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Pais vão a fórum para juíza decidir o destino do filho no Ano Novo

Não tinha sala de audiência, não tinha toga, não tinha processo para despachar, não tinha advogado para intermediar, não tinha nada

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1 de 1 justiça - Foto: iStock

Era 31 de dezembro e eu no plantão judicial que iria até as 22h daquela noite. Chega um casal, com o filho de 4 anos sendo puxado pelo braço (imagino eu), discutindo alto sobre quem ficaria com o menino naquela noite de réveillon. Eram umas 21h30 e, em pouco, seria meia-noite. Não dava para acreditar.

Recém-separados, eles não tinham conseguido chegar a um consenso sobre quem passaria a data com a criança. Não me lembro mais quem estava com quem, mas a história era que um deles, revoltado porque o outro não tinha entregado o filho, foi pegar o menino à força e, confusão feita, resolveram então ir pessoalmente ao plantão da Justiça para que um juiz decidisse com quem o filho passaria aquela noite.

Evidente que estava tudo errado. A briga barulhenta deles, o arrastar do menino, já com muito sono e sem entender coisa alguma mas captando tudo, a decisão de se apresentarem pessoalmente na Justiça, sem advogado, sem uma petição sequer.

Ouvi a gritaria no corredor. Ouvi os seguranças e servidores tentando contorná-los, explicando que aquilo que queriam não existia, não podiam ir ao plantão judiciário como quem vai a uma delegacia. Precisavam de um advogado para fazer o pedido por escrito tal, tal, tal.

Não adiantava, o tom de voz deles só subia e o tumulto ia ficando pior. Eu, tensa, com o ouvido grudado na porta, até que escutei o menino começar a chorar, a chorar muito alto, e ninguém se calando por isso.

Num impulso, abri a porta e me apresentei a eles. Pedi calma, pedi silêncio e disse que iria recebê-los. Perguntei para a criança se queria ficar na minha sala enquanto conversava com o pai e a mãe. Balançou timidamente a cabeça dizendo que sim. Entrei com o menino, peguei umas folhas na impressora e todas as canetas que tinha. Quer desenhar? – e ele tomou aquelas folhas e canetas sem graça com tanta força da minha mão que não tive mais como esquecer.

Não tinha sala de audiência disponível no plantão, eu não tinha levado a toga, não tinha processo para despachar, não tinha advogado para intermediar, não tinha nada. Mas tinha eu e, na minha frente, aquela gente em febre, precisando que alguém interviesse. E tinha, especialmente, uma criança pequena naufragando sozinha enquanto os pais, obcecados pelas próprias dores, já não o enxergavam.

Era para isso – e não para o processo, para o advogado, para a toga ou para a sala de audiência – que uma juíza existia, pensei. O juiz está lá para, nos versos singelos mas tão completos de um desembargador poeta, simplesmente “resolver os problemas das pessoas” (o poema está abaixo).

Sentei com os dois em uma sala improvisada. Tentei, tentei, tentei que se entendessem. Nada. Eles queriam uma decisão que viesse de fora.

Podia ter encerrado a história, dizendo que não teria como decidir pois aquilo não era um processo. Já estava para fazer isso quando me dei conta que, assim, a duas horas da passagem do ano, se não desse a eles um rumo, a confusão toda ainda renderia e entraria ano novo a dentro. Era melhor “decidir” e fazer com que um dos dois desse àquele garoto um resto de noite se não em paz, pelo menos sem gritaria.

Entrei na minha sala e perguntei pro menino com quem ele queria ir para a casa, com a mamãe ou com o papai. E a resposta foi “não conta nada pro papai, não, mas eu queria ir com a minha mãe”.

Voltei me sentindo mais fundamentada do que se tivesse consultado todos os livros e jurisprudência de direito de família do mundo: “Ele vai ficar essa noite com a mãe”. Amanhã vocês procuram um advogado e acertam o direito de visita do pai.

Foram embora e eu também, sem saber se eu tinha ido longe demais, mas com a certeza de que não poderia ter feito diferente.

Nem uma hora depois, assim que rompeu o Ano Novo, a imagem da criança dormindo sossegada em alguma cama quentinha me surgiu no meio dos abraços em família. Sorri, com toda a esperança do mundo.


Saudade do fórum…

Nada me falta no Tribunal,
Do carinho espontâneo dos Colegas,
Às ótimas condições de trabalho,
Nada, nada me falta.
Mas sinto um vazio,
Que não é de fastio…
Mas de saudade do fórum…
Do borbulho dos corredores,
Do entra e sai de gente.
Do meu cafezinho na cobertura…
A sensação de liberdade,
Das suas lindas vistas panorâmicas,
Tudo a me recobrar as energias.
Das audiências…
Poder resolver as coisas das pessoas,
Ou lhes adiantar as agruras da sentença…
Saudade de Sentenciar…
Criar…Inovar…Dar…Reparar…

Saudade do fórum…

Eustáquio, 19/8/2017.

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