Saiba como conversar com o seu filho sobre o desafio da Baleia Azul
Precisamos falar sobre isso: pais, escolas, psicólogos, pedagogos, governos, academia
atualizado
Compartilhar notícia
É urgente! Precisamos refletir sobre os motivos que fazem com que o jogo Baleia Azul exista. E não só isso: é fundamental fazermos uma série de questionamentos sobre a educação dos nossos filhos.
Resumidamente, o desafio da Baleia Azul é um jogo on-line que teria sido criado na Rússia, por um grupo conhecido como #F57. O game só existe dentro de grupos fechados de redes sociais, sobretudo no Facebook, e é dominado por gente autointitulada de curadores.
Estas pessoas selecionam crianças e adolescentes para participarem de um jogo que dura 50 dias e propõe desafios perversos como automutilação e todo tipo de atividade arriscada. O último desafio é tirar a própria vida.
O assunto é seríssimo. A Baleia Azul se espalhou pelo mundo e existem registros de jovens que tiraram a própria vida, no Brasil e no mundo. Ou seja: precisamos falar sobre isso. Todos nós, pais, escolas, psicólogos, pedagogos, governos, academia.
Devemos tratá-lo à exaustão com nossas crianças e adolescentes. Inclusive, no ambiente escolar. É como a questão das drogas: é delicado e o silêncio de pais e professores facilita o trabalho de criminosos. Se a escola do seu filho ainda não propôs um debate sobre o jogo, sugira um posicionamento.
Vamos tentar entender o cenário de hoje. A geração dos nossos filhos é o que chamo de Geração Kardashian (família americana que se tornou mundialmente conhecida por sua superexposição nas redes sociais, sex tapes “vazados” na internet, ostentação, glorificação da selfie e da autopromoção).
Entender esse fenômeno contemporâneo é entender o mundo em que nossos filhos estão inseridos. É a geração do narcisismo levado ao extremo, da vida compartilhada minuto a minuto nas redes sociais, da competição por likes, por visualizações, por nudes. É uma geração ávida por ser amada e legitimada por seus amigos virtuais.
E, nós, como pais, nos deparamos com uma realidade muito desconhecida, ficamos paralisados porque não temos conhecimento suficiente para lidar com essas situações. Hoje, não sabemos puxar um papo com nossos filhos sobre como foi o dia deles na escola, imagina conversar sobre depressão, suicídio e drogas. Este silêncio nos diálogos entre as famílias faz com que crianças e adolescentes busquem acolhimento nas redes sociais – ou no quarto trancado.
Mas a internet não pode ser tratada como vilã (ou como única vilã). Há milhões de jovens que têm uma vida on-line saudável, benéfica e divertida. Precisamos refletir sobre as famílias que negligenciam ou terceirizam a educação dos filhos. Vou além disso: a percepção é de que alguns pais, mães, crianças e adolescentes coabitam o mesmo espaço, mas não convivem – no sentido mais amplo que a palavra sugere.
Falo, prioritariamente, de conhecer seu filho, perceber o olhar, saber que algo está errado, ter um diálogo aberto, franco e empático. Esta criança deve ser inserida neste ambiente familiar, deve se sentir cuidada.
Amar é colocar limites, é criar uma rotina adequada, é dar proteção, é conversar. Hoje, o que se vê é uma escolha (às vezes deliberada, às vezes silenciosa) por não educar. Em busca de uma incansável aceitação do filho, alguns pais (muitas vezes culpados pela falta de tempo para estar em casa com os pequenos) adotam o papel de amigos e se esquecem da obrigação de ser tutor desta criança.
Diante da polêmica do Baleia Azul, instituições têm alertado que tem crescido o número de suicídios entre os adolescentes. É neste vácuo que jogos nefastos atuam.
“Crianças e adolescentes tiram a própria vida por se sentirem sozinhas. Cometem esses atos que são advindos de uma melancolia persistente, que se transforma na patologia chamada depressão. Se matam por não saberem falar a respeito da tamanha tristeza que possuem. Tristeza pela vida, por não se sentirem aceitos pelos amigos e até mesmo sem motivo específico”, explica a psicóloga Maria Raquel Gonçalves.
O adolescente que consegue elaborar seus sentimentos dizendo o que o incomoda, encontra no diálogo uma solução e um amparo. Mas se ele não consegue elaborar isso, se não encontra palavras e meios para darem vazão a essa tristeza, e se depara com um jogo como o Baleia Azul, então evidencia-se um problema de contexto familiar.
Por isso, é fundamental que pais e mães conversem com seus filhos, se aproximem verdadeiramente deles. Eles precisam entender que você tem condição de ouvi-lo, de compreendê-lo e, acima de tudo, de ajudá-lo. Simplesmente porque os pais são os responsáveis por ele e o amam.
avalia a psicóloga Maria Raquel Gonçalves.
O trágico jogo da Baleia Azul precisa se transformar numa oportunidade de reelaborar condutas familiares. Precisamos refletir sobre nosso papel como tutores.
