Por dia, DF tem 3 casos de violência doméstica entre companheiras
O número representa uma média de registros de 106 casos de violência doméstica entre casal lésbico por mês
atualizado
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Em junho de 2021, Amanda*, 24, terminou um relacionamento abusivo que manteve por três anos. A jovem e a então companheira namoraram três meses e decidiram morar juntas rapidamente. Com o tempo, o ciúmes da namorada fez a moradora de Samambaia perder amizades e empregos, até que a violência psicológica evoluiu para agressões físicas.
Além dos ataques, a jovem contou ao Metrópoles que era xingada durante discussões, ameaçada e que muitas vezes foi impedida de sair de casa pela namorada. A principal justificativa da companheira era o ciúmes. Após uma séries de constrangimentos, Amanda conseguiu terminar o relacionamento com a mulher. Apesar de ter sofrido violência doméstica, ela não chegou a denunciar a ex para a polícia.
“As principais questões foram acontecendo com o tempo. Perdi amizades, me proibiu de sair de casa, implicou com meu trabalho, com o tempo que eu passava estudando e tudo que eu me dedicasse que não fosse ela”, revelou Amanda.
O caso de Amanda é um em milhares, registrados no Distrito Federal. Apenas nos sete primeiros meses deste ano, foram identificados 9.081 autores de ocorrências relacionadas à Lei Maria da Penha no DF. Deste total, 745 (8,2%) são mulheres. Os dados revelam, ainda, que em 85,21% dos casos a motivação foi o sentimento de posse ou ciúme. De março de 2015 a julho de 2022, 70,8% das vítimas não haviam registrado ocorrências anteriores de violência doméstica.
A reportagem obteve os dados compilados pela Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP-DF). O número representa uma média de registros de 106 casos de violência doméstica entre casal lésbico por mês. Ou seja, pelo menos três ocorrências deste tipo por dia.
No ano passado, a SSP-DF registrou que 8,9% das ocorrências relacionadas à Maria da Penha eram com autoras mulheres. Já em 2020 e 2019, os números foram maiores, 9,9% e 9,7%, respectivamente.
Violência contra a mulher: identifique e saiba como denunciar
Políticas de proteção e visibilidade
Silvia Badim Marques, professora adjunta do departamento de saúde coletiva da Universidade de Brasília (UnB), ressalta que os sentimentos de dominância e poder também podem aparecer nas relações homoafetivas. No entanto, é necessário que sejam realizadas em conjunto mais políticas públicas de proteção às mulheres lésbicas.
“Não há como acreditar que nenhuma mulher, em momento algum, vai reproduzir um comportamento machista, já que somos formadas nesse paradigma. Em maior ou menor grau, as mulheres acabam tendo esse comportamento em suas relações”, comentou Silvia.
A profissional destaca que apesar de ser um crime, na maioria das vezes, cometido por homens, as mulheres também podem ser autoras de violência doméstica e feminicídio, não só nas relações afetivas, mas também em outros âmbitos familiares. Entretanto, as vítimas de violência doméstica em relação homoafetiva são mais prejudicas no amparo do Estado.
“Muitas mulheres não sabem que a Lei Maria da Penha se aplica em relação homoafetivas. Então, essas vítimas têm medo de denunciar e sofrerem também lesbofobia. É um temor de sofrer outra violência dentro das instituições do sistema de Justiça. Nós temos que falar da violência doméstica entre lésbicas, para que as vítimas fiquem mais informadas”, pontou a professora.
Feminicídio
O primeiro caso de feminicídio cometido por uma mulher no Brasil ocorreu há dois anos, em 23 de setembro de 2019, no Distrito Federal. Tatiane Luz da Costa Faria, 35 anos, teve 90% do corpo queimado após a companheira colocar fogo no apartamento onde elas moravam, em Santa Maria.
Wanessa Pereira de Sousa, 36 anos, acabou denunciada em novembro de 2020 pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e acusada de homicídio triplamente qualificado por motivo fútil, emprego de fogo e feminicídio por razões da condição do sexo feminino da vítima, em contexto de violência doméstica e da relação íntima de afeto existente entre elas. A mulher foi condenada a 18 anos e nove meses de prisão.
Veja fotos do casal:
A autora não aceitava o fim do relacionamento com Tatiane. Mensagens de texto trocadas entre o casal e anexadas no processo mostram que Wanessa e Tatiana vinham se desentendendo e que a vítima foi ameaçada. “Véi, não me faz raiva não, que eu quebro mesmo. Vou acabar com você”, escreveu Wanessa. Tatiana rebateu. “Faz, pode vir”, respondeu.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP-DF), de 2015 até 31 de julho de 2022, foram identificados 143 autores de feminicídio na capital federal, dois eram mulheres.
Segundo dados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), a Corte concedeu, até maio deste ano, 5.216 medidas protetivas de urgência, total ou parcialmente. Dessas, cerca de 800 foram concedidas a mulheres em situação de violência dentro do relacionamento homoafetivo.
O que o Estado oferece?
Procurada, a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) disse que o enfrentamento ao feminicídio e à violência doméstica é prioridade da atual gestão. “Como estratégia de prevenção, a SSP/DF lançou, em março de 2021, o Mulher Mais Segura, programa que reúne medidas, iniciativas e ações de enfrentamento aos crimes de gênero e fortalecimento de mecanismos de proteção”, disse a pasta, em nota.
Entre as ações do programa está o Dispositivo Móvel de Proteção à Pessoa (DMPP), mecanismo de acompanhamento, que monitora, simultaneamente, vítima e agressor, em tempo real, estabelecendo distância segura entre eles e impedindo que o agressor se aproxime. A partir da determinação do Judiciário local, a mulher vítima de violência recebe um dispositivo que informa a ela sobre a aproximação do agressor.
“Já o agressor recebe uma tornozeleira eletrônica. Ambos são monitorados de forma simultânea, diretamente do Centro Integrado de Operações de Brasília (Ciob). Até o momento, 69 vítimas foram acompanhadas pela Diretoria de Monitoramento de Pessoas Protegidas (DMPP)”, acrescenta a SSP.
Ainda conforme a pasta, a Mulher Mais Segura também coordena a ação Viva Flor, que dispõe de um aparelho similar a um smartphone, direcionado para mulheres vítimas de violência. A ferramenta tem como função o acionamento prioritário de emergência e, quando acionada, disponibiliza a localização da vítima em tempo real para que uma viatura da Polícia Militar vá até ela.
Canais de denúncia
Polícia Civil do DF (PCDF):
Denúncia on-line: https://is.gd/obhveF;
Telefone: 197, opção zero;
E-mail: denuncia197@pcdf.df.gov.br;
WhatsApp: (61) 98626-1197.
Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) – Telefone: 190.
Centro Integrado 18 de Maio – Casos que envolvam exploração sexual de crianças. Localizado na 307/308 Sul. Contatos: 2244-1512/2244-1513/Celular (61) 98314-0636/E-mail: coorc18m@sejus.df.gov.br
Conselho Tutelar – O telefone 125 recebe denúncias de violação de direitos de crianças e adolescentes
Disque 100 – Para casos de violações de direitos humanos, o Disque 100 é um dos meios mais conhecidos. Aliás, as denúncias podem ser feitas de forma anônima para casos de violações de direitos humanos
*Nome fictício para proteger a personagem.