Tribunal do Crime: PCC condena à pena de morte membros da facção no DF
Organização tenta se fortalecer na capital da República com a transferência de líderes. PCDF prendeu oito integrantes na última sexta
atualizado
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Tentando se instalar na capital e fortalecido com a chegada de lideranças nacionais à Penitenciária Federal de Brasília, o Primeiro Comando da Capital (PCC) está reproduzindo no DF práticas criminosas já conhecidas no Rio de Janeiro e São Paulo. Uma delas é o Tribunal do Crime, no qual os integrantes da facção são julgados e podem ser condenados à pena de morte por ferirem uma espécie de código interno.
Foi o que aconteceu com dois membros do PCC que atuavam em Samambaia, em maio de 2018. Eles foram torturados e mantidos em cativeiros, localizados em Goiás, durante oito dias para depois enfrentarem o julgamento dos comparsas. O erro deles foi cometer uma infração considerada grave pela organização criminosa: comprar drogas do maior rival, o Comando Vermelho. O Metrópoles teve acesso aos detalhes do crime investigado pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF).
O caso teve início quando a liderança do grupo descobriu que três traficantes compraram um carregamento de entorpecentes do “concorrente” para revender no DF. Pressionado, um deles conseguiu arrumar um álibi e foi inocentado no “processo”. No entanto, acabou tornando-se uma das três testemunhas de acusação contra os supostos colegas.
O Tribunal do Crime tende a imitar alguns aspectos da Justiça comum. Por isso, os acusados também tiveram direito a chamar três pessoas para deporem a seu favor. “As testemunhas foram ouvidas por meio de vídeos e ligações. Uma delas estava no Paraguai e foi feita uma videoconferêcia. Todos os relatos das partes eram gravados e eram submetidos às lideranças que estavam dentro de presídios do Mato Grosso do Sul e Paraná”, contou o delegado-chefe da Divisão de Repressão às Facções Criminosas (Difac), Maurílio Coelho.
Barbárie e gravações
Nesse período, a dupla de acusados foi capturada e levada a um cativeiro no Entorno do DF. “Durante oito dias, fizeram tortura psicológica e física. Ficaram uma semana sem alimentação”, detalhou o investigador.
Os responsáveis por tirar informações dos dois filmavam tudo para repassar ao chefe. Para isso, não pouparam na produção das imagens. Nas cenas, apareciam ostentando armas de grosso calibre. De dentro da prisão em Mato Grosso do Sul, o líder fornecia dinheiro e alimentação aos comparsas.
Depois do tempo no cativeiro, o comando do PCC resolveu condenar os “réus” à morte. A execução dos dois deveria receber tratamento elaborado. Isso porque os vídeos do momento do assassinato são enviados aos demais integrantes como forma de alerta a fim de coibir comportamentos e atitudes não aceitos pelo regulamento interno.
Execução
Para não serem identificados nas imagens, os executores iriam aparecer com o rosto do Hulk – o personagem verde dos quadrinhos da Marvel. “Estavam com tudo preparado. Compraram máscaras e já tinham decidido como fariam a execução”, narrou o delegado.
No entanto, algo saiu errado momentos antes da morte dos condenados. Um deles conseguiu fugir e correr até um batalhão da Polícia Militar de Goiás, em Santo Antônio do Descoberto (GO). Ele pediu ajuda aos militares, que foram ao local do cativeiro e resgataram o outro refém.
Prisões
Identificado apenas como G.M.M. pela Polícia Civil, o acusado de liderar a célula criminosa brasiliense foi preso em 1º de março deste ano na frente da filha e da mulher em uma casa simples do bairro Residencial Pequis, em Uberlândia. No local, os investigadores não encontraram armas nem dinheiro. Ele foi uma espécie de juiz no “processo” e, à época do julgamento, cumpria pena em Mato Grosso do Sul.
O suspeito, de 34 anos, é considerado pela PCDF um dos bandidos “mais nocivos para a comunidade brasiliense”. No fim de 2018, mudou-se para Uberlândia (MG). Ele comandava de casa a facção da capital do país.
Outros criminosos que participaram do julgamento também foram capturados na operação. No celular de um deles, os policiais encontraram vídeos e fotos do cativeiro. A reportagem teve acesso a uma das gravações, na qual aparecem os autores fumando, ouvindo música e ostentando armas no local onde funcionou o Tribunal do Crime.
Na última sexta-feira (22/3), a Difac, em conjunto com o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), prendeu oito membros do PCC na Operação Continuum. “Todos os presos pertencem à facção e contribuíam cometendo crimes ou recrutando novos integrantes, incluindo menores de idade”, explicou o delegado Leonardo de Castro. O efetivo contou com 63 policiais civis.
