa, tingiu de roxo o seu pescoço algumas vezes.

Diz que agora tem ao menos um espaço para falar toda semana. A promotora havia lhe encaminhado para o serviço do psicossocial da Justiça.

Agradece. Gosta porque a psicóloga a escuta. Me conta o nome dela. Sorri triste. Não para de chorar.

Olha os livros na minha mesa e diz: “Não tenho coragem de tirá-lo de casa. É meu filho, doutora. A senhora tem filhos? Entende, não me entende?”

A senhora sou eu, ali com papéis ao redor, cercada também pelas minhas próprias paredes, mesmo que ainda não manchadas por aquele tipo de violência.

Nos encaramos. Eu digo que a entendo e que esperarei pela sua decisão.

Provável que não venha. Nem sua decisão, nem ela própria, nunca mais. Provável que desista do processo e até das escutas com a psicóloga, embora a violência do filho a gente saiba que vai continuar e tem chance de lhe render o pior desfecho.

Isso a promotora desabafa, dizendo que não entende. Nem eu. Mas quem somos nós para dizer que Dona Maria Dolores se equivoca? Nossas paredes brancas nos olham e nos perguntam.

Fecho o processo, cruzo o olhar com o da promotora, tão perturbada agora quanto eu. Acho que escuto ela dizer alguma coisa, mas não, estamos em total silêncio.

Chamo a próxima audiência.

(texto produzido com a colaboração da promotora de justiça Mariana Távora)


Gabriela Jardon é juíza do Distrito Federal desde 2005. Formada em Direito pelo UniCeub com mestrado em Direitos Humanos pela Universidade de Essex, na Inglaterra, escreve no Metrópoles todo domingo.

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