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UnB: vice-diretor do curso de geologia é acusado de ameaçar professor com faca em clube

Confusão ocorreu em clube do DF. Processo foi arquivado após acordo com o MP em que o docente pagou R$ 600 a instituições de caridade

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Reprodução/Clube da Aeronáutica
Imagem aérea da marina e da área do Clube da Aeronáutica, à beira do Lago Paranoá
1 de 1 Imagem aérea da marina e da área do Clube da Aeronáutica, à beira do Lago Paranoá - Foto: Reprodução/Clube da Aeronáutica

Uma confraternização de fim de semestre do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília (UnB) não terminou bem. A festa privada, que tinha entre os convidados os maiores especialistas em formação de minerais, solos e rochas do Brasil, transformou-se num show de baixaria. O vice-diretor do instituto, José Eloi Guimarães Campos, estaria sob efeito de álcool quando, segurando uma faca de churrasco de 40 centímetros, teria partido para cima de outro docente.

José Eloi foi contido por colegas. O diretor do instituto, Welitom Rodrigues Borges, teria removido a arma branca das mãos de seu vice. Naquele mesmo dia, observando uma confusão, outra professora teria questionado o que estava acontecendo. Em seguida, ela teria ouvido de José Elói: “Se você já tivesse deixado eu te comer, você seria mais feliz”. Embora os episódios tenham ocorrido fora do ambiente acadêmico, a UnB informou que apura as denúncias internamente e de forma sigilosa.

As cenas que reúnem palavras de baixo calão, agressões, ameaças, calúnias e difamações ocorreram no Clube da Aeronáutica, em 14 de dezembro de 2022. Os professores supostamente agredidos registram boletim de ocorrência na Polícia Civil e ingressaram com processo judicial contra José Eloi. O renomado especialista em hidrogeologia teve de pagar indenizações. Em um dos casos, uma suposta vítima solicitou que o acusado fosse obrigado a manter 300 metros de distância dela, mas o pedido foi indeferido.

A indenização pedida pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) no caso da suposta agressão sexual à professora teria resultado em uma quantia de apenas R$ 600, doados a uma instituição de caridade. Os docentes que acusam Eloi reclamam que o valor foi irrisório. O dinheiro foi pago pelo acusado após um acordo com o MPDFT, e o processo acabou arquivado. Os desenlaces frustraram os colegas, que não se sentem à vontade com Eloi, que continua em uma posição de chefia. 

O Metrópoles teve acesso aos processos e também às transcrições de áudios de reuniões administrativas em que José Eloi confessa as agressões físicas e verbais. Confira abaixo:

O evento

Aquela seria a primeira confraternização com todos os colegas em dois anos. As anteriores sequer foram marcadas para não causar aglomerações durante a pandemia. O evento estava marcado para às 12h, na churrasqueira 11 do Clube da Aeronáutica (foto em destaque), na Vila Planalto.

O professor Roberto Ventura dos Santos, que, momentos antes, recebia estudiosos franceses com propostas para pesquisa conjunta no Rio Amazonas, levou os colegas europeus ao encontro. Já no clube, Roberto relatou sentir um certo desconforto “com os olhares do vice-diretor José Eloi Guimarães Campos”. No processo, Roberto descreveu os olhares como “raivosos”.

Ainda segundo consta no documento, Roberto classificou Elói como “descontrolado”. “Ele [Eloi] chegou perto da mesa do autor [Roberto], de maneira descontrolada e já visivelmente alcoolizado, sem mais nem menos, e fez um gesto fálico com o dedo do meio falando palavras de baixo calão direcionadas ao autor. Pessoas seguraram o réu e procuraram contê-lo de suas ações agressivas, levando-o para longe da mesa”, consta nos autos.

Segundo o relato, Roberto teria visto o vice-diretor se dirigir ao banheiro. “No entanto, após não muito tempo, o réu voltou do banheiro e, para surpresa do autor, se dirigiu ao balcão onde o churrasqueiro cortava as carnes do churrasco e pegou uma faca de cabo branco com cerca de 30 a 40 cm de comprimento de lâmina.” Roberto destacou ter ficado em estado de choque. “Se sentiu ameaçado, uma vez que entendeu que a faca empunhada era de certa forma uma mensagem, direcionada à sua pessoa”, detalha o processo.

