Pais de menina morta em faixa de pedestres querem justiça
Thayla, 6 anos, ia com a família para uma comemoração quando perdeu a vida. Desrespeito e faixas mal sinalizadas estão por toda parte no DF
atualizado
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A tarde de segunda-feira (12/12) era de comemoração para a família da dona de casa Maria do Carmo de Souza, 24 anos. Ela, o marido, André Mariano da Silva, e os três filhos se arrumaram e saíram de casa, no setor de chácaras do Riacho Fundo, para participar de uma confraternização na escola de André, que faz supletivo. Quando os cinco atravessavam a faixa de pedestres na Avenida Sucupira, na mesma cidade, um carro surgiu de repente e tirou a vida da segunda filha do casal, Thayla, de apenas 6 anos.
Maria do Carmo diz que a família estava quase acabando de atravessar a faixa, quando foi surpreendida. “De repente, só vi um vulto. Não sei de onde veio esse carro, sei que vi minha filha caída no chão e fui socorrê-la”, conta. Thayla estava de mãos dadas com o pai, que é trabalhador rural e tem 38 anos. Com o impacto da batida, a menina foi jogada longe. André caiu para o outro lado, mas escapou da morte.
A menina teve traumatismo craniano, chegou a ser transportada pelo Serviço Médico de Urgência (Samu) ao Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF), mas não resistiu aos graves ferimentos. “Quando ela foi levada, tive um sentimento de que ela não ia mais voltar”, diz a mãe.
Desde a tragédia, a família não consegue mais ficar em casa. Maria, o marido, a filha mais velha, de 8 anos, e o caçula, de 1 ano e quatro meses, estão na residência da sogra da dona de casa. “A gente lembra o tempo todo dela brincando no velocípede e correndo dentro de casa. A Thayla era uma menina alegre, brincalhona, obediente e muito especial para a gente”, garante Maria do Carmo.
Em meio à dor, a família espera por justiça. Maria do Carmo afirma que o motorista que atropelou e matou Thayla alegou ter dormido ao volante, às 17h30, horário do acidente. Mas os pais da menina desconfiam da versão. Acreditam que ele estava em alta velocidade e falando ao celular. Todas essas questões, porém, serão investigadas pela Polícia Civil. “Queremos justiça”, reforça a mãe.
A família de Thayla não quer que o caso seja apenas mais uma estatística. De acordo com o Departamento de Trânsito (Detran), somente este ano, cinco pessoas morreram quando atravessavam a faixa de pedestres nas pistas do DF. O número é maior que o de 2015, quando quatro pessoas perderam a vida. Em 2014, foram sete atropelamentos fatais. No pior momento, em 2009, o Detran contabilizou 11 vítimas.
O desrespeito é flagrante nas ruas e também nas estatísticas. Somente este ano, pelo menos 7.286 condutores foram autuados por descumprirem a lei. A situação preocupa, uma vez que Brasília é exemplo de respeito à faixa no país.
O Metrópoles percorreu seis regiões administrativas na última semana e não faltaram flagrantes de desrespeito. Os motociclistas são os mais distraídos. Muitos não dão prioridade aos pedestres. Por todo o DF, é fácil encontrar uma faixa mal sinalizada ou desgastada. Algumas estão instaladas em vias com rachaduras e remendos, sendo pouco visíveis aos motoristas no escuro e na chuva.
Não é o caso da travessia do Riacho Fundo I, onde Thayla Souza foi atropelada, mas, em Sobradinho, por exemplo, há faixas praticamente apagadas. Na quadra central da região administrativa, motoristas reclamam que falta iluminação e, às vezes, é difícil identificar que um pedestre pretende atravessar durante a noite.
“A sinalização está péssima. Além disso, os motoristas parecem estar sempre com pressa e não têm paciência para que as pessoas possam concluir a travessia. O governo diz que está revitalizando, mas usa uma tinta de má qualidade. A pintura logo fica desgastada”, reclama o auxiliar administrativo Leonardo Jacobina, 30 anos.
No Areal, em uma das poucas faixas de pedestres do local, a reportagem flagrou um buraco enorme na travessia. Na Avenida Hélio Prates, em Taguatinga, vários condutores ignoram pedestres que tentam cruzar a via localizada em frente ao Shopping JK. Os motoristas trafegam em alta velocidade na pista — cujo limite é 80km/h — e freiam bruscamente ao se aproximarem da travessia.
O fiscal de vendas Paulo Henrique dos Anjos de Brito, 26, demorou cerca de sete minutos para conseguir atravessar no local. No meio do caminho, ele ainda teve que recuar, pois um motoqueiro não respeitou o sinal de parada.
Na maioria das vezes, é assim. A gente tem que esticar o braço, a perna e colocar até o corpo para chamar a atenção. Os carros andam muito rápido e a gente fica com medo de ser atropelado. Nessa avenida, tem que parar na faixa, mas os motoristas não param
Paulo Henrique dos Anjos de Brito
Em Taguatinga Norte, a dona de casa Abadia Nice Mendes, 59, aconselhava a neta de 3 anos a fazer o sinal antes de atravessar. “Para dar exemplo para ela, mas está complicado. É bom que saiba desde cedo o risco que corre.”
Veja imagens das faixas pelo DF:
Exemplo
Na opinião do especialista em segurança viária Roberto Victor Pavarino, quase 20 anos depois da lei de respeito à faixa, a maioria dos motoristas respeita a sinalização. “O brasiliense incorporou a medida não só como uma norma de trânsito, mas também como uma forma de convívio social. As pessoas não obedecem só porque seriam multadas, mas porque já é um costume”, explicou.
Mesmo com o respeito, de acordo com Pavarino, as falhas que ainda existem devem ser detectadas e trabalhadas. “Os níveis de manutenção desses espaços, que volta e meia ficam apagados e demora-se a pintar, é muito prejudicial. Há de se ter uma clara sinalização por parte do Estado para mostrar que o poder público prioriza o pedestre. Dessa forma, o índice de respeitabilidade também será maior”, disse.
Segundo o Detran, 80% das faixas foram revitalizadas neste ano. Em janeiro de 2017, a engenharia do órgão dará início à operação retorno às aulas, intensificando o trabalho perto das escolas.
O órgão informou que a receita arrecadada com a cobrança das multas de trânsito é aplicada exclusivamente em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito.