Veja 5 equívocos que levaram Lucas a passar 3 anos preso injustamente no DF
Rapaz ficou detido sem provas na Papuda. Defensoria Pública avalia série de inconsistências que culminaram na condenação
atualizado
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Lucas Moreira de Souza, 26 anos, foi solto na madrugada dessa quinta-feira (22/10) após ficar quase três anos preso por crimes que não cometeu. O jovem, morador de Ceilândia, conseguiu provar a sua inocência com o apoio da Defensoria Pública do Distrito Federal. Segundo avalia Antônia Carneiro, uma entre os quatro defensores que atuaram no processo, ao menos cinco inconsistências na prisão levaram a uma sequência de erros no Judiciário, que resultaram nos 2 anos e 10 meses de detenção por engano.
“Houve alguns equívocos na investigação que levaram a erros em toda uma série de órgãos de persecução criminal. Até vítimas erraram no reconhecimento, porque querem culpar alguém pelos crimes e tinham na memória uma pessoa com características comuns a esse estigma social: homem negro e periférico”, comentou Antônia.
- Deficiente físico
Lucas foi preso no dia 20 de dezembro de 2017, suspeito de estar envolvido em uma série de assaltos. Na mesma data, dois homens cometeram um roubo em Ceilândia. Os criminosos seguiram em um carro até o Recanto das Emas e praticaram outros delitos ao longo do caminho, entre eles uma tentativa de latrocínio.
À época, informação dava conta de que um dos suspeitos seria manco. A característica do bandido foi passada para os policiais de Ceilândia, que, então, procuraram o suspeito que se encaixasse nesse perfil. Mesmo não sendo deficiente físico, porém, Lucas foi abordado e detido em um local onde costumava empinar pipa, próximo à casa de sua tia, na QNM 19.
- Testemunhas não reconheceram
O rapaz foi submetido ao reconhecimento de pessoas roubadas em Ceilândia e Recanto das Emas. As testemunhas de Ceilândia não o reconheceram, mas as vítimas de Recanto das Emas afirmaram que o jovem seria o responsável pelos crimes.
“Há algumas inconsistências no reconhecimento. Uma vítima não reconheceu e outra dizia ter apenas 20% de certeza”, pontuou Antônia Carneiro.
- Carro usado no assalto
Outra situação que os defensores públicos apontaram para provar a inocência de Lucas foi que o carro utilizado nos assaltos, no dia 20 de dezembro, foi reutilizado em um outro roubo ocorrido dias após a prisão do morador de Ceilândia, detalhe que não teria sido levado em conta pela Justiça.
“Ele foi preso no dia 20 e um roubo com o mesmo veículo e modo de execução foi praticado cerca de 10 dias depois da prisão”, contou.
- Suspeitos presos
Um mês depois da prisão de Lucas, dois homens foram presos com o mesmo veículo e arma usados nos delitos atribuídos ao jovem. Um dos suspeitos era manco. Enquanto isso, o morador de Ceilândia permanecia detido.
- Tatuagem no braço
Durante as investigações, uma vítima de um roubo chegou a reconhecer Lucas. Porém, ela disse que o homem que cometeu o crime tinha uma tatuagem no braço, o que o rapaz não possui.
“Quando alguém é preso, a polícia leva vítimas de outros crimes que ocorreram próximos àquela data para fazerem o reconhecimento. De várias dessas vítimas, ele foi reconhecido por uma [de um roubo ocorrido no dia 12 de dezembro de 2017]. Ela disse que a pessoa que roubou tinha uma tatuagem no braço e o réu não tem”, comentou a defensora.
Condenações
Depois de ter sido preso, Lucas respondeu a três processos pelo caso ocorrido no dia 20 de dezembro e recebeu condenação em dois deles. “Em um, acabou absolvido. Em outro, foi condenado por cinco roubos e uma tentativa de latrocínio, o que somou 67 anos de pena. Mas, nesse momento, ele tinha um advogado particular que recorreu, tendo a pena diminuída para 29 anos”, narrou Antônia.
“No outro processo, ele foi condenado a 10 anos e 4 meses por outro roubo. Aí, nós já atuamos, recorremos e conseguimos a absolvição em segundo grau”, contou. “Depois, atuamos nessa primeira condenação, mas tivemos que desfazer o trânsito em julgado, por isso que demorou, porque tinha que ouvir testemunha, vítima, réu…”, completou.
Defensores Públicos
Após posicionamento do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) pela liberdade de Lucas, a juíza da Vara de Execuções Penais (VEP), Leila Cury, concedeu alvará de soltura para o rapaz, na noite dessa quarta-feira (21/10).
Enfim, nos braços da família, Lucas falou com o Metrópoles, nessa quinta-feira (22/10), e ressaltou a importância do trabalho dos quatro defensores públicos envolvidos no processo – Antônia Carneiro, Jonas Monteiro, Fernando Calmon e Daniel de Oliveira.
“Eu acreditei [na liberdade] quando eles apareceram, porque eu tinha um advogado particular e ele não fez muita coisa. Eu já estava condenado quando eles (defensores públicos) foram lá, acreditando em mim, coisa que pouca gente acreditou. Porque pelo fato de você ser negro e morar na periferia, você já é suspeito”, disse.
Ao Metrópoles, Daniel de Oliveira, outro defensor a integrar o caso, elogiou o trabalho dos profissionais que conseguiram comprovar a inocência do jovem. “Há dois anos recebemos esse caso, quando um policial chegou até a gente e falou que tinha ciência que ele era inocente. Chegar aqui hoje e entregar o Lucas para a família dele é como tirar um peso das nossas costas”, comentou.
A reportagem entrou em contato com a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), para a corporação comentar as inconsistências na investigação, e com o Ministério Público do DF (MPDFT) e o Tribunal de Justiça do DF (TJDFT), para posicionamentos sobre o âmbito judicial do caso. Os órgãos se pronunciaram por meio de nota na tarde desta sexta-feira (23/10). Confira aqui o que diz cada um deles.