Acessibilidade no transporte do DF: um longo caminho a ser percorrido
Principais reclamações incluem equipamentos danificados e falta de compreensão de usuários e funcionários das empresas do sistema na capital
atualizado
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Mirian Grassi, 37 anos, servidora pública (foto em destaque), vive a realidade de milhares de brasilienses: precisa do transporte público para seus afazeres diários. Além dos problemas rotineiros do sistema, como ônibus em más condições, enfrenta outra série de obstáculos: a falta de medidas suficientes para assegurar um serviço de qualidade às pessoas com mobilidade reduzida.
Há 10 anos, Mirian sofreu um acidente vascular cerebral isquêmico e deixou de dirigir, passando a andar de cadeira de rodas. Os movimentos, fala e visão ficaram limitados, mas ela manteve a vida ativa. Trabalha, estuda, cuida dos filhos e, até há pouco tempo, praticava dança e natação. Formada em gestão pública, é concursada em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) no Recanto das Emas, região onde também reside.
A UPA é perto de sua casa, possibilitando a locomoção com a cadeira de rodas até o local. Porém, para as demais atividades, a servidora depende do sistema de ônibus. “Antes, eu nunca reparava em alguns detalhes, como o tempo que a rampa demora para descer. Agora, vejo que essas coisas fazem toda a diferença na vida de um cadeirante”, conta.
As questões que precisam ser resolvidas, segundo Mirian, são muitas: equipamentos com defeito, demora, falta de compreensão dos passageiros e funcionários, e paradas pouco acessíveis, entre outros. Ela relata já ter perdido muitos ônibus porque motoristas não queriam esperá-la ou porque a rampa de acesso estava quebrada.
Os problemas dos cadeirantes começam ao sair de casa, mas, de todas as dificuldades, o transporte é a maior
Mirian Grassi, servidora pública
Embora a atividade física seja uma recomendação médica, Mirian precisou deixar os exercícios. O tempo gasto nos ônibus para ir e voltar dos treinos muitas vezes significava horas perdidas. “Minha vida é corrida, e o transporte causava muito transtorno.”
“Em alguns locais, parece que a acessibilidade é apenas para ‘bater o ponto’, só para dizer que é acessível”, expõe Mirian Grassi. Ela conta que na manhã de 15 de março, por exemplo, pegou três ônibus até conseguir chegar a uma consulta médica. Um estava com o controlador de acesso quebrado e o segundo, sem o equipamento. “São anos e anos passando por esse constrangimento. Um fato que deveria ser esporádico é corriqueiro.”
Usuário de cadeira de rodas, o trabalhador autônomo Valter dos Santos, 56, precisou esperar uma hora na manhã de 19 de março até que um novo ônibus passasse na L2 Sul. Isso por que o anterior havia apresentado mau funcionamento no elevador de acessibilidade.
Juracy de Souza, 35 anos, aposentado, relatou ter se deparado com a mesma situação na terça-feira (12/3) e na semana anterior. Ele também tem mobilidade reduzida há pouco mais de 10 anos, quando levou um tiro nas costas durante uma discussão de trânsito. Juracy registrou as ocasiões em vídeo. Em muitas das vezes nas quais a rampa de acesso apresenta defeitos, diz, todos os passageiros são obrigados a desembarcar.
“Quando a rampa não fecha direito, segundo os motoristas, ela pode cair durante o trajeto. Por isso tivemos que desembarcar por medo de causar um acidente”, revela. Ele classifica a situação como revoltante e agrega que o contratempo é frequente, independentemente da empresa. Além disso, diz que as reclamações se mostram ineficazes.
Conforme esclarecido pela Secretaria de Transporte e Mobilidade do Distrito Federal em nota, a manutenção dos veículos e equipamentos é de responsabilidade dos operadores. A pasta acrescentou que vistorias programadas ou sem aviso prévio fazem parte da rotina da Subsecretaria de Fiscalização, Auditoria e Controle (Sufisa).
Manutenção
De acordo com os dados da secretaria, no ano de 2018, foram realizados 21.041.075 acessos nos serviços integrantes do Sistema de Transporte Público Coletivo por pessoas com deficiência. A média mensal foi de 1.753.423.
Por meio de nota conjunta, a pasta e o Transporte Urbano do DF (DFTrans) informaram que todos os veículos do sistema público básico são acessíveis na capital, assim como os trens do metrô. Nos ônibus, embarque e desembarque são feitos por intermédio de elevadores ou rampas de acessibilidade, dizem os órgãos.
As verificações programadas ocorrem no Terminal de Vistoria, localizado no Setor de Armazenagem e Abastecimento Norte (SAAN). Quanto mais novo o veículo, maior o intervalo de tempo entre o procedimento de inspeção.
Consciência
O fator de consciência dos cidadãos é essencial, aponta Denise Braga, presidente da Associação Brasiliense de Deficientes Visuais (ABDV). Ela chama a atenção para um dos mais movimentados pontos do DF: a Rodoviária do Plano Piloto. “É um dos lugares que mais evitamos. Além de ser tumultuada, os comerciantes colocam as mercadorias em cima do piso tátil”, diz.
A Lei nº 5.984, de 2017, tornou prioritários todos os lugares dos coletivos e do metrô, com transporte público gratuito, para pessoas com deficiência. Ainda assim, o caminho a ser percorrido para quem depende da acessibilidade parece ser mais longo.
O primeiro problema para nós é chegar até o transporte. Tem motorista de ônibus que não para. Não há sistema de voz para informar a linha e ficamos dependendo dos outros. O metrô é mais acessível, mas não nos leva a todos os cantos, e muita gente não é compreensível com cão guia
Denise Braga, presidente da ABDV
Telva Lima, 48 anos, presidente da União da Pessoa com Deficiência (UPCD), engrossa o coro. Ela utiliza o metrô diariamente. “Às vezes, as pessoas sentam no chão e ocupam o espaço.” Como opções de melhoria, ela apresenta sugestões: campanhas educativas e treinamento para os funcionários.
Segundo o Metrô-DF, existe um projeto que trata da melhoria do acesso em todas as estações. As obras foram iniciadas, mas paralisadas por questões judiciais. “A companhia aguarda disponibilidade financeira para dar continuidade ao processo de melhorias nas estações, que incluem corrimãos, pisos táteis e sinalização em braile.”
Paradas
Alguns pontos de ônibus, além de não apresentarem critérios de acessibilidade, são lugares com pouca iluminação. Denise Braga e Mirian Grassi se queixam do perigo que o local pode representar, especialmente para mulheres que precisam esperar ônibus à noite. Mirian ainda conta que, certa vez, não pôde embarcar porque a rampa da parada era distante e o motorista, impaciente, não quis manobrar.
A Secretaria de Transporte e Mobilidade, o DFTrans e a Secretaria de Desenvolvimento Social afirmaram que estão elaborando propostas para a implementação de solução tecnológica para acessibilidade de pessoas com deficiência visual. De acordo com a Semob, os trabalhos já estão em fase de conclusão.