“Ficou sem reação alguma, pois nunca havia passado por uma ameaça física com aquela dimensão e, pior, por um colega que conhece há muitos anos. Na hora pensou sobre o que poderia fazer: correr; segurar uma cadeira entre ele e o agressor; sair dali imediatamente.” Uma colega ficou na frente, separando os dois, e a faca foi retirada. “O réu [Eloi] chegou a menos de 1 m de distância, ficando separado somente pela presença dos professores.”

Segundo o relato, o vice-diretor começou a gritar ofensas ao colega, como “Careca, baixinho e escroto e merda”. Ele também teria feito menção ao fato de prejudicar o professor Roberto. Na segunda-feira seguinte ao evento, Roberto pediu um atestado de 14 dias alegando saúde mental afetada. Em entrevista ao Metrópoles, o docente disse que não sabe mais como conviver com o colega na instituição.

“Eu me sinto muito desconfortável, tenho medo. Entro na sala de aula e não sei para onde vou, se vou precisar fugir em algum momento. Tenho medo mesmo”, admitiu.

“Eu vou te comer”

Naquela mesma tarde, a professora Roberta Mary Vidotti, que é presidente da Sociedade Brasileira de Geofísica, assustou-se com a confusão. Ela teria visto José Eloi ser controlado por um colega e, sem entender o que estava acontecendo, se aproximou dos dois. “Já visivelmente alcoolizado, o réu [Eloi] proferiu as seguintes falas para a autora: ‘Eu vou te comer’”. Na sequência, o vice-diretor do instituto continuou: “Se você já tivesse deixado eu te comer, você seria mais feliz”.

A docente relatou que se viu em uma situação desconfortável e sem saber como agir. Nesse momento, o acusado perguntou sobre o filho dela, que é diagnosticado com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e também estudava na UnB. “E seu filho, já foi meu aluno?”, indagou Eloi. Roberta contou que o rapaz trancou o curso e, ato contínuo, ouviu nova grosseria do vice-diretor. “Ele é um vagabundo mesmo.”

“Todos que estavam sentados na mesa, ou a maioria, ouviram a repugnante fala do réu. O fato é: naquele momento, a autora se sentiu absolutamente violada em seu
foro íntimo”, traz um trecho do processo.

print mostra dialogo entre professores em que ele supostamente assedia ela sexualmente
Print do processo

Segundo o documento, na manhã do dia seguinte ao evento, Eloi teria ido à sala da autora, nas dependências da UnB, e fechado a porta. Ele teria dito que não se lembrava de nada e que o diretor do instituto teria avisado sobre sua conduta. Eloi teria pedido desculpas pelo ocorrido e tratado tudo como uma brincadeira. Após a reportagem publicada, a defesa de Eloi entrou em contato com o Metrópoles e disse que a porta estava aberta.

Injúria

Antes das cenas descritas na confraternização, Eloi já demonstrava não estar em um momento próprio para conversas elaboradas. Também supostamente atacado pelo vice-diretor, o professor Luciano Soares da Cunha disse ter chegado por volta das 14h ao clube, quando começou a conversar com colegas. Pouco depois, José Eloi teria se aproximado e dito a autoridades da instituição que Luciano era “o maior picareta do instituto”. Os colegas criticaram o vice-diretor pela fala, mas ele continuou a fazer comentários sobre reputação da carreira acadêmica.

Em seguida, ocorreram as cenas de agressão já descritas neste texto. Um pouco depois, Luciano teria decidido ir embora, quando passou pelo vice-diretor. Nesse momento, a cerca de quatro metros de distância, Eloi teria gritado: “Xuxa, pega no meu p@u”. Luciano explica que Xuxa era seu apelido quando estudante. Os dois foram alunos da Universidade de Brasília na mesma época.

Transcrição de reunião administrativa

Após a vexaminosa confraternização, o Conselho do Instituto de Geociências se reuniu para falar de temas envolvendo a instituição. Em áudios transcritos, o professor Luciano pediu a inclusão das cenas do evento na pauta a fim de debater eventuais ações punitivas. O diretor Welitom Rodrigues Borges – o mesmo que desarmou Eloi na festa – teria sugerido que o assunto não fosse encerrado.

O registro do dia mostra que o conselho ficou dividido em relação ao tema. Em uma votação apertada, oito docentes votaram pela inclusão da confraternização na pauta, enquanto seis pediram para não adicionar o assunto.

