Mudar de escola no meio do ano para evitar reprovação, sim ou não?
Como educadora, assistir a esse desfecho é frustrante. Não só do ponto de vista psicológico/emocional, mas também do prático
atualizado
Compartilhar notícia
Em julho, muitas famílias já sabem que os filhos têm grandes chances de reprovar. Com medo desse desfecho, decidem mudá-los de escola. Na prática, escolhem instituições mais “fracas” para assegurar a aprovação da criança. Como educadora, assistir a esse desfecho é frustrante. Não só do ponto de vista psicológico/emocional, mas também do prático.
Ao decidir não se dedicar aos estudos, o aluno corre grande risco de não passar. Mas, veja: foi uma decisão dele. Ainda que de forma inconsciente, qualquer adolescente sabe que não estudar poderá levá-lo à reprovação.
De qualquer forma, ele assume o risco. Tem a convicção de que, no fim, de um jeito ou de outro, vai dar tudo certo. O pequeno assume que errou, não se dedicou no primeiro semestre e está convicto: na próxima escola, tudo vai ser diferente. Ele promete e a família cede.
Os pais têm pena. Temem que ele passe pelo sofrimento da reprovação. Cedem porque financeiramente é muito caro reprovar (a mensalidade x 12!) ou porque não são analisadas profundamente as consequências de mudá-lo de escola no meio do ano.Para a psicóloga Maria Raquel Gonçalves de Araújo, mudar de escola reforça na criança o sentimento de solução “milagrosa” para resolver adversidades que possam aparecer em sua vida. Filhos/alunos precisam viver episódios de decepção, frustração e conflitos. Bem como devem enfrentar a realidade de que um comportamento pouco comprometido pode resultar na não conclusão de algo.“Ou seja: se eu não me dedico o suficiente e adequadamente, eu sou reprovado e tenho a chance de tentar de novo a mesma coisa, para que, merecendo, eu obtenha aprovação e conquiste a etapa seguinte”, ensina a especialista.
A reprovação pode ser o grande aprendizado para uma nova tentativa, com um sabor mais ‘suado de vitória’.
Maria Raquel Gonçalves de Araújo
E como esses filhos têm tanta certeza de que convencerão seus pais?
Essa certeza nasceu na dinâmica de negociação entre pais e filhos construída desde da primeira infância. Quem acompanha a coluna sabe que falamos frequentemente que crianças são sintomas dos responsáveis. Adultos hoje têm dificuldade de exercer sua função fundamental: a de serem pais e não amigos.
Na literatura psicanalítica, é comum diferenciar a relação de amizade e a de pais e filhos. A amizade que impera em algumas relações entre pais e filhos é circular, não há hierarquia na dinâmica familiar. É como se o peso da opinião de uma criança tenha o mesmo que a do responsável dele. Já nas relações saudáveis, nas quais se configura uma relação triangular, os pais decidem pelo filho.
Tem uma frase que gosto muito e representa bem essa dinâmica: saber renunciar para que os filhos sejam. Trocando em miúdos: temos de dar limites para que nossos filhos desabrochem. Para mim, como educadora, a reprovação pode ter muitos ganhos se for bem conduzida pela família. Mas, é claro, o ideal é que todo mundo estude, passe de ano e seja feliz (sem usar atalhos que possam prejudicar o futuro das nossas crianças).
Christiane Fernandes é pedagoga e psicopedagoga, especialista em dificuldades de aprendizagem pela Universidade de Brasília (UnB). É fundadora da Filhos – Educação e Aulas empresa que atua na área de educação oferecendo aulas particulares em casa há 13 anos. Possui ainda MBA em Gestão Empresarial com Foco em Estratégia pela Fundação Getúlio Vargas.