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Audiências de interdição: perda de juízo não apaga o afeto

Nas audiências de interdição, o juiz é chamado a checar se o indivíduo manteve sua sanidade mental

atualizado

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A man screaming while his backside disintegrates
1 de 1 A man screaming while his backside disintegrates - Foto: IStock

E têm as audiências de interdição, onde somos chamados a checar, em Juízo, se aquela pessoa ali de juízo já não tem nada; se não fala mais cré com lé; e se, de um passeio ocasional, acabou indo viver definitivamente “fora da casinha”. Normalmente, todas as três opções anteriores são verdadeiras.

A linguagem jocosa é proposital. É que, nessas audiências, o drama intenso vem. normalmente, de mãos dadas com o absurdo da (in)consciência humana e, nessa fronteira, só o humor, um humor meio despudorado mesmo, salva a gente.

Lembro-me desse senhor que entrou abraçado à mulher – com o filho grande e desajeitado escoltando os dois.

Ocupou a sala inteira com sua presença aberta, simpática, falando pelos cotovelos, sorrindo com as mãos. Queria conversa, não deixava as perguntas morrerem, sempre as desdobrando para falar mais um pouquinho de sua vida (ou da vida de muitos), que ora teria se passado na Rússia, cinco minutos depois, no Uruguai, para depois ele se autointitular um carioca da gema.

Quanto à profissão, começou sendo torneiro mecânico, passou por adestrador de circo e terminou como alfaiate, tendo já costurado para dois ex-presidentes da República muito famosos, mas de quem não convinha dizer os nomes, pois também tinha lá seus segredos profissionais.

Ao questionar se sabia o que fazíamos ali, disse que estava esperando o padre entrar para nos casarmos, oras bolas, por que eu perguntava? Completou dizendo para não ficar ofendida, mas preferia que eu tivesse me vestido de branco, como uma noiva de verdade, e não posto aquela camisola preta feia.

A esposa, entre constrangida e conformada, acompanhava o tango do raciocínio do marido até então calada. Mas, ouvindo a história de casamento e com todas as risadas que vieram ao ambiente, não segurou e interferiu:

– Mas, Alfredo, casado você já é comigo! Como é que você vai se casar com ela?

Ele, como se tivesse assustado por vê-la ali, focou seu olhar no dela por alguns segundos e disse, com o raciocínio nesse instante parecendo perfeito:

– Luiza, eu estava brincando. Jamais vou largar de você.

Finaliza a frase, dando-lhe um beijo estalado na face, olhos úmidos dos dois lados.

Da cabeça de seu Alfredo, pude dizer com certeza que já toda ordem tinha lhe abandonado. Mas, no coração, o passado e seu amor pareciam ter resistido. A demência, a perda do norte mental, costumam apagar quase tudo. Quase, que bom: nem sempre apaga o afeto.

* História inspirada em relato do promotor de Justiça Tiago Figueiredo

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