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Seu filho tira notas baixas? A culpa pode ser do celular

O modo como usamos os celulares atualmente precisa ser repensado. Excessos podem atrapalhar inclusive o desenvolvimento emocional

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Começo uma reunião com uma família que não sabe o que fazer para que o filho deles passe de ano. A reprovação parece quase certa. Estavam presentes pai, mãe e a criança, de 13 anos. Os três mantinham os respectivos celulares em cima da mesa. Ninguém colocou no silencioso. Em uma reunião de 45 minutos, fomos interrompidos sete vezes.

Evidentemente, nas sete vezes, as ligações e as mensagens eram imprescindíveis, fundamentais e não poderiam esperar o fim da nossa conversa. Afinal, estávamos falando sobre o sucesso ou não do ano letivo daquela criança.

O modo como usamos os celulares atualmente precisa ser repensado – não somente porque prejudica os estudos (quando usado inadequadamente), mas também porque afeta nosso desenvolvimento emocional.

Seu filho, ao estudar, permanece ligado no WhatsApp. Como ele é da geração Z (os chamados nativos digitais), vai argumentar que é multitasking. “Estudo muito bem desse jeito!”.

E, assim, neste modus operandi de estudar com celular na mão, as notas dele são um desastre. Você, no entanto, quer um diagnóstico de um especialista. Ignora o celular e acredita que o mocinho é vítima de uma dificuldade de aprendizagem. Será mesmo? Em alguns poucos casos, pode até ser que haja alguma dificuldade, mas não costuma ser.

Na medida em que educamos nossos filhos, devemos ter informações que nos levem a tomar boas decisões. Meu filho é multitasking mesmo? Quando meu filho diz que o celular não atrapalha, devo acreditar? Não, você não deve acreditar.

O tema tem sido estudado por cientistas e em universidades. Na pesquisa “Estudos comportamentais e de neuroimagem sobre multitarefa: uma revisão de literatura”, as pesquisadoras Cyntia Bailer e lêda Maria Braga Tomitch apresentaram seis estudos representativos sobre o tema multitarefa e atenção. Em um deles, foram investigados os efeitos do recebimento de mensagens instantâneas em alunos que liam um livro didático.

 

Bailer e Tomitch dizem que “literatura da área cognitiva sugere que nossa capacidade para processar informação é limitada. Devido às limitações em capacidade, dividir atenção entre uma ou mais tarefas diferentes leva a uma diminuição no desempenho.”

As pesquisadoras concluíram que realizar mais de uma tarefa ao mesmo tempo envolve um processo cognitivo complexo que “normalmente resulta em pelo menos uma das tarefas ser desempenhada mais pobremente que quando é desempenhada isoladamente.”

A situação multitarefa exige mais recursos mentais do que a realização de tarefa única, já que a primeira requer processos cognitivos complexos para ocorrer simultaneamente enquanto compartilha uma infraestrutura comum, afirmam as pesquisadoras.

Alguns estudiosos têm proposto que não é uma questão de recrutar mais áreas do cérebro, mas, sim, uma questão de eficiência neural e sincronização neural. Em conjunto, os resultados dos estudos revisados pelo artigo de Bailer e Tomitch concordam com a literatura que uma rede de áreas cerebrais é ativada para a realização de tarefas. A ativação em tais áreas é sincronizada, além disso, quanto mais complexa a tarefa, maior a quantidade de ativação nas áreas envolvidas – e maior o consumo de recursos cognitivos.

Em poucas palavras: permanecer ligado no WhatsApp prejudicará os estudos do seu filho. Outro aspecto que devemos considerar é a implicação do uso indiscriminado do celular no desenvolvimento emocional da moçada.

O sintoma mais nocivo talvez seja a necessidade de estar conectado, disponível e informado todo o tempo. Segundo a psicóloga Maria Raquel Gonçalves de Araújo, isso, por si só, já configura uma forte neurose (a ansiedade, podendo ter também alguns indicativos de angústia ou até mesmo depressão).

A psicóloga acrescenta que “quanto mais se procura estar antenado, disponível e informado, durante grande parte do tempo, menos tempo é dedicado às trocas reais de convívio e relacionamento humano”.

Nos ligamos a um mundo virtual durante muitas horas da nossa vida e negligenciamos o contato mais imprescindível entre seres humanos: o contato afetivo. Para se relacionar com o outro, ensina Maria Raquel, é necessário ir além de uma tela de celular/computador.

 

É troca de olhar, percepção de sentimentos/sensação e, acima de tudo, afeto. “Afeto é a palavra chave para a humanidade aprender a lidar com o tamanho distanciamento humano das redes sociais e dos telefones celulares”, explica.

Nós, como pais, devemos estabelecer limites de uso. Mas, acima de tudo, devemos servir de exemplo.

A psicóloga Lucinéia Chaves ensina:

“O modo como nós vemos o mundo tem relação com o modo como fomos cuidados, ouvidos, alimentados e tocados na infância. Somos levados a buscar significado de vida nas coisas externas, mas a fonte de significados humanos não é objetiva. É fundamental em qualquer fase da vida ser cuidado e ser objeto de interesse. É devido a esta necessidade que as redes sociais fazem tanto sucesso.”

Assim, seu papel como pai é mais amplo do que dar limites, é cuidar do seu filho ao longo de toda uma vida. Isso inclui deixar o celular de lado para ter qualidade nos momentos em que estiver com ele.

*Christiane Fernandes é pedagoga e psicopedagoga, especialista em dificuldades de aprendizagem pela Universidade de Brasília (UnB). É fundadora da Filhos – Educação e Aulas, empresa que atua na área de educação oferecendo aulas particulares em casa há 13 anos – www.filhosweb.com.br. Possui ainda MBA em Gestão Empresarial com Foco em Estratégia pela Fundação Getúlio Vargas.

 

 

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