Via Engenharia, a Odebrecht do DF, dobrou o patrimônio em um ano
O crescimento de R$ 567,669 para R$ 1 bilhão ocorreu na gestão de Agnelo Queiroz (PT), no ano em que o Mané Garrincha foi reinaugurado
atualizado
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Nascida em Brasília, dona de um patrimônio bilionário e agora acusada por delatores da Lava Jato de pagar propina para ter acesso a grandes obras públicas do Distrito Federal, a Via Engenharia tornou-se uma espécie de Odebrecht do Cerrado.
De acordo com dados levantados pelo Metrópoles, a partir de informações do balanço patrimonial oficial da empresa e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o crescimento dos bens da Via é diretamente proporcional ao aumento de suas doações para campanhas eleitorais. A empreiteira começou as atividades em 1980 e teve crescimento vertiginoso no governo de Agnelo Queiroz (PT), onde dobrou seu patrimônio.
Entre 2004 e 2011, a construtora demorou sete anos para ampliar o patrimônio de R$ 207 milhões para R$ 447,8 milhões. Porém, em 2012, a situação foi diferente. Em apenas 12 meses, o total do ativo consolidado dobrou. Passou de R$ 567,669 para R$ 1 bilhão em 2013. Há de se considerar que, no período, a empresa expandiu o ramo de atuação para outras unidades da Federação. Além disso, concluiu a reforma do Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha, alvo de diversos questionamentos do Tribunal de Contas local, do Ministério Público do DF e Territórios e, mais recentemente, da Lava Jato.
Em 18 de maio de 2013, a arena foi entregue. Com a capacidade de 45,2 mil pessoas, foi ampliada para 72.788. A obra, erguida pelo Consórcio Brasília – formado pela Andrade Gutierrez e pela Via Engenharia –, foi orçada inicialmente em R$ 697 milhões, mas custou cerca de R$ 1,5 bilhão, tornando-se o estádio mais caro do país dentre as arenas construídas ou reformadas para a Copa do Mundo 2014.
Em novembro de 2015, a Andrade Gutierrez confessou um esquema de propina para conseguir obras federais, incluindo as do Mundial de futebol. A empreiteira fechou acordo de delação e leniência com a Procuradoria-Geral da República (PGR).
Crescimento e doações eleitorais
Paralelamente ao crescimento patrimonial da Via Engenharia, de R$ 207 milhões em 2004 para R$ 1 bilhão em 2013, o investimento da empresa em doações para campanhas oficiais também aumentou. De 2006 a 2014 as ofertas da empreiteira nas corridas eleitorais subiram 300%.
No pleito que elegeu o governador José Roberto Arruda, tendo Paulo Octávio como vice, a doação oficial declarada da Via para políticos em geral foi de R$ 730 mil. Arruda não recebeu nada oficialmente. À época, as destinações foram para políticos de outras unidades da Federação. Em 2011, o valor nacional de ofertas saltou para R$ 1,7 milhão. E, em 2014, quando o então governador do DF Agnelo Queiroz (PT) foi candidato à reeleição, as doações aumentaram para R$ 9,5 milhões em todo o país.
Somente para o petista, foram R$ 3,7 milhões em doações oficiais, quase metade das registradas pelo TSE. Para o atual governador, Rodrigo Rollemberg (PSB), o montante chegou de R$ 1 milhão, somente quando o então candidato foi para o segundo turno da disputa.
Veja a evolução das doações eleitorais da Via:
Consórcios
Em 2016, o total ativo da Via Engenharia era de R$ 923,5 milhões. A empresa, que começou sob o comando de José Celso Gontijo e Fernando Queiroz com a construção de pequenos imóveis residenciais, cresceu. Em 2000, a Via reestruturou o quadro societário e montou o Grupo Via, composto pela Via Engenharia e Via Empreendimentos. Gontijo deixou a sociedade e fundou a própria empresa, a JC Gontijo. E o Grupo Via passou a ser controlado pelo sócio-fundador Fernando Queiroz.
A Via tem hoje 20 milhões de metros quadrados construídos e mais de 50 mil imóveis entregues. Expandiu para o Rio de Janeiro, São Paulo e outros estados.