“Ok, Christiane, o cenário é complicado. Vou repensar minha relação com meu filho. Como posso começar a fazer isso hoje?”, me perguntou uma amiga mãe, preocupada não só com o Baleia Azul, mas também com todos os desafios da vida moderna (drogas, álcool, depressão, direção perigosa ao volante etc.). Elaborei um pequeno guia de práticas que podem ser adotadas imediatamente para que possamos nos ajudar a ficar de olho.
DICAS PRÁTICAS:
1. De maneira geral, você pode (e deve) monitorar as redes sociais (e o e-mail) dos seus filhos até os 14 anos de idade. Converse antes, negocie o que é possível negociar, mas esclareça que você irá monitorar. Se os combinados estabelecidos não forem respeitados, retire o acesso dele à internet (isso vale para computador, laptop, tablet, celular, e-mail etc.).
2. Fique atento se o seu filho sempre usa casaco ou blusas de manga comprida em dias quentes. Ele pode estar escondendo alguma coisa. Sutilmente, crie uma situação para que a criança/adolescente tire estas peças de roupa incoerentes com o clima. Exemplo: “Hoje está muito quente, vamos dar uma volta de bicicleta (correr ou caminhar) juntos? Troque sua roupa e vamos”. “Vamos todos juntos ao clube tomar um sol neste domingo? Hoje o programa será familiar”. A psicóloga Maria Raquel ensina que, além de frases, convites e sugestões, é necessário implementar um comportamento de convivência entre pais e filhos. Segundo ela, hoje são escassos os momentos de convivência. O estabelecimento de programações familiares também se mostra uma necessidade urgentíssima numa sociedade que pode levar ao isolamento social e a uma privacidade um tanto excessiva e nociva.
3. Perceba se há perda de peso e/ou falta de apetite e se isso persiste. São sinais que algo está errado, neste caso, procure um médico especialista – endocrinologista – caso ele não perceba nada aparente, procure um terapeuta.
4. Avalie se seu filho apresenta olheiras em função de recorrente insônia. Ou se ele passa a noite inteira no computador, navegando em grupos e bate-papos on-line.
5. Perceba se há alteração nos níveis de agressividade. E se essa agressividade é elevada e constante.
6. Estabeleça uma regra: sempre que seu filho chegar em casa, não importa o horário, ele deve ir ao seu quarto te dar um beijo. Fique atento ao cheiro de cigarro, bebidas ou outras drogas. Analise também o comportamento dele.
7. O quarto dele é um aposento da sua casa. Ou seja, é seu também. Ele precisa entender que a privacidade, enquanto ele depender de você, será limitada. Ele não tem permissão de se desfazer de mobiliário (móveis), pintar a parede como bem entender, manter a porta trancada 100% do tempo. Tudo precisa ser conversado e negociado previamente com você.
8. Reserve uma hora do seu tempo, ao chegar em casa, para ser exclusivo do seu filho. Deixe o celular dentro da bolsa e/ou bolso e vá curtir com ele. Cozinhem ou joguem juntos, conversem sobre a escola, como ele está lidando com os colegas de turma, quais professores ele mais gosta e porque, assistam algo juntos e conversem o tempo todo sobre o que está sendo assistido, desçam e caminhem pela quadra, façam um lanche juntos.
9. Nos fins de semana, é hora de ir ao clube, ao parque, praticar esporte, ir ao teatro, à livraria. Comprem livros de interesse dos dois e comprem apenas um livro. Leve seu filho ao cinema e, no lanche pós-filme, converse sobre o roteiro, os personagens, pergunte a opinião dele, ouça para que você o conheça cada dia mais. Procure ouvir mais, nossos filhos querem ser verdadeiramente ouvidos.
E se você descobrir que seu filho está sendo vítima de um jogo criminoso como o Baleia Azul? É preciso agir:
- Converse muito seriamente com seu filho a respeito das consequências daquele jogo (ou outra situação sensível que você tenha descoberto). Explique como aquilo pode atingi-lo diretamente e mostre a proporção que isso gera para a vida dele e também ao contexto amplo familiar.
- Todo membro de uma família sofrerá emocionalmente as consequências de uma depressão ou suicídio de um parente íntimo. Esse diálogo deve ser aberto, direto, sem melindres e, acima de tudo, muito esclarecedor ao filho – tanto no contexto de gerar conhecimento acerca de distúrbios psicológicos quanto na necessidade de um acompanhamento com profissional de saúde.
- Nesta conversa, o adolescente deve saber que está sendo vítima de um ato cruel e criminoso. Não é apenas uma “brincadeira de internet”. É muito importante, portanto, registrar ocorrência junto à polícia. O governo federal e a Justiça só terão elementos para combater o Baleia Azul e crimes semelhantes com estatísticas e a informação de que, sim, nossos jovens estão expostos.
Se você estiver inseguro para iniciar esta conversa, procure antes um especialista para ser consultado sobre as abordagens a serem feitas com seu filho.
Christiane Fernandes é pedagoga e psicopedagoga, especialista em dificuldades de aprendizagem pela Universidade de Brasília (UnB). É fundadora da Filhos – Educação e Aulas (www.filhosweb.com.br), empresa que atua na área de educação oferecendo aulas particulares em casa há 13 anos. Possui ainda MBA em Gestão Empresarial com Foco em Estratégia pela Fundação Getulio Vargas.