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Pequenos gestos fazem toda a diferença, seja em um voo ou na audiência

A gente quer um monte de coisas, mas o que fica de fato para as pessoas é o mais simples: uma porta aberta, um aperto de mão, um sorriso

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Há uns anos, atolada de trabalho, resolvi “economizar” servidor e deixar de ter secretário de audiência, passando eu mesma – que já tive essa função por anos – a digitar os depoimentos e manifestações.

Deu muito certo e, até hoje – não importa o quanto eu me esfole para fazer bem a audiência e as decisões –, se eu ganhar algum elogio ao final, vai ser pelo fato de ter feito a audiência “sozinha”: ter decorado o nome das partes para o pregão, aberto a porta e esperado as pessoas entrarem, cumprimentando-as. É que passei a fazer tudo isso. Explico.

Ao decidir não ter mais secretário ou secretária, quem iria fazer o pregão das partes (ato formal de se chamar em voz alta o nome dos participantes no corredor da sala de audiência, anunciando que a mesma vai começar)? Não tinha pensado nisso. Pegar alguém concentrado em fazer o seu trabalho só para dar um grito no corredor não parecia certo. Sobrou para mim: passei a fazer os pregões também das audiências.

E aí uma terceira coisa se colocou. Se eu abro a porta, chamo em voz alta as partes, o que fazer enquanto elas entram? Virar as costas? Seria mal-educado. Comecei a esperar em pé, na porta, todo mundo entrar, e – por que não? – a estender a mão, cumprimentando.

Sim, as pessoas levam um susto. Mas a toga, que uso sempre, fala por si, e rapidinho todo mundo entende, então me cumprimenta e entra – às vezes, até com um meio sorriso arrancado.

Nessas férias, na fila para pegar o avião, sozinha e tensa como sempre estou ao entrar em uma aeronave, dou de cara com um senhor alto, cabeleira farta loira, todo vestido de aviador. A visão dele ali parado na porta, de quepe e tudo, era tão diferente do usual que na hora achei ser alguém fantasiado querendo fazer uma surpresa ou algo assim para algum passageiro. Nada! Era o comandante do avião em pessoa: pelo que perguntei a uma aeromoça depois, ele sempre recepciona os passageiros à entrada do avião.

Babei. Ele não imagina quão enorme foi o meu conforto ao vê-lo ali, seu rosto, seu olhar, seu uniforme caprichado. Algo na simples presença dele naquela porta fez para mim, e minha persistente paúra de aviões, ser infinitamente mais fácil deslizar para dentro.

Lembrei-me das minhas audiências. Lembrei que, coincidentemente, também fico na porta – para alguns, em uma quebra de protocolo que pode ser mal vista. E, depois de horas e horas de ‘voo’ e muita coisa normalmente dita, o que as pessoas mais agradecem é o fato de eu ter aberto a porta, esperado por elas, tocado-as com um cumprimento

Pequenos gestos, pequenas humanidades. Tanto no avião quanto numa sala de audiência, é comum que as pessoas estejam angustiadíssimas. A gente, juiz ou juíza, quer ter estudado o processo muito bem estudado para conseguir dar uma boa solução; deseja ter feito o melhor curso de direito para realmente saber dar uma boa solução. A gente quer um monte de coisas. E tudo isso é importante. O que fica para as pessoas, no entanto, muitas vezes, é o mais simples: uma porta aberta, uma mão estendida, um nome decorado, um sorriso que se deu.

O sr. comandante do meu voo atravessou o Atlântico com o nosso avião, e imagino o quanto sabe de aviação e um monte de outras coisas para conseguir fazer isso. O que ficou para mim, no entanto, não foi seu conhecimento aeronáutico, mas o simples fato de estar me esperando ali, entre o chão e o ar, fazendo tudo parecer fácil e em ordem.

Adoro quando a hipercomplexidade da vida deste terceiro milênio espatifa ante à grandeza das coisas mais miúdas, essas comuns, que estão sempre ao alcance de absolutamente todo mundo: um olá, um abraço, uma camaradagem. Acontece em todas as manifestações da vida e, então, não podia ser diferente nem na aviação nem no Judiciário.

Ao voltar das minhas férias, é por aí onde andam meus pensamentos: que nossos voos por aqui, dentro do tribunal, não se esqueçam da simplicidade e da humanidade, sem as quais todo itinerário de trabalho acaba ficando vazio.

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