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Vídeo: desembargador insinua que juiz com filho autista não deveria prestar concurso

Declaração foi proferida pelo desembargador Raimundo Bogea, do TJMA, durante análise de pedido de teletrabalho por parte de um juiz

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1 de 1 Foto-desembargador Raimundo Bogea - Foto: Reprodução

Durante uma sessão realizada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), nessa quarta-feira (17/5), magistrados analisavam o pedido de teletrabalho por parte de um juiz – que fez a solicitação para que pudesse cuidar do filho diagnosticado com autismo –, quando uma fala proferida pelo desembargador Raimundo Bogea causou revolta.

Ao expressar o seu posicionamento contrário ao pedido, Bogea defendeu que, durante um concurso para a magistratura, fosse avaliado se o inscrito tem filho com algum tipo de deficiência. “Eu acho até que nesse concurso já se devia avaliar se o juiz, quando faz o concurso, tem um filho com problema”, disse o desembargador.

Veja:

  • Veja a sessão completa realizada pelo Órgão Especial aqui

Inconformados com a fala de Bogea, um grupo de magistrados de tribunais judiciários do Brasil publicou uma nota de repúdio à alegação. “Para além de discriminador, o conteúdo das declarações revela uma violação a direitos humanos, iguais e inalienáveis. Cabe esclarecer que deficiência não é doença e, muito menos, um ‘problema’, mas sim uma característica”, começou a nota.

“Ademais, ter um filho com deficiência não é e nunca poderá ser causa que impeça a participação e/ou admissão de um indivíduo em qualquer cargo ou função, seja de natureza pública ou privada”, pontua.

“[…] Dessa forma, não trata-se de um direito a ser reconhecido em virtude da condição econômica ou social, mas em razão das necessidades diferenciadas da pessoa com deficiência que está sob a sua guarda, e, por isso, demanda a sua presença. Tanto que o tema já foi regulamentado pelo Conselho da Justiça Federal e por muitos tribunais”, escreveram os magistrados. (Leia abaixo o documento completo).

A resolução do CNJ a qual se refere a nota é a 343/2020. Segundo o entendimento, podem ser concedidas “condições especiais de trabalho” a magistrados(as) e servidores(as) com deficiência, necessidades especiais ou doença grave, bem como os que tenham filhos(as) ou dependentes legais na mesma condição.

Em sua defesa, o desembargador disse que “não compactuo e jamais” compactuará “com qualquer tipo de discurso ou prática discriminatória”.

“O trecho destacado do meu voto, infelizmente, foi tirado de contexto. Não retratando, assim, a minha compreensão sobre o tema, como, aliás, o revela o meu histórico na concretização de direitos humanos e, especialmente, do direito à saúde”, começou Bogea.

“Em momento algum pretendi ou sugeri impedir a participação em concurso e/ou admissão de candidatos com filhos e/ou cônjuges deficientes ou com necessidades especiais, mas criar mecanismos para permitir ao tribunal efetuar lotações de futuros magistrados, nessa situação, em comarcas próximas a grandes centros urbanos. Minimizando, dessa forma, a necessidade de teletrabalho e garantindo ao usuário do serviço público jurisdicional, a presença do juiz em sua comarca, conforme estabelecido na Lei Orgânica da Magistratura Nacional”, declarou.

“Por fim, nada obstante o presente esclarecimento, peço desculpas às colegas e aos colegas da magistratura, e à sociedade em geral, que, eventualmente, tenham se sentido ofendidos pela minha manifestação”, finalizou o desembargador.

Iniciativas a favor do autismo

O entendimento do magistrado foi proferido na mesma semana em que o CNJ lançou o Manual de Atendimento a Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Na cartilha, o órgão incentiva um debate sobre o TEA, o colocando dentro do Judiciário, e amplia a discussão para outras instâncias da sociedade.

Ainda no mesmo período, o Tribunal Regional Federal 1 (TRF 1), no DF, autorizou um homem de 40 anos, diagnosticado tardiamente com autismo grau 1, a sacar os valores depositados no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O pedido havia sido negado pela Caixa.

Na sentença, proferida pelo juiz Caio Castagine, o magistrado pontuou ser “um equívoco comum pensar que um grau leve de autismo é menos grave ou menos significativo do que um grau mais severo”.

