Cachorros não dançam balé! – parte 2
Clubes de leitura podem ser uma boa opção para os pais que ficam às vezes perdidos na hora de escolher os livros dos pequenos
atualizado
Compartilhar notícia
Vocês se lembram que, na coluna passada, mencionei as três belezuras de livros que minha filha de dois anos ama de paixão? O quarto livro dessa lista de favoritos da filhota é o belíssimo “A Invenção de Bárbara de Alencar”, que conta a história de uma das maiores líderes do movimento contra a escravidão no Brasil colônia, primeira presa política do Brasil, heroína da Revolução Pernambucana e da Confederação do Equador. Era avó do escritor José de Alencar.
O autor desta preciosidade é o poeta e escritor cearense Gylmar Chaves, autor de 18 livros. As ilustrações são do pintor cearense Audifax Rios. Curiosamente, Gylmar não faz distinção entre livros para adultos e livros infantis. Para ele, o importante é contar uma grande história, levar a mensagem adiante, independentemente do público a quem você está se dirigindo. A função do livro, diz Gylmar, é estabelecer essa conexão entre pessoas.
“Fui criado na cultura do cordel”, revela, ao se lembrar dos tempos de criança, em que ouvia os pais contando histórias para ele neste formato maravilhoso que é a cara do Brasil. Gylmar ficava fascinado não só com as histórias, mas também com a forma com que elas eram contadas.
Minha pequena de dois anos, quando me pede para ler o livro do Gylmar, não está preocupada com a história em si, ela está atenta à minha voz, à minha entonação, à minha presença ali. Enfim, ela se conecta com o livro através da minha mediação, da minha forma de contar a história.
Contação de histórias
Denise Guilherme, fundadora da Taba (@atabaleituraemrede), um clube de assinatura de livros, explica a importância de contação de histórias: “Para as crianças muito pequenas, essa conexão vem carregada de afeto, ela precisa ser carregada de afeto. Afeto vem de afetar, daquilo que te afeta, daquilo que te toca, daquilo que te mobiliza. E em um mundo tão agitado, com tanta coisa para chamar nossa atenção, para nos distrair, para nos envolver, para nos trazer a falsa sensação de viver experiências a todo momento, essa presença que o livro convoca quando um adulto se senta ao lado de uma criança e vai compartilhar com ela essa história. É fundamental”.
Denise explica que sua curadoria de livros pensa na família como um todo: “O livro é para a família! Os livros que a gente manda são livros que convocam os adultos a se emocionar, se envolver, pensar, descobrir coisas sobre o livro, porque essa é a nossa proposta. A gente é um clube de assinatura de livros infantis que tem um foco na formação de leitores. E quando a gente fala em formação de leitores, a gente está falando do leitor todo: da criança, do adulto, do educador, da professora, do mediador, do psicólogo e de todas as pessoas que são impactadas pelo nosso produto”.
Ela explica ainda que não divide os livros por faixa etária: “Essa classificação não faz o menor sentido, porque é uma classificação puramente comercial e para orientar uma compra focada em quando você quer resolver um problema. ‘Eu quero um livro para uma criança de três anos e vai lá e compra como se fosse uma calça ou uma blusa para criança de três anos’. Só que, com o livro, isso não funciona. Aliás nem com a blusa e nem com a calça, já que tem criança de três anos que usa roupinha de dois anos ou de quatro anos, dependendo do tamanho dela. Escolher um livro pressupõe a gente conhecer um pouco da competência daquele leitor”.
Perfis de leitores
Denise trabalha com quatro perfis de leitores: bebês, iniciantes, autônomos e experientes, independentemente das idades.
Os clubes de leitura podem ser uma boa opção para os pais que ficam às vezes perdidos na hora de escolher os livros dos pequenos – os curadores conseguem nos apresentar obras que fogem do óbvio e nos trazem opções de títulos que nem sempre estão entre os mais famosos ou os mais comentados, ampliando o leque de histórias para as crianças.
Por fim, é preciso destacar quatro fatores sistêmicos que a leitura traz para a vida dos nossos pequenos que tornam este hábito fundamental no desenvolvimento deles: conexão imediata entre pais e filhos, aumento do repertório da comunicação oral e escrita da criança, abordagem de temas delicados por meio de roupagens lúdicas e ampliação da diversidade cultural da criança.
Um quinto fator relevante é o desenvolvimento do hábito por meio do exemplo: ver os pais lendo e ler com os pais torna mais fácil para a criança a adoção do livro como um dos seus hobbies favoritos. É um jogo de ganha-ganha: a família ganha em empatia e afeto, os pais ganham uma nova forma de se conectar aos pequenos, a criança ganha aconchego e base para desenvolvimento intelectual mais robusto.