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Vereador do RJ entra com representação contra auditor da CGU por racismo religioso

Além do vereador, ex-deputado denuncia o auditor Claudemiro Ferrreira por racismo religioso, após o servidor culpar um orixá por massacres

atualizado

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Vídeo Reprodução
pregador se veste de pai de santo
1 de 1 pregador se veste de pai de santo - Foto: Vídeo Reprodução

Indignados com as sérias acusações do auditor da Controladoria-Geral da União (CGU) ao culpar um orixá pela recente onda de ataques e ameaças a escolas no país, um vereador e um ex-deputado do Rio de Janeiro entraram com representações contra o morador de Brazlândia Claudemiro Ferreira. Em vídeo divulgado nas redes sociais, o funcionário público disse que Ogum “gosta de matar” e de que “se banha com sangue”.

O vereador Átila Alexandre Nunes Pereira (PSD-RJ) e o ex-deputado Átila Nunes Pereira Filho (PSD-RJ) destacaram que as declarações feitas pelo servidor do CGU são “totalmente descabidas”. As representações dos dois foram feitas à Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância do Rio de Janeiro (Decradi), à Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática do Rio de Janeiro (DRCI-RJ) e ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

No vídeo, Claudemiro veste um traje típico usado por pais de santo. O servidor, que se identifica como professor e especialista em religiões de matriz africana, responsabilizou Ogum pelas violências cometidas contra crianças e adolescentes. Os políticos cariocas se referem ao servidor como um “pseudo praticante”. “Podemos grafar que não encontraremos nenhuma semelhança às características apresentadas pelo pseudo praticante da religião de matriz africana nesta exordial ao orixá”, afirmam nas representações.

Os pessedistas têm longa ligação à causa da liberdade religiosa. O ex-deputado, quando membro da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), inclusive, propôs a criação da Decradi.

Claudemiro é investigado pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF). Na quinta-feira (27/4), o servidor depôs na Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa, ou por Orientação Sexual, ou Contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin).

Em vídeo, Claudemiro faz afirmações de que Ogum “gosta de matar” e de que “se banha com sangue”. “Se ocorrer um massacre nas escolas, é mais uma de Ogum. Mais uma vez ele querendo sangue inocente, porque é o que ele gosta”, acusou o homem.

Assista:

Uma das maiores lideranças do candomblé no Distrito Federal, Adna Santos, mais conhecida como a Yalorixá Mãe Baiana de Oyá, disse que as falas do morador de Brazlândia têm o objetivo de aumentar conflitos entre a sociedade e as religiões de matrizes africanas. “Ele coloca a nossa comunidade em uma situação de guerra com as pessoas”, alegou.

“Eu tenho uma neta que chorou de medo de ir para as escolas por causa das ameaças. Nós somos pais e avós e sabemos o pânico que vivemos com nossas crianças. Dizer que é responsabilidade de Ogum é uma forma de desumanizar a nossa religião e a nós”, frisou.

Adna ainda criticou o uso da vestimenta escolhida pelo pregador. “Por que ele não usa uma batina? Um terno? Qual é o objetivo dele em usar uma indumentária sagrada nossa para fazer esse tipo de fala? É uma afronta e apropriação cultural.”

Ao Metrópoles Claudemiro negou que se trate de roupa de pai de santo. “Essa roupa que eu uso é mulçumana. Africano anda pelado, qualquer macaco sabe disso. Não faz parte da cultura africana andar de roupa. Eles só vão vestir roupa quando chega os mulçumanos, lá no século VI. É muita burrice, ignorância, analfabetismo, loucura, pouca pesquisa. É nessa seara que a coisa caminha”, declarou o investigado.

Contradição religiosa

Nos vídeos, Claudemiro ainda chama o orixá de “desgraça”. O servidor descontextualizou a história da entidade africana, misturando uma passagem bíblica, do livro Êxodo, do antigo testamento.

“Ogum falou para marcar as casas dessas pessoas que estão praticando bullying e no outro dia Ogum foi lá e matou todas as pessoas que estavam praticando bullying contra aquele cara”, narrou o Claudemiro.

No entanto, essa passagem não é da história de Ogum, como explicou a Yalorixá Mãe Baiana de Oyá. “Ogum, quando cometeu uma injustiça contra seu povo, se puniu, se cobrou e se isolou. Esse pastor entra em contradição com a história do orixá e a de Moisés.”

