Liberdade de jovem que atropelou ciclista causa revolta em enterro
Indignação e revolta marcam velório de Edson Antonelli. Ele foi atropelado por uma motorista embriagada, quando pedalava no Lago Norte
atualizado
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Um clima de indignação e revolta invadiu o Cemitério Campo da Esperança, na Asa Sul, na tarde desta segunda-feira (24/4), durante o velório do empresário Edson Antonelli, 61 anos. No momento em que familiares e amigos enterravam o corpo da vítima, o Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) liberava a universitária Mônica Karina Rocha Cajado Lopes, 20, que atropelou e matou Edson no último domingo (23) na altura da QI 7 do Lago Norte. Ela estava alcoolizada.
A jovem pagou fiança de R$ 5 mil e deve responder em liberdade por homicídio culposo (sem intenção de matar) e embriaguez ao volante. Caso seja condenada pelos dois crimes, Mônica pode pegar entre dois e sete anos de reclusão. Em depoimento após o acidente, a jovem afirmou que estava voltando de uma festa na Torre Digital e acredita ter dormido ao volante.
Em audiência de custódia realizada nesta segunda, a juíza substituta do Núcleo de Audiências de Custódia do TJDFT Lorena Alves concedeu liberdade a Mônica, mas impôs algumas medidas cautelares. Ela não pode ausentar-se do DF por mais de 15 dias, nem mudar de endereço sem comunicar o juízo; deve manter seus dados pessoais, endereço e telefone atualizados; e comparecer bimestralmente à Justiça para justificar suas atividades.
“O fato é gravíssimo, sobretudo por ter ocasionado a morte do ciclista. No entanto, em que pese a gravidade do caso, a prisão não se mostra necessária neste momento. A autuada é jovem, possuindo apenas 20 anos, é primária e de bons antecedentes (não ostentando qualquer passagem criminal), estuda (faz faculdade), possui residência fixa e colaborou com a atividade policial, ficando no local dos fatos, realizando voluntariamente o bafômetro”, disse a magistrada. A 8ª Vara Criminal de Brasília ficará responsável pelo caso.
Edson Antonelli foi atropelado enquanto pedalava na ciclofaixa do Lago Norte, como costumava fazer diariamente. Ao saberem da liberdade de Mônica, algumas pessoas presentes no enterro comentaram que a soltura da jovem representa uma “injustiça”. “As pessoas sabem das regras, sabem que não pode beber antes de dirigir. Para mim, isso é assassinato”, disse Ingrid Zuany, 25, sobrinha de Edson.
Os dois filhos e a viúva da vítima, Rose Antonelli, foram amparados por amigos e familiares, que se reuniram para a despedida do homem que gostava de usar as horas livres para pedalar. “Para a família dessa pessoa (Mônica), em 15 dias, isso vai passar. Ela não sofreu perda e estará blindada pelos amigos e familiares. Mas a nossa vida nunca mais será a mesma”, disse Rose ao Metrópoles.
Maíra Montalvão, irmã do marido de Amanda Antonelli, filha da vítima, também falou sobre o sentimento da família. “Não cabe a gente julgar, mas se indignar e mudar a nossa atitude”, disse. Ela lembrou que Edson tinha um neto de apenas um ano e quatro meses, que vai crescer sem a presença do avô. “Era um pai de família exemplar, apaixonado pela mulher e pelos filhos. O que ocorreu com ele causa revolta, indignação”, desabafou a mulher.
Ela reconheceu que Brasília avançou muito na questão de segurança no trânsito. Mas, lembrou: “Não adianta legislação. Adianta atitude. Por amor, se beber não dirija”, completou.
Assista ao desabafo de Maíra:
Muito emocionado, Rodrigo Antonelli, sobrinho de Edson, ainda não acreditava no ocorrido: “Ele me deu a primeira camisa do Palmeiras e assistia sempre aos jogos comigo. Éramos muito próximos”.
Segundo ele, o tio era brincalhão e costumava praticar exercícios com frequência. “Às vezes, passava lá em casa e chamava a gente para correr ou andar de bicicleta. Era muito saudável”, contou.
Não bastasse a dor da morte de Edson, parte da família viaja para São Paulo, onde será enterrada nesta terça-feira (25/4) a mãe dele, Maria José de Oliveira Antonelli, que morreu no mesmo dia do filho.
Moradora do Sudoeste, Mônica Karina Cajado Lopes dirigia um GM Ônix quando atropelou Edson. Ela teria invadido a pista exclusiva para ciclistas. O corpo do empresário foi arrastado por alguns metros até que a jovem conseguiu parar o carro.
O teste do bafômetro feito por agentes do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) detectou que a motorista dirigia com 0,865 miligrama de álcool por litro de ar expelido dos pulmões. Após o resultado, a PM encaminhou a mulher para a 6ª Delegacia de Polícia (Paranoá).
Na delegacia, Mônica contou que voltava da festa Surreal, na Torre Digital. Ela disse ter pegado um Uber até a QI 12 do Lago Norte, onde seu carro estava estacionado, e acredita ter dormido ao volante. A estudante chegou a ser presa no domingo (23), mas foi colocada em liberdade pela Justiça nesta segunda (24).
A defesa de Mônica reforça que a jovem não teve a intenção de matar e que ela pretendia dormir na casa da amiga, onde deixou o carro, mas achou que conseguia chegar em casa.
Estatísticas
A morte do empresário engrossa uma triste e preocupante estatística. De acordo com levantamento do Departamento de Trânsito do DF (Detran- DF), somente este ano, nove ciclistas perderam a vida nas pistas da capital federal. Do total, três acidentes ocorreram em rodovias que cortam a cidade e os demais em vias urbanas.
As estatísticas do órgão apontam que, no ano passado, 19 ciclistas morreram. Em 2015, foram 32 óbitos. Os dados se tornam ainda mais assustadores quando envolvem motoristas que insistem em desrespeitar a lei e bebem antes de pegar o volante.
Nos três primeiros meses deste ano, 4.834 condutores foram autuados por dirigir após a ingestão de bebida alcoólica, o que representa um aumento de 36,5% em relação ao mesmo período de 2016. A média diária foi de 53 multas, no valor de R$ 2.934,70 cada.
Somente no último fim de semana, o Detran e a Polícia Militar autuaram 127 condutores embriagados, sendo que quatro foram conduzidos à delegacia por apresentarem concentração de álcool superior a 0,3 miligrama por litro de ar expelido dos pulmões, que é considerada crime.
Campanhas
Para a coordenadora-geral da ONG Rodas da Paz, Renata Florentino, 32 anos, a segurança e o respeito aos ciclistas devem ser garantidos por meio de campanhas educativas, sinalização das vias e fiscalização rigorosa. “O que aconteceu (no Lago Norte) não foi um acidente e, sim, um crime. Isso poderia ser evitado se a motorista seguisse as normas de trânsito”, disse.
Ainda segundo Renata, para reverter as estatísticas, é necessário uma vigilância constante da sociedade. “Que os amigos e familiares não deixem que o amigo embriagado saia dirigindo por aí. Só assim conseguiremos evitar mais mortes”, alerta.