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Veja onde vão parar os celulares roubados no Distrito Federal

Furtos de aparelhos cresceram 149% em três anos. Muitos são vendidos em feiras de Ceilândia e Taguatinga, além da Rodoviária do Plano

atualizado

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Mike Sena/Especial para o Metrópoles
Grupo de homens vende celulares sem procedência no Centro da Ceilândia
1 de 1 Grupo de homens vende celulares sem procedência no Centro da Ceilândia - Foto: Mike Sena/Especial para o Metrópoles

Por trás das seis facadas que deixaram o professor Hebert Silva Miguel entre a vida e a morte, há um grande mercado clandestino de venda de celulares roubados e furtados. Não é preciso sair dos grandes centros urbanos do Distrito Federal para comprar aparelhos sem procedência.

Os receptadores ignoram qualquer poder constituído do Estado e fazem um crime alimentar o outro. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP-DF), em 2019 foram registrados 13.017 furtos de aparelhos na capital do país. Em 2016, ocorreram 5.213 delitos dessa natureza.

Ou seja, em apenas três anos, houve um salto de 149% nos furtos. O retrato pode ser ainda pior, uma vez que tal estatística não contempla a quantidade de roubos a celulares, levantamento que a pasta deve concluir nos próximos dias. Segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), no ano passado, foram feitos 39.499 pedidos de bloqueio de linhas no DF.

No centro de Ceilândia, uma feira clandestina inicia o movimento nas primeiras horas do dia, a menos de 200 metros de um posto da Polícia Militar. Na tarde de quarta-feira (04/03), havia pelo menos 20 homens oferecendo os mais variados tipos de telefone, todos com preços muito abaixo do vendido em lojas.

Quem passa pelo local logo é abordado por várias pessoas que disputam o cliente na lábia. Embora o Código Penal Brasileiro (CPB) estabeleça pena de um a quatro anos de detenção para quem revende produto obtido de forma ilegal, ninguém parece se preocupar.

Um deles guardava na mochila ao menos cinco celulares na caixa e garantia entregá-los com nota fiscal, o que, na verdade, eram os manuais dos aparelhos. Um Moto Z3 Play, de 64 GB, que custa R$ 1.349 no site das Lojas Americanas e R$ 1.399 no do Carrefour, podia ser adquirido na praça da maior e mais populosa região administrativa do DF por R$ 700.

Outro tentava repassar um Samsung Galaxy J8 de 64 GB por R$ 450, enquanto a média em endereços eletrônicos de grandes redes varejistas, como a Casas Bahia, sai por R$ 1.499.

Quando questionados se não há risco de o aparelho ser bloqueado no futuro, eles já têm resposta na ponta da língua: dizem que eles próprios usaram os telefones e decidiram se desfazer. Nenhum usa a palavra roubo ou furto para se referir aos telefones e preferem falar que conseguiram os produtos por meio de “contatos”.

Grupo de homens vende celulares sem procedência em praça do centro da Ceilândia
A praça central de Ceilândia, ao lado de um posto da PMDF, se transformou em uma feira clandestina
Rodoviária do Plano Piloto

Na plataforma superior da Rodoviária do Plano Piloto, os infratores debocham da fiscalização de agentes do DF Legal e nem sequer fazem questão de correr quando eles passam. “É só guardar na mochila e esperar eles passarem”, confessa um deles, rindo, enquanto apresenta aos repórteres suas mais recentes aquisições.

O homem, de meia idade, tentar ganhar a confiança do interessado identificando-se como sendo “de igreja evangélica” e mostra um Samsung Galaxy A10 de 64GB por R$ 350. Perto dele, havia outras 11 pessoas vendendo celular – sendo 10 homens e uma mulher. Eles se misturam a outras dezenas de ambulantes que comercializam toda a sorte de produtos dispostos sobre panos estirados no chão.

Durante o tempo em que a reportagem do Metrópoles permaneceu no local, na tarde de terça-feira (06/03), dois policiais militares chegaram a passar em frente ao grupo, o que não intimidou os vendedores. “Até a polícia já acha normal essa bagunça que acontece aqui na Rodoviária. Eles não têm medo de nada”, reclamou um comerciante, dono de uma banca instalada legalmente no lugar.

