Violência contra mulher: denúncia por meios eletrônicos cresceu 16% no DF em 2020
Levantamento da PCDF obtido pelo Metrópoles mostra ainda que, na pandemia, só a delegacia eletrônica somou 640 ocorrências desta natureza
atualizado
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Com a pandemia do novo coronavírus, mais mulheres vítimas de violência no Distrito Federal buscaram meios virtuais para denunciar as agressões à polícia. Um dos canais usados para isso foi a Delegacia Eletrônica. Até abril de 2020, não era possível formalizar ocorrência de violência doméstica pela plataforma. Após a Polícia Civil do DF (PCDF) ampliar o atendimento, abrindo possibilidade de tais registros, a delegacia somou 640 boletins on-line em oito meses.
Levantamento obtido com exclusividade pelo Metrópoles mostra que, em 2020, os registros de ocorrências da Lei Maria da Penha nas delegacias físicas do DF caíram 4%, passando de 17.612, em 2019, para 16.974, no ano passado.
Entretanto, enquanto menos mulheres formalizaram ocorrências presencialmente nas delegacias do DF, os canais de emergência da PCDF para denúncias à distância (sem contar a Delegacia Eletrônica, que é um meio para registros formais), como Whatsapp, e-mail, internet e disque denúncia, registraram juntos 328 notificações a mais em 2020. Os números passaram de 2.069 em 2019 para 2.397 no ano passado – aumento de 16%.
Veja, abaixo, os números detalhados:
Segundo a delegada Karina Duarte, da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher, em Ceilândia (Deam II), esses registros pela Delegacia Eletrônica, devem ser mantidos mesmo após a pandemia. “Inclusive, agora a mulher pode fazer um pedido de medida protetiva de urgência pela internet”, acrescenta.
Queda de feminicídios
Segundo levantamento da Secretaria de Segurança Pública divulgado na última terça-feira (12/1), os casos de feminicídio caíram 47% na capital. Foram 32 vítimas em 2019, contra 17 no ano passado.
As tentativas de feminicídio no DF também tiveram queda, de 33%. Em 2019, houve 89 registros e, em 2020, 60.
Apesar disso, segundo a pesquisa da PCDF, as ocorrências de estupro e de lesão corporal aumentaram no ano passado. Os registros de violência sexual passaram de 789 para 793. Já os de agressão física foram de 3.177 em 2019 para 3.275 em 2020.
Para a delegada Karina, apesar de as denúncias por meios eletrônicos terem aumentado e dos feminicídios terem apresentado queda, não necessariamente as duas situações estão relacionadas. “O feminicídio é um crime complexo, que tem muitas variáveis envolvidas. Então, não dá para apontar que foi o aumento de denúncias que levou a essa queda”, pontua.
Embora não seja possível especificar o que, de fato, levou à redução nos números de feminicídio em 2020 na capital, a delegada destaca que, para que agressores sejam punidos e que os índices diminuam, a denúncia continua sendo primordial.
“Não importa o meio: seja pela internet, pelo 197, fazendo uma ocorrência eletrônica, ou indo pessoalmente à delegacia. É importante que a vítima procure ajuda do Estado, para que o Estado tome providências para essa vítima ficar em segurança”, ressalta.
Delegacia especializada
Apesar da queda nos registros presenciais no DF em 2020, a delegada observa que, em Ceilândia, os números de ocorrências relacionadas à Lei Maria da Penha nas delegacias locais aumentaram no ano passado. O fato coincide com a inauguração da Deam II, em Ceilândia.
Um levantamento feito pela própria delegacia, que avaliou tais registros entre janeiro e novembro, mostra que foram registradas 2.568 ocorrências de violência contra a mulher na região administrativa em 2019, contra 2.825 no mesmo período de 2020. O aumento é de 10%.
“Além de ser a cidade mais populosa do DF, Ceilândia é a que tem mais casos de violência doméstica. Com a chegada da delegacia, a partir de junho, o crescimento das denúncias foi expressivo”, analisa Karina.
Na avaliação da delegada, isso mostra que “a mulher ainda prefere uma delegacia física especializada”. “Isso não exclui o caminho da Delegacia Eletrônica, acho que as polícias têm que estar cada vez mais preparadas para atender por esse meio, mas mostra a importância de um ambiente especializado”, destaca.
Confira, abaixo, os números:
Para a doutora em sociologia Lourdes Maria Bandeira, do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Mulheres da Universidade de Brasília (UnB), existe um importante trabalho do Estado em relação aos crimes de gênero no DF. No entanto, ainda são necessárias mais ações preventivas.
“O fato da mulher ter mais formas de pedir ajuda, de ir na farmácia com um “x” na mão, de um vizinho fazer a denúncia pela internet, é algo positivo. Porém, muitas vítimas ainda deixam de denunciar porque vivem sob ameaça, dependem financeiramente do agressor e precisam garantir o sustento dos filhos… Então, é necessário maior acolhimento institucional”, assinala.
Além disso, ela defende que há outra questão a ser tratada: “a compreensão da mulher sobre o crime”. “Um dia, ela é obrigada a ter relação sexual com o companheiro; no outro, recebe um chute. Essas violências cotidianas, se não anunciadas, podem seguir até o estágio do feminicídio. Então, precisamos de um trabalho de conscientização das mulheres sobre a violência também”, alerta a professora.
Prevenção
Apenas nos 12 primeiros dias de 2021, o Distrito Federal registrou dois feminicídios. Uma das vítimas foi Marley de Barcelos Dias, 54 anos. Cerca de sete horas antes de cometer o crime, o ex-companheiro dela, Geovane Geraldo Mendes da Cunha, 44, teve um mandado de prisão expedido pela Justiça do DF.
Geovane deveria cumprir pena em regime semiaberto por um processo de 2015 que foi movido pelo Ministério Público do DF (MPDFT) por violência doméstica contra Marley. Na época, ela retirou a primeira de duas medidas protetivas que pediu, mas a denúncia feita pelo órgão público teve prosseguimento.
O cumprimento da pena poderia ter iniciado em junho, mas a expedição do mandado de prisão foi postergada mais de uma vez. Seis meses depois, nessa segunda-feira (11/1), o mandado saiu, mas não foi cumprido a tempo de evitar a morte de Marley.
Segundo a professora Lourdes, a denúncia deve ser apenas o primeiro passo do processo, tanto por parte das vítimas, como do Estado. “É preciso que haja um prosseguimento, no sentido de: ‘Quais são as estratégias que vamos articular para evitar o feminicídio?’ Que não fique apenas na denúncia”, enfatiza.
“A instalação da Deam II mostra como uma política pública pode fazer a diferença. Quantos feminicídios podem ter sido evitados após mulheres procurarem uma ajuda especializada? Mas esse trabalho precisa ir até o fim”, reforça a professora.