Vozes que Libertam: presos do Entorno apresentam 1ª cantata de Natal
O coral composto por 16 internos do regime fechado realizou a primeira apresentação para servidores do Fórum de Águas Lindas, Entorno do DF
atualizado
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Reeducandos do regime fechado do Presídio Regional de Águas Lindas de Goiás, Entorno do Distrito Federal, realizaram sua primeira cantata de Natal, na manhã desta segunda-feira (4/12). Os 16 internos que participam do coral Vozes que Libertam apresentaram-se cantando quatro músicas gospel para os servidores do fórum municipal e familiares.
O grupo é um braço do projeto pioneiro de políticas alternativas penais intitulado Trilhando um Novo Caminho, desenvolvido há cerca de quatro meses na cidade.
Por meio dele, detentos dos regimes aberto, semiaberto e fechado do presídio regional têm a oportunidade de reduzir a pena, bem como serem reintegrados à sociedade por meio da execução de trabalhos e projetos de ressocialização.
A iniciativa se dá por meio de parceria entre a 1ª Vara Criminal da comarca local com a prefeitura de Águas Lindas e a Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) da cidade. A colaboração permitiu a assinatura de uma lei municipal que criou a Secretaria de Políticas Alternativas Penais.
Responsável pelas ações, a juíza de direito Claudia Andrade, da 1ª Vara Criminal e de Execução Penal de Águas Lindas, conta que a ideia para o coral surgiu de sua paixão pela música e o reconhecimento da importância da cultura para a vida desses detentos.
“Como o coral é um braço do projeto Trilhando um Novo Caminho, que busca a ressocialização do preso, eu pensei, por que não vozes que libertam? Eles estão hoje encarcerados, mas buscam cumprir a sua pena para amanhã estarem libertos, de volta à sociedade. Então, eu pensei, vozes que libertam, porque vão libertar do vício do passado, da carreira do crime, vão libertar da vida promíscua para uma vida nova, para um futuro, uma vida digna”, ressaltou a juíza.
Segundo a magistrada, os internos veem o projeto como uma oportunidade de virada de chave na vida e esperam pela chance de poder participar. “É como se eles tivessem sido esquecidos e, de repente, alguém lembrou deles. Eles começaram a sentir que eles têm dignidade, eles se sentem orgulhosos de, hoje, poderem estar fazendo um trabalho digno, porque a música também pode ser instrumento de ressocialização. É um trabalho que dignifica a personalidade de cada um deles”, salienta.
O advogado e músico Ilvan Barbosa é o responsável por ministrar as aulas de canto para o coral Vozes que Libertam. Semanalmente, todas as sextas-feiras, ele e o tecladista Adriel Santos se reúnem com os reeducandos para cantarem músicas gospel por cerca de três horas.
E, a cada 12h horas de participação no coral, um dia de pena é reduzido da condenação do preso. “A remissão é música, louvar, adorar, como se fosse uma leitura. O pessoal, assim, meio bruto, que não entendia nada de música, a gente está lapidando e tendo um resultado extraordinário”, admira Ilvan.
De acordo com ele, alguns dos reeducandos já tinham gosto pela música, inclusive já cantavam e tocavam instrumentos antes da prisão. Outros, mesmo sem saber ler ou escrever, agarraram a oportunidade de reverem suas penas através do coral e descobriram um talento. “O projeto significa o futuro para crescer dos reeducando que querem sair do regime fechado através da música”, destacou.
Veja fotos da apresentação:
Descoberta de talento
O coral reúne 16 internos do sistema prisional de Águas Lindas de Goiás, entre 23 e 45 anos. A pena deles, segundo Ilvan, varia de 8 a 30 anos de reclusão.
Alexandro Mendes, 41 anos, é um dos internos que faz parte do coral. Ele conta que o projeto possibilitou que ele descobrisse uma vocação que, até então, não sabia que tinha: a de cantar.
“Eu não conhecia a parte dos louvores dentro de mim, mas a partir do momento que eu fui preso, descobri que tinha esse dom, o qual eu quero distribuir, para não só guardar para mim, mas para mostrar para as outras pessoas que necessitam ouvir o louvor do Senhor”, relata Alexandro.
O reeducando também acredita que a iniciativa permite mostrar para a sociedade que eles não estão mais voltados para a vida do crime. “Do pior nós já saímos. A gente tem mostrado um pouco dos nossos outros talentos que aprendemos aqui também. Antes, a gente pegava no cabo de uma arma para mostrar que era mais homem do que o outro, mas hoje nós queremos pegar em um cabo de rodo para pintar, para trabalhar em melhorias na cidade para a população. Aquele do passado morreu”, reforça.
Secretário municipal de Políticas de Alternativas Penais, Jaime Silva destaca a importância do coral como uma iniciativa positiva para a ressocialização dos encarcerados. Como braço do projeto de revitalização dos espaços públicos do município, os internos encontram dentro do presídio um meio de acesso à cultura por meio da música.
“Libertar a voz é lavar a alma deles também, mostrando para a população, para a sociedade, que eles estão ali verdadeiramente para um projeto de ressocialização. O nosso foco não é só o serviço braçal, mas, também, a oportunidade de reeducar, remitir a pena deles e mostrar que existe um novo caminho”, diz Jaime.
Jânio Antônio da Silva, 45, é outro detento do regime fechado que participa do projeto. Ele acredita na iniciativa como uma oportunidade única para mudar de vida desde que foi preso, há cinco anos.
“Eu sou evangélico, a gente gosta sempre de louvar, e surgiu essa oportunidade por meio do projeto. É um projeto importante para a mudança, para os reeducandos, ter uma oportunidade de mudança, e ver que a sociedade tem recebido de braços abertos esse projeto”, celebrou Jânio.
O reeducando não escondeu o nervosismo com a primeira apresentação do coral, mas comemorou ter dado tudo certo. “A gente não sabia como é que ia sair. Fiquei muito feliz, alegre, até me emocionei, chorei também. Vi que muita gente também se emocionou e é bom a gente levar alegria às pessoas. A gente vê que somos capazes de sermos melhores”, conta.
No dia 13 de dezembro, há a expectativa que o coral se apresente para toda a população de Águas Lindas, durante as comemorações do Natal Luz, na Praça da Bíblia.
Trilhando um Novo Caminho
Desenvolvido há cerca de quatro meses na cidade do Entorno do Distrito Federal, o projeto Trilhando um Novo Caminho oferece a detentos dos regimes aberto, semiaberto e fechado do presídio regional têm a oportunidade de reduzir a pena, bem como serem reintegrados à sociedade por meio da execução de trabalho remunerado, ao mesmo tempo em que ajudam na revitalização de espaços públicos do município.
Nos próximos meses, a iniciativa abrirá 300 vagas. Atualmente, 34 presos participam do programa: 27 do regime semiaberto e sete do fechado. Eles atuam na revitalização de praças, quadras esportivas, meios-fios, gramados, entre outros espaços públicos. As atividades são acompanhadas por agentes da segurança pública.
Além do trabalho, a iniciativa oferece cursos de profissionalização aos reeducandos em diversas áreas de atuação, bem como o coral Vozes que Libertam.