Porém, mesmo diante dos prédios espelhados e do cartão-postal de Brasília, a Ponte JK, que levam a assinatura da empreiteira, o lado oculto da empresa começou a aparecer nas delações premiadas de João Pacífico, Ricardo Ferraz e Alexandre Barradas, todos ex-executivos da Odebrecht, no âmbito da Lava Jato.
Eles apontaram um possível pagamento de propina a políticos e “troca de favores” entre as empresas concorrentes nas obras do BRT Sul, do Estádio Nacional Mané Garrincha e do Centro Administrativo do GDF. Todos empreendimentos nos quais a Via Engenharia fez parte do consórcio que os ergueu.
Com o envio dos casos à Justiça do DF, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, os envolvidos nas tratativas de supostos “acordos de mercado” firmados para vencer licitações de maneira fraudulenta podem ter de responder criminalmente.
As delações dos ex-executivos da Odebrecht apontam a Via tanto como beneficiária de acertos entre empresas durante fraudes em licitações quanto autora de pedido de cobertura de proposta – ou seja, pedidos para que “concorrentes” apresentassem projetos fictícios, de valor maior, que a beneficiassem como vencedora dos certames.
Reuniões extraoficiais
As boas relações mantidas pela Via Engenharia com políticos proeminentes teriam franqueado o acesso da empresa às principais negociatas de obras nos níveis local e nacional. O fato é corroborado pelas delações premiadas, divulgadas em 12 de abril pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Em depoimento, João Pacífico chegou a revelar um episódio, em 2007, no qual o ex-governador José Roberto Arruda (PR) reuniu os representantes das principais empreiteiras que tinham interesse em operar no DF. Na ocasião, Fernando Queiroz, um dos fundadores da Via Engenharia, estaria presente. Também teriam participado do encontro Rodrigo Lopes, da Andrade Gutierrez; Paulo Venuto, da OAS; Sérgio Mendes, da Mendes Júnior, e Luiz Cherulli, da Queiroz Galvão.
A Via Engenharia afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não responderia aos questionamentos da reportagem sobre a evolução patrimonial e as doações para campanhas. Agnelo Queiroz e Arruda não atenderam as ligações do Metrópoles para comentar o caso.
Ponte JK
Na gestão do ex-governador Joaquim Roriz, 1999 e 2003, a Via liderava o consórcio que construiu a Ponte JK. O preço da obra foi elevado em cinco vezes ao inicial previsto. Quando a obra foi inaugurada, em 2002, Roriz foi acusado de desviar recursos da saúde para a construção do monumento e de superfaturar materiais.
Auditores do Tribunal de Contas do DF detectaram preços até 500% mais caros do que os praticados de mercado. O projeto inicial foi orçado em R$ 40 milhões, mas dois anos depois, o montante final ficou em R$ 186 milhões.
O Metrópoles solicitou ao TRE o registro das doações oficiais da campanha eleitoral de 1998. Até a publicação desta reportagem, os dados não tinham sido fornecidos. O documento ainda é em papel – não passou por processo de digitalização.
Roriz não apareceu na lista de doações da empresa em 2002. O nome da empreiteira também não consta na relação de doadores oficiais de José Roberto Arruda no mesmo ano. No entanto, no governo dele, foram concluídas as obras da sede da Câmara Legislativa do DF. Iniciada em 2000, ainda na gestão Roriz, com preço estimado de R$ 42 milhões, a construção ficou parada entre 2005 e 2008. Foi entregue em 2010, com o preço total de R$ 120 milhões.
O Shopping Popular também foi construído pela Via, com a intenção de abrigar vendedores ambulantes que ocupavam as áreas centrais da capital. O complexo de 20 mil metros quadrados custou R$ 21,5 milhões, mas hoje, menos de 400 boxes dos 1.595 estão ocupados. O governo atual estuda um modelo de Parceria Público-Privada para gerir o espaço, que nunca funcionou em sua plenitude.
Confira algumas obras brasilienses realizadas pela Via Engenharia ou nas quais a empreiteira participou do consórcio responsável: