Meses após acidentes, famílias de vítimas do trânsito aguardam Justiça
Os três principais casos de acidentes fatais recentes com envolvimento de motoristas embriagados permanecem sem resolução
atualizado
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“Nada que eles fizerem trará minha família de volta. Me sinto incapaz”, afirma Elton Henrique da Silva (foto em destaque), 23 anos. No dia 27 de agosto, o brigadista perdeu um filho, a esposa e a cunhada depois que um carro dirigido por um adolescente de 17 anos capotou, invadiu uma ciclovia e atingiu as vítimas, no Gama. A dor de Elton espelha os sentimentos de pelo menos outras duas famílias que perderam entes queridos em acidentes envolvendo motoristas embriagados, e que causaram comoção no DF durante este ano. Todos ainda aguardam o desfecho dos casos e a punição dos envolvidos.
Uma das pessoas que espera uma decisão da Justiça é a revisora Fabrícia de Oliveira Gouveia, 48 anos. No dia 30 de abril, ela perdeu o marido e a sogra em um acidente notório que ocorreu na via L4 Sul. Ricardo Clemente Cayres, 46, e Cleuza Maria Cayres, 69, estavam no banco de trás do Fiesta vermelho da família quando foram atingidos pelo Volkswagen Jetta dirigido pelo advogado Eraldo José Cavalcante Pereira na noite daquele domingo.
Para Fabrícia Gouveia, 48 anos, o processo tem tido um andamento “estranho”. “Nosso caso é muito atípico. Não há irregularidade legal, mas desde o começo ocorreram fatos esquisitos, como a suspeita de pressão para facilitação da fuga dos envolvidos, a recusa de realização do teste do bafômetro, a apresentação dos suspeitos após o fim do flagrante. Isso nos deixa inseguros”, afirma.
Segundo informações repassadas à família, o inquérito policial foi enviado ao Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) apenas com as diligências e depoimentos colhidos pela Polícia Civil. No mês passado, o processo voltou à corporação para a inclusão do laudo de perícia do acidente. Ao Metrópoles, o delegado Ataliba Nogueira, responsável pela investigação, confirmou que o inquérito está com a corporação e espera que o documento seja encaminhado ao MPDFT em até três semanas.
Diante da demora e de tantos outros casos que tiveram procedimentos diferentes do nosso, ficamos meio céticos. Lutamos muito para não acreditar que exista alguma proteção pelo fato de serem pessoas influentes. Mas continuamos acreditando na Justiça e esperamos uma condenação
Fabrícia Gouveia
Edson Antonelli
Outra família que também teve os planos alterados após a morte de um ente querido foi a do empresário Edson Antonelli, 61 anos. Na manhã do dia 23 de abril, ele foi atropelado pela motorista Mônica Karina Rocha Cajado Lopes, 20, enquanto pedalava em uma ciclovia na altura da QI 7 do Lago Norte.
O processo tem tramitado com mais rapidez que o do acidente da L4 Sul. A motorista responsável pelo atropelamento, que voltava de uma festa e havia ingerido bebida alcoólica, foi presa em flagrante e solta no dia seguinte ao acidente. Agora, ela responde em liberdade pelo crime de homicídio culposo na direção de um veículo automotor e por embriaguez ao volante. Caso seja condenada, pode ser sentenciada a pena entre dois e quatro anos. A data do julgamento, no entanto, ainda não foi marcada.
Apesar da rapidez na tramitação do processo, a família da vítima não acredita que a punição será justa. “A nossa lei é muito branda. Não acho que após o julgamento ela vá sofrer uma punição severa, que sirva realmente de lição para os jovens que bebem, pegam o carro e acabam matando uma pessoa. O que mais dói é saber que a motorista já está indo em festas e dirigindo por aí, como se nada tivesse acontecido”, afirma a viúva de Edson, a paisagista Rose Antonelli, 57 anos.
Quatro meses após o acidente, Rose afirma que ela e os dois filhos não conseguiram se recuperar da perda e fazem tratamento psiquiátrico para aliviar a dor. “Nossa família ainda está atropelada. Todos os nossos planos e sonhos foram destruídos por uma pessoa que eu nem conheço e nem nos pediu perdão. Estou tentando reconstruir a vida, mas não sei por onde começar”, finaliza a viúva.
Pena mais rígida não é solução, acredita jurista
Para o promotor Valmir Soares Santos, que atuou no processo do acidente que vitimou o empresário Edson Antonelli, o aumento da pena em casos de acidentes fatais que envolvem embriaguez ao volante não é a solução do problema. “Já tivemos diversos exemplos na história de que esse tipo de medida não funciona. Não é o direito penal que vai diminuir os crimes, mas o desenvolvimento do ser humano por meio das melhorias da qualidade de vida”, afirma.
Segundo o promotor, a punição nesses casos é subjetiva e é essencial a análise de todos os aspectos da ocorrência na hora de tipificar o crime como homicídio culposo, causado por imprudência, negligência ou imperícia e quando não há intenção de matar — ou com dolo eventual, quando a pessoa assume o risco de chegar àquele resultado. Quanto ao caso da motorista Mônica Karina Rocha Cajado Lopes, Valmir Santos afirma acreditar ter se tratado de crime culposo.
Se uma pessoa bebe, pega o carro e dirige em meio a uma multidão, ela está assumindo o risco de atropelar alguém. Nesse caso específico, a moça consumiu bebida alcoólica e deve responder por isso, mas não estava em alta velocidade e cochilou sem querer. Foi uma fatalidade
Promotor Valmir Soares dos Santos
O advogado e professor em direito criminal da Universidade Católica de Brasília (UCB) Manoel Rocha também acredita que as leis atuais sejam satisfatórias na punição de casos desse tipo. No entanto, segundo o professor, as famílias podem agir para garantir uma investigação precisa, além de outras formas de compensação.
“Os familiares podem indicar um advogado para servir como assistente da acusação. Assim, têm a capacidade de acompanhar todos os trâmites de perto e pedir análises mais completas caso sintam que algo tenha sido negligenciado. Também podem entrar com um processo na esfera cível para pedir indenização pelas perdas causadas. Muita gente não faz isso até por falta de informação”, explica.