Sem investimento, paradas de ônibus caem aos pedaços no DF
De acordo com nota técnica do MPDFT, dos quase R$ 33 mil destinados à reforma das estruturas, nenhum centavo foi gasto. Usuários reclamam
atualizado
Compartilhar notícia
Tão ruim quanto enfrentar os ônibus lotados é aguardar o coletivo em algumas paradas. Sem infraestrutura adequada, os pontos em situação precária penalizam ainda mais quem depende do transporte público do Distrito Federal. As dificuldades vividas pelos passageiros constam em estudo recente do Instituto de Fiscalização e Controle (IFC) feito em parceria com o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT): o Como anda meu ônibus, que tem por objetivo avaliar a qualidade dos serviços prestados.
Apesar de a política pública de transporte rodoviário ter custado aos cofres públicos quase R$ 600 milhões em 2019, conforme nota técnica do MPDFT, os abrigos não receberam nenhum centavo de investimento. Do total destinado ao setor no ano passado, havia previsão de que R$ 32.938,83 fossem reservados para a revitalização das estruturas, mas o dinheiro não chegou a ser efetivamente gasto pela Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob).
O Metrópoles percorreu várias cidades do DF e conversou com os frequentadores diários dos pontos de ônibus para ouvir as principais reclamações.
Na QN 207 de Samambaia Norte, por exemplo, a construção do ponto foi feita em local inapropriado – no meio de um estacionamento e sem o recuo. A dona de lanchonete Regilane Soares, 29 anos, diz que é comum ocorrer acidentes devido às freadas bruscas dos coletivos no meio da rua. “Já vi carro batendo na traseira do ônibus, moto, acidente entre dois veículos. Já teve de tudo”, destaca. Devido ao fato de a parada estar situada em uma descida, chuvas fortes acabam contribuindo para a formação de correntezas que correm pelos pés de quem espera o transporte.
A segurança passa longe do local. Como a iluminação pública da região é ruim, frequentemente há assaltos nas primeiras horas da manhã. “Entre 4h e 6h, muita gente fica aqui. Já aconteceu de um carro parar e mandar todo mundo entregar a bolsa”, lembra a trabalhadora.
Regilane não só passa o dia no local como também o utiliza para prover o próprio sustento. Moradora da quadra, ela diz que outro grande problema é a sujeira. “A vizinhança que se junta e paga do próprio bolso para cortar a grama. Mesmo assim, a gente precisa esperar pelo ônibus no meio da terra, pois onde a parada foi construída tem uma árvore bem em frente”, reclama.
Em Santa Maria, nos dois lados da via em frente à QR 103, as reclamações são parecidas. A operadora de caixa Fernanda da Silva, 31, frisa que prefere evitar permanecer por muito tempo na parada por considerar o local perigoso. “Não é bem iluminado. Como já sei mais ou menos o horário, só saio de casa quando está chegando o coletivo”, relata.
Pior é quando chove. Segundo a trabalhadora, é melhor ficar na chuva do que se abrigar no ponto. “Precisa de uma reforma urgente. Está faltando arrumar essas goteiras que ficam aqui”, reclama.
Já a aposentada Marlene Moura, 65, aponta que apenas no centro da cidade os pontos estão bem cuidados. “Por aqui está uma negação, não só a estrutura, mas o entorno”, enfatiza. De acordo com moradora da região administrativa, a iluminação é o principal problema. Acostumada a acompanhar o neto de casa até a parada todos os dias pela manhã, ela também se queixa da escuridão: “A gente sai 5h, 5h30, e não tem uma luz. O trecho de descida da 303 para o ponto é muito mal iluminado”.
Na Samdu Norte, em Taguatinga, na altura da QNB 12, a parada de ônibus é movimentada. Situado próximo a escolas e restaurantes, o ponto fica lotado – várias passageiros se amontoam no espaço pequeno. O fluxo é tão grande que até no meio da rua há pessoas à espera da condução. “Se chover, tumultua tudo aqui. Fica apertado com um monte de gente e guarda-chuva aberto”, conta a monitora Maria Aparecida de Souza, 41.
A situação, no entanto, não se restringe ao tamanho da parada. Em um espaço que deveria ter três assentos, há apenas um. “Fica idoso, grávida, todo mundo em pé e não tem onde sentar. O problema de estrutura é grande”, lamenta.
Existem exemplos que podem ser seguidos
De acordo com a coordenadora-executiva do projeto Como anda meu ônibus, Rebecca Teixeira, as paradas de ônibus precisam constar na avaliação do transporte público por serem parte da experiência. “Entre as várias dimensões, os abrigos são uma delas”, assinala a gestora.
Rebecca diz que a equipe do projeto está em busca das melhores práticas de implementação de pontos no Brasil e na América do Sul. Pontua ainda que Brasília passa longe de ser referência. “Olhamos algumas cidades como Curitiba (PR), Belo Horizonte (MG) e Santiago (Chile). Lá, muitas paradas são verdadeiros abrigos onde a pessoa entra e se protege”, ressalta.
Dessa forma, os locais que foram bem projetados evitam que as pessoas fiquem expostas à insegurança, pois contam com iluminação boa e espaço para os usuários se protegerem da chuva e do calor. “Eles não esquentam com o sol, porque há a preocupação de utilizar um material com essa particularidade”, salienta a coordenadora.
O que diz a Semob
Procurada, a Secretaria de Transporte e Mobilidade informou que “há muito o que se fazer pelo transporte público da capital e que já tem conhecimento dos problemas relatados pelos usuários sobre as paradas de ônibus”. Dessa forma, afirma estar trabalhando para levar “melhorias e conforto aos passageiros do sistema”.
A pasta garante que, neste ano, novos abrigos serão construídos. As estruturas, promete o órgão, terão “piso tátil, calçada, acessibilidade, meios-fios, impermeabilização e pintura”. A Semob lembrou, ainda, que está elaborando nova licitação para reforma, adaptação de acessibilidade em abrigos já existentes.
Com relação à falta de investimento no ano de 2019, a pasta alegou que “não houve empenho em 2019 do valor citado, de aproximadamente R$ 33 mil, para a reforma ou manutenção de abrigos de ônibus”.