Mãe baiana faz referência à passagem em que, de acordo com a Bíblia, Deus teria pedido aos hebreus para pintarem de sangue a porta das casas a fim de sinalizar a fé e a proteção. As moradias que não foram pintadas teria todos os primogênitos mortos no Egito.

“E Faraó levantou-se de noite, ele e todos os seus servos, e todos os egípcios; e havia grande clamor no Egito, porque não havia casa em que não houvesse um morto”, conforme consta no versículo 30 do capítulo 12 do livro Êxodo.

Mais vídeos

O perfil do pastor nas redes sociais tem outros vídeos em que ele ataca as religiões de matrizes africanas. Em uma das filmagens, Claudemiro atribui às religiões a responsabilidades das mazelas no continente.

As acusações foram entendidas como racismo religioso por representantes do candomblé e da umbanda, que prestaram queixa à Decrin. Os representantes escreveram carta repudiando a conduta de Claudemiro. Veja o texto no fim da reportagem.

 

A Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal também se manifestou contra as falas intolerantes proferidas pelo religioso. Os distritais cobraram investigação e a punição do responsável.

“É intolerável a associação das religiões de matriz africana aos massacres em escolas. Além de mentirosa, essa declaração configura crime. Acionamos os órgãos competentes para que apurem este caso absurdo, que se enquadra na nossa lei de combate ao racismo religioso no DF. Esse tipo de declaração criminosa incita o ódio, a violência e coloca adeptos das religiões de matriz africana e os terreiros em situação de risco”, declarou o presidente da comissão de Direitos Humanos, Fábio Felix (PSol).

Outro lado

Ao Metrópoles Claudemiro reforçou que o conteúdo do vídeo é baseado na literatura da religião. “Esse vídeo está muito claro. Ele está dizendo que eu não sei o que está acontecendo. O que eu dei foi uma explicação para o fenômeno a partir do que diz a literatura da umbanda e do candomblé. Se a gente não estivesse num país de analfabetos funcionais, isso nem viraria manchete. Se alguém quiser discutir, ele que vá discutir com a literatura”, expõe.

“O vídeo é claro, inequívoco e cristalino, chega a ser simplório a interpretação. Estou dizendo que a explicação da umbanda e do candomblé para o fenômeno. Para ter uma antítese, me confrontar, não é indo para a delegacia, não é me difamando na internet, é mostrar que isso que eu disse não é o que a umbanda diz. Tem que trazer o contraponto”, defende o professor.

Claudemiro entende estar sendo alvo de calúnia e prometeu procurar pela Justiça. “Quando alguém atribuiu a mim a intolerância religiosa, se ele não provar que eu cometi esse crime, ele tá cometendo o crime de calúnia. Vou adotar as medidas sociais cabíveis contra todos aqueles que disserem que eu estou cometendo crime. As pessoas que estão falando bobagem contra mim terão que responder na Justiça”, indica.

De acordo com o Portal da Transparência do governo federal, Claudemiro é servidor público desde 2005 e recebe um salário bruto de R$ 26.138,79. Já trabalhou no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Polêmicas antigas

Não é a primeira vez que Claudemiro se vê envolto em polêmicas contra minorias. Em 2016, o homem lançou um curso com o objetivo de mudar a orientação sexual das pessoas, com o que chamou de “curso cura gay”. Na época, ele foi desmentido pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, ao dizer que tinha conteúdos chancelados pelo MPDFT.

Em nota divulgada à imprensa, o MPDFT “esclarece que não analisou ou chancelou qualquer conteúdo e não compactua com qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas e a adotarem ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados”.

O Ministério Público relata que, de fato, foi procurado por Claudemiro, em janeiro de 2015. Ele alegava que promoveria um curso dirigido a pastores e a obreiros e que a expressão “tratar” significaria “como lidar com homossexuais, e não significava qualquer intervenção de saúde, terapêutica ou psicológica”.

Claudemiro também escreveu um livro no qual se identifica como ex-gay e que ao seguir os passos do livro, homens homossexuais poderiam “mudar o próprio destino”.

Nota de repúdio da Comunidade Afro Religiosa e Amerindia em Brasília- DF e Entorno

Nós membros da Comunidade Afro Religiosa e Amerindia em Brasília- DF e Entorno, vimos denunciar e repudiar mais um ato de violência, fomento ao preconceito e ao ódio, intolerância religiosa e racismo religioso, praticado contra as Comunidades Religiosas de Matrizes Africana e Amerindias , na esperança que hajam as devida apurações e enquadramento nos termos da Lei Federal n° 7.716/89, norma federal que trata dos crimes de intolerância religiosa.

