Máfia das funerárias tem 50 papa-defuntos para recolher corpos no DF
Bando pode ser responsável, inclusive, pela subnotificação de homicídios, uma vez que catalogava esses crimes como mortes naturais
atualizado
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A máfia das funerárias conta com um exército de papa-defuntos no Distrito Federal. São homens e mulheres com a mórbida missão de mapear mortes em hospitais, clínicas e até nas ruas. O objetivo é cobrar das famílias enlutadas valores inflacionados. O Metrópoles apurou que, somente a Funerária Tanatos, com sede no P Sul, tem 50 pessoas responsáveis por executar o serviço clandestino.
As denúncias são investigadas pela 23ª Delegacia de Polícia (Ceilândia Sul), mas a chefia da unidade informou que o processo corre em segredo de Justiça e não comentaria o caso.
A Tanatos não estava entre os alvos da Operação Caronte, deflagrada na quinta-feira (26/10) pela Corregedoria da Polícia Civil e pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT). Por isso, permanecia em funcionamento apesar das apurações da 23ª DP.Ligadas ao médico-legista Agamenon Martins Borges, preso na Caronte e acusado de ser o líder do bando, a Tanatos, a Pioneira e a Universal – essas duas últimas objetos da Caronte – contavam com um esquema organizado no mercado da morte.
Fontes policiais ouvidas pela reportagem contaram que Agamenon deixava centenas de atestados de óbito assinados. Ao chegarem aos locais dos falecimentos, os papa-defuntos apenas preenchiam o documento com o nome da vítima e, sem qualquer exame, atestavam a causa da morte.
O bando encabeçado por Agamenon pode, ainda, ser responsável pela subnotificação de vários homicídios no DF. Há relatos de que pessoas assassinadas a tiros ou facadas recebiam o diagnóstico de morte natural.
A proprietária da Tanatos, Maria Ivanilda Lima, conhecida como Eva, negou qualquer envolvimento com o esquema criminoso, embora tenha admitido que Agamenon prestava serviço para a sua empresa. “Ele nunca foi meu funcionário, apenas assinava como médico-legista, o que é obrigatório”.
Apesar da fachada da loja ser clara com relação ao nome da empresa: “Funerária e Clínica Tanatos Brasília”, Maria Ivanilda disse que não realiza serviços de funerária. “Eu só faço o embalsamento dos corpos, não transporte. Eu apenas trabalho para as funerárias: elas deixam [os cadáveres] aqui, eu aplico formol no corpo, faço os procedimentos, e eles vêm buscar de novo. Não fico em porta de hospital atrás de defunto”.
Um documento obtido pelo Metrópoles mostra que a licença sanitária da Tanatos foi assinada por Agamenon (veja abaixo). Para funcionar, estabelecimentos desse porte necessitam do aval de um médico-legista. O suspeito chegou a integrar os quadros do Instituto Médico Legal (IML), mas foi expulso em 1990. A polícia não informou a razão do desligamento.
Sem SVO
A falta de um Sistema de Verificação de Óbitos (SVO) no Distrito Federal contribuiu para o enriquecimento da máfia das funerárias. O serviço deveria ser responsável por determinar as causas de mortes naturais – quando não há emprego de violência. Sem a unidade em funcionamento, os papa-defuntos se encarregaram de explorar famílias, cobrando valores inflacionados.
A estrutura deveria estar em operação na capital do país desde 2004, com a publicação da Lei nº 3.358, de 15 de junho daquele ano. Em 2009, uma portaria do Ministério da Saúde reforçou a legislação ao instituir a Rede Nacional de SVO e Esclarecimento da Causa Mortis no DF, nos estados e municípios. Apesar da determinação nacional, o projeto nunca saiu do papel em âmbito local.
Sem o SVO, cadáveres de pessoas mortas de mal súbito, no meio da rua, por exemplo, ainda são levados para o Instituto Médico Legal (IML), que é legalmente responsável por necropsias que podem subsidiar investigações criminais conduzidas pelas delegacias.
Em julho de 2016, decisão da 4ª Vara de Fazenda Pública deu prazo de 12 meses para o DF adquirir os equipamentos, reformar as instalações e realizar concurso para contratação de servidores do SVO. O prazo venceu há mais de três meses e o governo local nem deu sinal de que iria cumprir a determinação judicial.
Na sentença proferida à época, o magistrado responsável por avaliar o caso ressaltou a relevância do serviço. “É uma forma de resguardar a dignidade da família de indivíduos falecidos, uma vez que o atestado de óbito é medida obrigatória para a inumação [sepultamento ou enterro], não podendo dilatar-se no tempo, aumentando o sofrimento inerente ao evento”, argumentou.