Traumatizado, jovem preso por engano ainda “treme ao ver policiais”
Familiares de Jefferson Oliveira dizem que rapaz – que tem deficiência mental – teme ser preso novamente a qualquer momento
atualizado
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“Ele não pode ver um policial que já fica se tremendo, achando que vai ser preso de novo”, comenta Janaína Karlem, de 38 anos. A mulher é irmã de Jefferson Carlos Silva de Oliveira, que tem deficiência mental e foi preso injustamente em novembro de 2017. Uma decisão judicial condenou o estado de Goiás a pagar indenização de R$ 50 mil ao homem, que ficou 18 dias preso à época, no lugar de outro irmão, por conta de um crime cometido em Anápolis (GO).
Em relação ao choque sofrido pelo irmão, Janaína diz que Jefferson está bem de saúde, apesar de bastante traumatizado. “Sempre que tem alguma confusão e ele vê que tem polícia no meio, ele já fica assustado. Fica se questionando se vai ser preso de novo. A gente até evita que ele saia sozinho, porque ele já tem esse trauma mesmo”.
O dinheiro da indenização vai ajudar a família nos cuidados com Jefferson. “A princípio, eles tinham ofertado R$ 10 mil. A gente achou bem injusto pela situação, pelo tempo que ele ficou lá e por como a mente dele foi abalada. Com isso, a gente falou ‘não vamos aceitar’, porque, de qualquer forma, é um erro do governo de Goiás. Então, que seja reparado com mais apreço”, afirma Karlem.
Jefferson atualmente recebe os cuidados da mãe, e Janaína diz que qualquer ajuda nesse momento seria bem-vinda. Apesar da vitória judicial, ela diz que não há valor que pague tudo que seu irmão passou.
“Quando minha mãe souber, ela vai ficar muito feliz, porque quando ficou sabendo que o resultado seria de R$ 10 mil ela ficou arrasada: ‘Nossa como é que pode o menino sofrer tanto lá dentro e quererem vir dar um um danos morais desse?’ Não é só a questão do dinheiro, mas uma forma de lutar para que injustiças assim não aconteçam com outras pessoas”, ressalta a irmã.
Mobilização
Ao saber que Jefferson foi preso injustamente, a família se mobilizou para ajudar o rapaz. “A gente já tinha a consciência que o erro não era dele, que ele não tinha cometido nada. E lá na delegacia, comentamos com o delegado que a gente sabia que isso poderia ter vindo do outro irmão, que já estava preso, porque ele gostava de aprontar na adolescência. Já sabíamos que ele não era culpado de nada. Nem em Anápolis, ele nunca chegou a ir”, afirma Janaína.
A mulher relembra que houve muita demora das autoridades para perceber o erro: “A gente ficou sabendo logo no 3º dia, com a ajuda do pessoal da Defensoria Pública do DF, que realmente não era o Jefferson. Eles quiseram aguardar a resposta do governo do Goiás, que errou muito também em ter essa espera toda. Por isso que a gente ficou aguardando esses 18 dias”.
Para Karlem, a decisão da Justiça também serve para que os governos busquem maneiras para evitar que outras pessoas sejam presas injustamente. “Devem averiguar direito para que o sistema deles não seja tão falho. A gente vê casos de muitas pessoas sendo presas injustamente no lugar de outras, pagando por um erro que não é delas. Eles têm recursos para isso e pode ser melhorado”, diz.
Relembre o caso
Em fevereiro de 2007, policiais de Anápolis (GO) prenderam um jovem de 20 anos considerado suspeito de cometer um assalto. O acusado estava sem documentos e se identificou com o nome do irmão, Jefferson Carlos Silva de Oliveira. Ele foi preso em flagrante e chegou a receber pena de 5 anos e 4 meses de reclusão, mas conseguiu fugir.
Dez anos depois, em novembro de 2017, policiais militares abordaram Jefferson no Recanto das Emas. Ele apresentou seus documentos pessoais, sendo identificado pelo nome compatível com o do assaltante de Anápolis. Depois de confirmarem a existência do mandado de prisão em aberto, o rapaz foi preso.
Diante da situação, a costureira Tereza Maria Beserra, mãe de Jefferson, solicitou à Defensoria Pública do DF que alertasse ao Judiciário sobre a possibilidade do criminoso ser o outro filho. Por sua condição, Tereza contou que Jefferson sequer sabia pegar um ônibus sozinho e tinha mentalidade “de uma criança de 12 anos”.
A Justiça constatou que a condenação criminal de Jefferson constitui violação à honra e dignidade da pessoa humana. Além disso, o caso gerou angústia e “dor psíquica” à vítima. O colegiado concluiu que a quantia de R$ 10 mil, prevista na sentença de 2020 por dano moral, não refletia toda a gravidade da lesão. Assim, o autor deverá será indenizado em R$ 50 mil, devidamente corrigidos, desde a data da prisão.