Ato criminoso

Trata-se da difusão em redes sociais de diversos vídeos em que um homem que ele mesmo se identifica pelo nome de Claudemiro Soares, usando roupa e adereço próprios ou idênticos a elementos da africanidade religiosa, aproveitando-se do grave momento em que há uma comoção nacional em função do ato de terrorismo ocorrido em escolas infantis em diversos estafos brasileiros, faz uma associação criminosa das religiões afrobrasileiras, inclusive inventando mentiras sobre estas crenças tradicionais, com o intuito de promover o ódio e o medo da sociedade, para com as religiões de Matriz Africana.

As falas tentam criar uma ideia que as religiões afro estariam justificando, apoiando e incentivando o crime hediondo, baseadas em historias mentirosas sobre nossa Divindade Ogun, ao tempo que também estariam ameaçando novos ataques, num intuito de promover a violência, o ódio, preconceito e crime contra os povos de terreiro, colocando inclusive em risco, as comunidades afroreligiosas de sofrerem possíveis ataques aos terreiros e aos irmãos de fé imputando-lhes o risco de morte. Em outro video a mesma pessoa acusa os Orixás por todas as mazelas por que passa o Continente Africano.

Descrição do crime:

O vídeo promove o racismo religioso ao atingir a Comunidade Afro Religiosa de Brasília e de todo o Brasil ao `acusar nossa Divindade Ogum de ser a principal causa dos ataques às Escolas Públicas em todo o país. Além de nos culpar pelos ataques, no vídeo, o autor nos desqualifica com palavras de baixo calão, promovendo um ataque verbal ofensivo e absurdo sem limites.

Base legal:

A ocorrência de mais este tipo de ataque, afronta as disposições da Constituição Federal, sobre igualdade, não discriminação e liberdade de religião, bem como disposições legais sobre crimes de intolerância religiosa já citado.

Requerimentos:

Nós, da Comunidade Afro Religiosa de Brasilia e Entorno, solicitamos que o Estado, a sociedade como um todo, venha somar forças para eliminarmos está vergonha que ainda persiste em nossa realidade, e de nossa parte, iremos buscar os meios competentes, em especial, recorrer a Delegacia Especializada em Crimes desta ordem, a DECRIM – DF, para que esta proceda as investigações investigue e tome as medidas legais cabíveis contra o autor do vídeo por promover a intolerância e o racismo religioso.

Tais ações ajudarão a enviar uma mensagem clara de que a discriminação religiosa e o racismo não serão tolerados em nossa sociedade.

Esperamos e confiamos que este crime e seus responsáveis, sintam o peso da lei, por através de seus atos, colocarem em risco, vidas de mulheres, homens, crianças e idosos que desejam apenas expressarem seu direito de fé sem terem que viver com o medo do preconceito, das agressões ou até mesmo do risco de morte.

Por fim, seguimos empenhados na luta contra o racismo e a discriminação religiosa, e agradecemos a todos os organismos estatais ou da sociedade, que se solidarizam e estão comprometidos com a liberdade de crença e o combate a estes crimes.

Esperamos que esta manifestação pública contribua com o desenvolvimento de ações significativas que ajudem a promover maior compreensão e tolerância em nossa sociedade.

O documento hora apresentado será assinado por Lideranças Afro Religiosas não só de Brasília, mas de todo o Brasil que se sentiram ameaçadas perante tal vídeo, que denunciam e repudiam estes crimes e que defendem o cumprimento da Constituição e das leis.

Assinam este documento:

1 – COLETIVO DEFENSORES DO AXE
Ògan Luiz Alves/PROJETO ONÍBODÊ

2 – Terreiro da Cabocla Jupiara – Luz de Yorima
OICD-DF

3 – Ile Axé Oya Bagan

4 – ILÉ AXÉ ODÉ ERINLÉ

5 – RENAFRO – Rebe Nacional de Religiões Afro-brasileira e Saúde

6 – COLETIVO DÁS YAS Brasília e Entorno

7 –CEN

8 – ILÉ AṢÉ JAGUN ONIGBEJÁ TI OŞUN

9 – Ilê Asé Ya Magbá Biolá – Yarolisa – Mãe Dje Ty Nanā/ Ekedy Zulmira Inês.

10 –Tenda Espírita Vovô Pedro de Angola – Mãe Pequena Ana Adalva

11 –Tenda Espírita Nossa Senhora dos Navegantes- Mãe de Santo Ana Adalva Pereira

12 – Centro Espírita Sociocultural Vovó Maria Conga.

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