Veja como foi a Operação Continuum:
“Batismo”
De acordo com o delegado, os policiais localizaram registros de batismo (veja abaixo) dos criminosos na organização. É uma espécie de documento que todos os associados do PCC precisam ter para provar o elo com o grupo. A lista traz informações como nome completo, idade, telefone, dados dos padrinho, data do batismo e dívidas de drogas.
Marcola
No mesmo dia em que a Polícia Civil percorria as ruas do DF e de São Paulo à procura dos criminosos, a Polícia Federal e a Força Aérea Brasileira (FAB) transportavam o líder máximo do PCC de Rondônia para Brasília. Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, desembarcou na Base Aérea nessa sexta (22), às 13h20, e seguiu para o Presídio Federal, onde permanecerá detido.
Ele não veio só. Outros três integrantes chegaram no mesmo voo: Cláudio Barbará da Silva, Patrik Wellinton Salomão e Pedro Luiz da Silva Moraes, o Chacal. Além deles, cumprem pena na penitenciária federal de Brasília: Alejandro Juvenal Herbas Camacho Júnior, o Marcolinha, irmão de Marcola; Antônio José Müller, o Granada; e Reinaldo Teixeira dos Santos, conhecido como Funchal ou Tio Sam.
De acordo com o delegado Maurílio Coelho, a PCDF recebeu com tranquilidade a informação sobre a chegada do grupo, uma vez que a corporação vem fazendo repressão qualificada das facções criminosas. Segundo ele, desde 2012, a polícia realiza operações contra o PCC. Em um período de seis anos, cerca de 300 pessoas foram presas. O investigador define as células criminosas como um “câncer”.
Monitoramos e estamos atento a qualquer movimentação desses indivíduos. Conseguimos desarticular os grupos, mas percebemos que rapidamente eles tentam se organizar para conseguir mais membros e se fortalecer no DF
Delegado Maurílio Coelho
No entanto, a chegada de Marcola à capital foi duramente criticada pelo governador Ibaneis Rocha (MDB). Nesse sábado (23), o emedebista disparou críticas contra o ministro da Justiça, Sergio Moro. O chefe do Executivo distrital disse que não foi comunicado da transferência.
“Fui avisado depois e achei isso um desrespeito. Moro conhece muito de corrupção, de segurança provou que não conhece nada”, disparou, ao responder aos questionamentos da reportagem do Metrópoles, durante agenda pública na Candangolândia. De acordo com Ibaneis, logo após a transferência, Moro o telefonou e “ouviu poucas e boas”. A seccional da Ordem dos Advogados do Brasília no DF (OAB-DF) e políticos de oposição e da base também reprovaram a chegada de Marcola à capital.
Memória
Segundo as investigações policiais, a história do PCC em Brasília começou em 5 de março de 2001, após o chefe máximo da organização desembarcar no DF pela primeira vez. Depois de peregrinar por diversos presídios do país, Marcola foi recolhido ao Centro de Internação e Reeducação (CIR). Apesar de a estadia ter sido curta – ficou preso até 8 de fevereiro de 2002 –, ele deixou marcas profundas tanto na mentalidade da massa carcerária quanto na segurança pública candanga.
No curto período em que esteve na Papuda, Marcola criou um braço do PCC, chamado pelos criminosos de Partido Liberdade e Direito (PLD). Investigadores identificaram que a facção havia sido criada nos mesmos moldes da organização paulista, inclusive em relação às regras contidas em seu estatuto.
A facção definiu uma série de terminologias para facilitar a comunicação dentro da Papuda. As ordens da cúpula eram transmitidas de dentro dos presídios pelos “torres”, criminosos responsáveis pelo repasse de informações aos “pilotos”, presidiários escolhidos para coordenar os integrantes do PCC que estavam atrás das grades.
Os levantamentos feitos pela polícia mapearam que o organograma do PCC seria rígido e semelhante a uma estrutura militar, com níveis de comando hierarquizados, divididos em escalões de acordo com o poder exercido pelos membros e suas respectivas funções. A organização criminosa ainda construiu uma rede de colaboradores, formada por advogados, familiares, namoradas e visitantes.
Conduzidas pelo regimento da organização, essas pessoas são responsáveis pela articulação dos interesses dos detentos fora dos presídios, dando suporte jurídico, psicológico e, principalmente, financeiro, inclusive com o gerenciamento de contas bancárias alimentadas com dinheiro faturado em ações criminosas.
Sobre as contas bancárias ligadas ao PCC, as investigações apontam que apenas 20% delas estariam relacionadas a movimentações financeiras de alto valor, acima de R$ 100 mil. O restante seria feito por meio de pequenos depósitos.
Além das contas administradas pelos colaboradores da facção, grande parte dos recursos do PCC estaria ligada a empresas de fachada, como pequenas redes de supermercados, negócios imobiliários, restaurantes, agências de automóveis e até cooperativas de transporte de São Paulo.