No Brasil, o saque do benefício é permitido apenas nos seguintes casos: demissão — o saque-rescisão —; em mês de aniversário; em situações extraordinárias definidas pelo governo; existência de doenças graves; no momento da aposentadoria; diante de calamidades públicas; ou a partir dos 70 anos.

Pelo fato de não compor, de maneira explícita, o rol das doenças graves, a instituição ignorou a condição do homem e negou o acesso ao dinheiro. No entanto, enquanto analisava o caso, o juiz considerou uma normatização interna da Caixa, em que o banco diz considerar o autismo severo para obtenção do benefício, e defendeu a inclusão do grau leve na regulamentação.

Na determinação, o magistrado garantiu ao cidadão o saque do benefício. “A concepção equivocada de que um grau leve de autismo é menos grave pode levar a uma falta de compreensão e apoio adequado às pessoas com essa condição. Embora possam ser altamente funcionais em algumas áreas, ainda podem enfrentar desafios significativos em outras. Essas dificuldades podem impactar qualidade de vida, bem-estar emocional e oportunidades de educação e emprego”, destacou Caio Castagine.

Confira a nota na íntegra:

“Nós, magistrados e magistradas brasileiros, pais de filhos com ou sem deficiência, sem prejuízo das demais providências cabíveis, vimos a público repudiar as declarações prestadas pelo Exmo. Sr. Desembargador Raimundo Bogea, durante sessão realizada pelo Órgão Especial do E. Tribunal de Justiça do Maranhão, no dia 17/05/2023, ao proferir voto no julgamento de teletrabalho de magistrado local, em virtude deste último possuir filho com deficiência, sobretudo, ao afirmar “eu acho até que nesse concurso já se devia avaliar se o juiz quando faz o concurso ele já tem um filho com problema”.

Para além de discriminador, o conteúdo das declarações revela uma violação a direitos humanos, iguais e inalienáveis.

Cabe esclarecer que deficiência não é doença e, muito menos, um “problema”, mas sim uma característica.

Ademais, ter um filho com deficiência não é e nunca poderá ser causa que impeça a participação e/ou admissão de um indivíduo em qualquer cargo ou função, seja de natureza pública ou privada.

Ainda, o regime especial de teletrabalho, exercido por pessoas que possuem filhos e/ou cônjuge e/ou dependente com deficiência, não se trata de um privilégio, mas de um direito de qualquer trabalhador que se encontre nestas condições, visando o bem estar, principalmente, emocional, da pessoa com deficiente, conforme assegurado pelo artigo 17 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, subscrita e ratificada pela República federativa do Brasil através do Decreto 6.949/2009, a qual, por força da cláusula de abertura material prevista no parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição Federal e, por esta razão, possui status constitucional.

Não se trata de um direito a ser reconhecido em virtude da condição econômica e/ou social do trabalhador público ou privado, mas em razão das necessidades diferenciadas da pessoa com deficiência que esta sob a sua guarda e, por isso, demanda a sua presença, tanto que já regulamentado pelo Conselho da Justiça Federal e por muitos Tribunais de Justiça.

Por fim, o exercício do múnus público através de teletrabalho, quando realizado de forma responsável e comprometida não desonra o exercício da magistratura e, muito menos, o uso da toga. Ao contrário, a produtividade dos magistrados não diminuiu por conta do teletrabalho daqueles que necessitam dar mais assistência aos seus dependentes com deficiência.

Aliás, muitos magistrados, mesmo sofrendo com as agruras das circunstâncias decorrentes de alguns tipos de deficiência, são tão ou MAIS produtivos do que outros que não necessitam de regime excepcional. Basta que sejam verificados os índices de produtividade, logicamente, respeitando-se as proporções e níveis de trabalho em cada instância ou esfera jurisdicional.

Rio de Janeiro, 18 de maio de 2023.

Desembargadora Regina Lucia Passos (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro)

Juíza Federal Claudia Valéria Bastos Fernandes (Justiça Federal do Rio de Janeiro)

Juiz Rodrigo Rocha de Jesus (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro)

Juiz Rafael Rodrigues Carneiro TJRJ

Luciana Fiala de Siqueira Carvalho
Juíza de Direito do TJRJ

Juíza Érika Bastos de Oliveira Carneiro – TJRJ

Macario R J Neto – TRF2

Larissa Camargo -TJRO”.

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