Sem saber que falava com repórteres, uma mulher também vendia dezenas de telefones sem nota fiscal. Os aparelhos ficavam em cima de uma caixa de papelão amarrados com ligas. Assim como os outros, ela garante não vender produtos oriundos de furto ou roubo, embora não consiga explicar a razão de ter tantos aparelhos sem documentação.

“Sou esposa de policial e jamais venderia alguma coisa que não pudesse. Não preciso disso”, justifica-se, ao oferecer um aparelho seminovo com 90% de desconto em relação ao vendido em lojas.

Veja a movimentação na Rodoviária do Plano Piloto:

Grupos especializados

O chefe da Coordenação de Repressão a Crimes Patrimoniais (Corpatri), da Polícia Civil do DF (PCDF), delegado André Leite, disse que a unidade tem feito operações para retirar das ruas organizações criminosas especializadas em furto e roubo de celular. “Fizemos duas grandes operações no ano passado e uma em 2020. Alguns dos detidos ainda estão presos. O grande problema do roubo e furto de celular é que são fomentados pela receptação, pois trata-se de um bem de consumo de rápida revenda e liquidez alta.”

Segundo o delegado, as quadrilhas se utilizam dos mais variados métodos para conseguir os aparelhos. “Existem aquelas que entram armadas em lojas de departamento, rendem os funcionários e levam um grande lote. Outras duas, que a polícia já conseguiu prender, atuavam cometendo furtos em grandes eventos”, afirma.

De acordo com o delegado André Leite, um grupo identificado como sendo de Santo Antônio do Descoberto (GO) chegou a usar uma estratégia nova em outras unidades da Federação. “Um adolescente conseguia entrar em uma grande loja de departamento e se esconder. Na madrugada, já com o estabelecimento fechado, ele pegava todos os celulares e repassava para um grupo que dava suporte do lado de fora.”

Feira do Rolo

Na Feira Permanente de Taguatinga, no centro da cidade, também é possível encontrar aparelhos sem procedência de forma fácil. Mas, ao contrário do que ocorre em Ceilândia e na Rodoviária, são vendidos em bancas especializadas em consertos. Em todas as cinco visitadas pela reportagem, era possível sair, por exemplo, com um iPhone 6S Plus de 64GB por R$ 800, quase a metade do preço padrão.

Aos domingos pela manhã, ocorre uma das maiores feiras clandestinas da capital do país. No gramado central em frente à Feira Permanente do Setor, em Ceilândia, centenas de pessoas se aglomeram para comprar, vender e trocar produtos. Na chamada Feira do Rolo, o bem mais cobiçado é o telefone celular.

Chama atenção não apenas o fato de o comércio ilegal ocorrer à luz do dia, mas também por ser a poucos metros da 24ª Delegacia de Polícia.

PMs observam movimentação de homens vendendo celulares no centro da Ceilândia
Nem a presença de um posto da PMDF ao lado inibe que feira clandestina ocorra em Ceilândia
O que dizem a PMDF e o DF Legal

Em nota, a PMDF diz ter recuperado 3.465 celulares em 2019, mas ressaltou a dificuldade de se combater esse tipo de crime em função da grande quantidade de receptadores. “Os criminosos roubam esse objeto porque têm compradores”, destaca.

Sobre a feira clandestina ao lado de um posto policial em Ceilândia, destacou que a responsabilidade é “do órgão responsável”, no caso, o DF Legal. “Ressalta-se que a PMDF recebeu novos policiais a fim de intensificar o policiamento em todas as regiões administrativas, incluindo a área da Ceilândia.”

Procurada pela reportagem, a Secretaria DF Legal afirmou executar ações de combate à ocupação irregular de área pública e feiras livres ilegais, sobretudo nas cidades de Ceilândia e Samambaia.

“As ações buscam impedir a venda de produtos ilícitos e a ocupação de área pública sem licenciamento das administrações regionais.
Via de regra, as ações são configuradas em apreensão de todos os produtos vendidos sem autorização do poder público, além das estruturas”, diz a nota enviada ao Metrópoles.

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