Homenagem à Marielle: eles não podem calar a todas nós!
Uma mulher falando “usurpa” um lugar que, desde que o mundo é mundo, pertenceu predominantemente a homens. Marielle precisava ser calada
atualizado
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Na última coluna, falei aqui sobre as interrupções constantes dos homens às falas das mulheres. Era domingo, 11 de março, e o Dia internacional das Mulheres tinha acabado de acontecer.
Três dias depois, a vida de uma mulher, a vereadora Marielle Franco, foi brutalmente interrompida. Interrompida na sua volta para casa, interrompida no seu casamento com a sua companheira, interrompida em sua carreira política, mas, principalmente, interrompida em sua fala.
A fala de Marielle incomodava. Principalmente porque vinha de uma negra, pobre, lésbica, nascida e criada em favela. Mas incomodava, sobretudo, porque vinha de uma mulher. Talvez um homem branco, de elite e hétero que fizesse as mesmas denúncias que ela tivesse sido executado também em algum momento. Talvez. Mas eu aposto todas as minhas fichas que calar alguém com as características de Marielle, especialmente a de ser uma mulher, foi mais fácil, mais provável, mais rápido e feito de forma mais cruel.
Fico aqui pensando nas milhares de Marielles que passam pelo sistema de justiça todos os dias e, por trás de uma denúncia de violência doméstica, de um pedido de divórcio, de uma falência, de uma dívida, de um filho dado à adoção, estão a pedir principalmente para serem ouvidas; às vezes, só ouvidas.Marielle falava forte, falava bonito, com coerência, falava em nome de muitos e muitas, falava sem medo, falava mais alto se fosse preciso. Mas era uma mulher falando. E uma mulher falando, especialmente da forma como ela falava, “usurpa” um lugar que, desde que o mundo é mundo, pertenceu predominantemente a homens. Marielle precisava ser calada. E foi – para tragédia dela e nossa também
Temos ouvido? Não digo como partes ou usuárias da justiça, mas como mulheres historicamente interrompidas. Temos?
Como resposta aos nossos ouvidos moucos, fica a fala de Marielle, na última vez em que discursou na tribuna da Câmara Legislativa do Rio de Janeiro (vídeo abaixo), ao ter a fala perturbada por um homem presente:
“Não serei interrompida, não aturo interrompimento dos vereadores desta casa, não aturarei de um cidadão que vem aqui e não sabe ouvir a posição de uma mulher.”
Quem sabe ouvir a posição de uma mulher?