Vicente Pires tem 500 prédios irregulares e moradores correm riscos
Governo quer regularizar e reforçar a segurança dos edifícios. Parte das obras ultrapassa limites urbanos, e operários trabalham sem EPIs
atualizado
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Escorados por uma brecha no Código de Obras, falhas históricas na fiscalização e a expectativa de anistia para as ilegalidades, os prédios irregulares continuam a surgir cada vez mais em Vicente Pires. Em agosto de 2018, a cidade tinha 487 edificações com mais de três pavimentos. Em abril de 2019, o total de edifícios erguidos sem alvará de construção subiu para 500 unidades. O levantamento é da Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis).
Obras fora da lei podem custar vidas. Em 20 de outubro de 2017, o desabamento parcial de um edifício irregular na Colônia Agrícola Samambaia, em Vicente Pires, matou o técnico em edificações Agmar Silva, de 55 anos. Na manhã de 12 de abril deste ano, dois prédios construídos irregularmente foram ao chão no Rio de Janeiro, matando moradores e deixando famílias desabrigadas.
As construções ilegais também colocam em risco o meio ambiente, a infraestrutura básica da cidade e, até mesmo, o processo de regularização fundiária de Vicente Pires. Ao completar os primeiros 100 dias de governo (10/04/2019), o governador Ibaneis Rocha (MDB) revelou preocupação com o crescimento vertical desordenado na região. A intenção do Executivo é regularizar os empreendimentos dentro dos limites possíveis.
“Todos os dias, acordo e rezo para não acontecer um desastre como aconteceu no Rio de Janeiro”, comentou o emedebista. Contudo, caso não existam condições para a regularização, o GDF vai estudar entrar com ações judiciais de demolição. Por isso, Ibaneis assumiu o compromisso de apertar a fiscalização no local.
A regularização da cidade esbarra em um problema grave. Segundo o secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Mateus de Oliveira, o artigo 153 da Lei nº 6.138, de 2018, o novo Código de Obras, abre brecha para a regularização de qualquer construção apenas com a apresentação de uma planta da estrutura. O texto foi modificado por um substitutivo na Câmara Legislativa.
Isso dá a entender o quê? Vai regularizar do jeito que está lá? Não haveria nenhuma penalização? Sem qualquer juízo de valor ou posicionamento prévio, começamos estudos técnicos e jurídicos para nortear a regulamentação desse artigo, por decreto. Mas isso gera efeitos não apenas em Vicente Pires, mas em todo o DF. Por causa disso, já recebemos pedidos de ampliações de projetos no Jardim Botânico.
Mateus de Oliveira, secretário de Desenvolvimento Urbano
Do ponto de vista de Oliveira, a verticalização e a revisão de limites de construção são passos naturais de qualquer cidade. A cidade de São Paulo, por exemplo, tem um projeto de lei em tramitação. Mas é indispensável segurança jurídica e clareza.
Para o administrador regional de Vicente Pires, Daniel de Castro, os canteiros de obras não param porque ninguém respeita o Estado. “A administração não emitiu nenhum alvará. E toda a construção que a gente vê, comunicamos à Agefis, que tem autonomia para fiscalizar, multar, embargar”, comentou.
O Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) de 2009 sugeriu limites para as construções, incluindo altura e pavimentos. Em Vicente Pires, caso pudessem ser erguidos, os prédios deveriam ter, no máximo, seis andares. Mas nem esses “pré-limites” costumam ser respeitados.
Segundo o diretor-presidente da Agefis, Georgeano Trigueiro, a grande preocupação dos fiscais é com a segurança das edificações. Por isso, serão disparadas notificações cobrando dos proprietários laudos técnicos de segurança e estabilidade da construção, com a assinatura de um profissional habilitado, engenheiro civil ou arquiteto. Donos dos prédios concluídos que não responderem poderão ser multados. Responsáveis por obras em andamento poderão receber multa e as obras, embargadas.
Fiscalização
Conforme o processo de regularização evoluir, a fiscalização passará a cobrar com mais rigor os limites urbanísticos dos empreendimentos. Para Trigueiro, eventuais derrubadas serão feitas apenas em casos “extremos”. Segundo o diretor-presidente, a agência não está de braços cruzados e emite constantemente multas para obras com problemas graves.
Há casos em que os valores das multas são muito altos e, mesmo assim, a pessoa insiste em trabalhar no prédio. A gente chega a não entender qual é a equação financeira que a pessoa utiliza. Têm multas que custam R$ 200 mil ou mais
Georgeano Trigueiro, diretor-presidente da Agefis
Trigueiro ressaltou que a prioridade do governo é a regularização. Por isso, uma construção muito discrepante da realidade pode ser apenas parcialmente regularizada ou, até mesmo, permanecer 100% irregular.
A verticalização de Vicente Pires também entrou na alça de mira da presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do DF, Fátima Có. Em parceria com a Agefis, o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil, a entidade pretende fazer uma vistoria nas condições de segurança dos prédios da região.
Flagrante
O Metrópoles percorreu parte das obras de Vicente Pires na tarde de quinta-feira (18/04/2019). A reportagem flagrou operários trabalhando sem equipamentos de proteção individual (EPIs), a exemplo do capacete, em uma obra na Rua 4A, no Residencial Eldorado. Além de apresentar seis pavimentos, o empreendimento tinha sinais de construção de uma cobertura. Ninguém no local quis comentar sobre a situação.
A obra é semelhante a um edifício construído ao lado do Residencial Enjoy, que também apresenta seis andares e uma cobertura. Segundo relatos dos operários, as duas construções teriam o mesmo responsável, porém são condomínios distintos. A reportagem tentou contato com a empresa que seria encarregada das obras, mas não obteve retorno.
Mudanças
Incumbido da construção do Residencial Lázaro, Jair Alexandre da Silva admitiu que a obra, já finalizada, não teve alvará de construção. Contudo, argumentou que havia recebido previamente sinalização de que haveria regularização da área e do empreendimento pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU) e pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional (Codhab).
O empreendedor justificou ter levado a obra em frente porque havia deixado a Companhia de Saneamento Ambiental (Caesb) em um plano de demissão voluntária e precisava aplicar o dinheiro. Para Jair, o perfil da cidade mudou. E a região busca o desenvolvimento.
“Fui na SPU e na Codhab, mas quando cheguei na administração regional disseram que eu não teria alvará, que iria construir à revelia. Eu saí em um PDV, não ia deixar o dinheiro parado. Fui obrigado a investir, mas tomei todos os cuidados com segurança na obra. Se você me permite fazer um complemento, as pessoas precisam entender que Vicente Pires não é mais uma colônia agrícola. Não é mais uma área para chácaras”, afirmou Silva.
Jair foi multado pela Agefis, mas seguiu em frente com a construção. Mesmo assim, aguarda a tão prometida regularização. Inclusive, está disposto a reformar o prédio, sacrificando, até mesmo, um andar para deixar o empreendimento dentro da legalidade.