Os áudios são duros e tensos. Luciano relatou uma suposta intenção de proteger o agressor. “Durante todo o episódio, houve uma tentativa por parte dos presentes na reunião de proteger o agressor, e não as vítimas. Ocorreram diversas e persuasivas tentativas de retirar as vítimas do local como se elas fossem as culpadas pelo que estava acontecendo, invertendo completamente as relações de vítima e agressor.”

“Nós estamos indo trabalhar, senhor diretor, com medo. Eu, particularmente, tenho que justificar a minha saída do trabalho com a minha esposa, tranquilizando-a”, continuou Luciano.

Na sequência, Welitom ponderou: “Conversei com o professor Eloi, que se comprometeu a nunca mais fazer isso”. Pressionado, Welitom, então, confirmou que foi ele quem retirou a faca das mãos de Eloi durante a festa.

Veja um trecho da descrição do áudio:

transcrição reunião do conselho de geociencias

Relato da reunião

transcrição reunião do conselho de geociencias
Relato da reunião
transcrição reunião do conselho de geociencias
Relato da reunião
transcrição reunião do conselho de geociencias
Relato da reunião
transcrição reunião do conselho de geociencias
Relato da reunião
transcrição reunião do conselho de geociencias
Relato da reunião

Ainda na transcrição do professor José Eloi, anexada em processo, ele admitiu ter xingado e agredido professores. “Então, só voltando, porque não tem como sair desse histórico, porque é um histórico. Por exemplo: eu agredi o professor Luciano. Confirmado isso, eu xinguei, falei um monte de coisa que não deveria”, admitiu.

Um dos professores que foi testemunha elogiou a carreira de Eloi, mas acrescentou que poderia ter ocorrido uma tragédia. “Tem esse problema, não pode beber, se beber se descontrola e desenvolve uma agressividade que poderia ter vitimado uma pessoa.”

Outra professora, que também viu a cena, saiu em defesa de Eloi. “Eu quero falar no olho de cada um de vocês. Isso é ridículo! Quem não errou? E ainda foi um evento lá fora”, defendeu.

Uma outra testemunha disse que Eloi, de fato, pegou a faca, mas não o viu apontando e indo para cima de um colega. Ela, então, é advertida por outro docente que terá de testemunhar sobre o assunto. A docente reagiu e disse: “Fala o que quiser”.

A docente acrescentou que o vice-diretor é um pilar da instituição, destacou a carreira dele e disse que José Eloi tem o apoio da categoria.

Os professores que acusaram Eloi disseram que não se sentiram acolhidos pelos colegas, mesmo com a gravidade do caso. “Há 38 anos que dou aula na universidade e nunca imaginei me ver nessa situação”, destacou o professor Roberto Ventura, vítima ameaçada com faca na confraternização.

O outro lado

O professor acusado pelos colegas se manifestou por meio de nota. Veja abaixo, na íntegra:

“Diante do questionamento realizado através do veículo de mídia Metrópoles acercados supostos episódios ocorridos na confraternização do dia 14/12/2022, a assessoria jurídica do professor José Eloi Guimarães Campos informa que todas as suposições foram objetos de demandas judiciais, estando todas arquivadas por serem totalmente frágeis, insustentáveis e fantasiosas. Por ora, estão em trâmite os processos movidos pelo professor José Eloi em desfavor de seus colegas pelas calúnias a ele imputadas. Importante destacar que o professor José Eloi possui mais de 30 anos de magistério e durante toda sua carreira nunca houve qualquer comportamento reprovável, sendo, portanto, sua conduta e reputação ilibadas. Ademais, é importante frisar que qualquer conclusão neste momento será meramente especulativa e temerária”.

Procurada, a UnB também se manifestou por nota. Leia, na íntegra:

“A Universidade de Brasília informa que recebeu queixas protocoladas por docentes do Instituto de Geociências. A apuração ocorre em processo sigiloso, por meio de área técnica dedicada a assuntos disciplinares internos. A UnB repudia qualquer tipo de violência, reafirma seu compromisso com os direitos humanos e está imbuída na realização de ações nesse campo, tais como: a criação da Secretaria de Direitos Humanos, que em um ano realizou 680 acolhimentos, e a criação da Câmara de Direitos Humanos. Além disso, estabeleceu a Política de Direitos Humanos, aprovada pelo Conselho Universitário, órgão colegiado máximo da instituição. Recentemente, foi aprovada a Política de Prevenção e Combate ao Assédio Moral, Sexual, Discriminação e Outras Violências, a fim de promover um ambiente seguro para toda a comunidade”.

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