UnB pesquisa moléculas humanas capazes de combater pandemias no futuro
Quebrando paradigmas da comunidade científica, estudo identificou uma molécula capaz de inibir o Sars-Cov-2, o vírus da Covid-19
atualizado
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Pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) identificaram fragmentos de proteínas produzidas pelo próprio corpo humano capazes de inibir o vírus Sars-Cov-2. A pesquisa está em andamento e o objetivo é desenvolver opções de fármacos para construir uma primeira linha de defesa contra eventuais pandemias no futuro e, assim, salvar vidas.
O estudo é conduzido pelo professor adjunto da Divisão de Química Orgânica do Instituto de Química da UnB, Dr. Guilherme Dotto Brand, 40 anos. A pesquisa conta com a parceria Faculdade de Medicina da UnB e do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), representado pelos pesquisadores Lucio Freitas-Júnior e Carolina Borsoi Moraes.
Veja imagens da pesquisa:
Tradicionalmente, a comunidade científica busca soluções para problemas de saúde humana em fontes naturais. Pesquisadores buscam moléculas de valor farmacológico em fungos, plantas e animais, por exemplo. No entanto, nos anos 2000, foi desenvolvida na Embrapa, sob orientação do Dr. Carlos Bloch Jr., uma metodologia que busca respostas dentro dos próprios organismos afetados pelas doenças.
Primeiramente, os estudos ficaram centrados em desenvolver respostas para pragas em grandes culturas, como a soja. Porém, em 2015, Guilherme, que participa ativamente destes estudos junto à Embrapa, colocou a pesquisa em marcha na UnB. “Começamos a aplicar essa ideia para a saúde humana”, contou o professor do Instituto de Química da UnB.
Para Brand, a pesquisa abre uma nova frente para o desenvolvimento de soluções para garantir a saúde da população. “O material genético humano pode ser considerado fonte de novos fármacos para patologias. Isso é uma grande quebra de paradigma. A humanidade buscou tradicionalmente soluções fora, em outros organismos”, assinalou o pesquisador.
Martelo desconstruído
A UnB começou então a procurar dentro das proteínas humanas fragmentos com potencial atuação como fármacos. “Vamos pensar em um objeto macroscópico. Por exemplo, um martelo. Ele tem uma haste de madeira e a parte de metal usada efetivamente para martelar. Retirando a parte de metal, você pode utilizar a parte de madeira como alavanca, dando uma nova função ao objeto”, explicou.
Para proteínas, o princípio é o mesmo. Proteínas, as quais estão codificadas no genoma dos organismos que as produzem, têm segmentos com variadas formas e propriedades. Retirados do contexto original e sintetizados quimicamente, estes segmentos podem manifestar novas funcionalidades, até então ocultas. Nos primeiros passos, a pesquisa da UnB buscou soluções para doenças bacterianas, voltadas para aplicação em pele. Mas com a pandemia, seguindo o movimento da comunidade científica mundial, os pesquisadores passaram também a buscar alternativas para o Sars-Cov-2.
“O Sars-Cov-2 é um vírus envelopado. Existe uma membrana em volta dele. Ela tem algumas características que fazem com que esse tipo de molécula que a gente tem buscado seja capaz de atuar por meio de sua desestabilização”, detalhou o pesquisador. A pesquisa identificou aproximadamente 1.800 segmentos internos em proteínas humanas com potencial ação antiviral, e algumas foram escolhidas e sintetizadas quimicamente em laboratório no DF. Na sequência, a USP fez testes em cultura celular para medir o potencial de inibição da infecção viral.
Sars-Cov-2
Foram enviadas 12 moléculas para testes em São Paulo. Muitas foram capazes de inibir o Sars-Cov-2, porém com pouca seletividade de atuação. Ou seja, apresentaram risco de reação adversa. Uma das moléculas, no entanto, teve resultados promissores in vitro, inibindo o vírus com pouca toxicidade celular associada. O estudo ainda está em desenvolvimento e novos experimentos confirmatórios serão executados. Serão necessários pelo menos 5 a 10 anos de pesquisa para vislumbrar aplicações.
Para Brand, a chance de aplicação desta molécula no desenvolvimento de um medicamento para a pandemia de Covid-19 é pequena. Entretanto, o objetivo é preparar-se para o futuro. “Estima-se que existam muitos vírus com potencial de cruzar a barreira entre espécies, assim como o Sars-Cov-2. São os vírus emergentes. Boa parte desses vírus são envelopados. A tendência é que nas próximas décadas, eventos como esse, não propriamente uma pandemia dessa magnitude, voltem a acontecer”, explicou.
Nestes eventuais e possíveis cenários de crise, a comunidade científica precisa de tempo para conhecer a biologia do patógeno, bem como desenvolver fármacos específicos. “A ideia é encaixar essas moléculas como uma primeira linha de defesa no momento em que surge um microrganismo emergente e pouco se sabe sobre ele”, pontuou. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o risco de uma nova pandemia no futuro é real.
Primeiro combate
Por isso, a ideia de Brand é produzir fármacos de primeiro combate. “Que consigam, quando surgir uma pandemia, fazer a contenção de maneira pouco específica. Esse tipo de ideia tem permeado a comunidade científica. Assim, confere-se algum nível de proteção de maneira ampla, ganhando tempo”, reforçou.
A pesquisa pretende analisar a efetividade da molécula contra outros vírus. A pesquisa conta com o apoio da Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec). A instituição presta ajuda com atividades burocráticas e compra de insumos. O projeto também tem suporte da Fundação de Apoio à Pesquisa e Inovação do DF (FAP-DF).
A pandemia de Covid-19 tirou mais 11 mil vidas no DF, segundo a Secretaria de Saúde. Em todo Brasil, pelo levantamento do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), foi responsável por mais de 600 mil mortes. De acordo com a Universidade Johns Hopkins, a pandemia matou mais de 5,2 milhões de pessoas pelo mundo.