Busca incansável. Filha procura por mãe desaparecida há 33 anos
Rosana viu Narci pela última vez aos seis anos de idade. A professora, porém, nunca desistiu de tentar encontrá-la
atualizado
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Foi uma despedida rápida, com um beijo na cabeça e a promessa de que voltaria em 15 dias. Na época, Rosana César Ferreira Alcântara era apenas uma criança e sua mãe, Narci de Fátima César, disse que iria trabalhar em Araguaína, município de Tocantins. Aquela, porém, seria a última vez que a família viu Narci. A busca pela mulher já dura 33 anos.
Em mais de três décadas, Rosana recebeu apenas uma carta da mãe, no seu aniversário de seis anos, pouco depois de a mulher sair de casa, em Ceilândia. Sem remetente, escrita com poucas palavras e em letras grandes, Narci dizia que voltaria logo e traria o presente que a filha tinha pedido. Mas, depois de tantos anos, Rosana não se lembra do que a mãe lhe prometera na ocasião.
Durante seis meses, Narci ainda mandou dinheiro para manter as duas filhas. Angustiados e sem notícias, por muitos anos, os familiares procuraram por ela. Acompanharam os passos da mulher por meio do uso do CPF e pela movimentação previdenciária.Após a morte dos avós maternos, que criaram as duas netas, Rosana conta que a Justiça determinou uma busca por todo o território nacional para que o inventário de bens fosse feito. Mas o promotor que tomou conta do caso também não teve sucesso. A última notícia de Narci foi em 2002, a de que os documentos dela tinham sido cancelados porque não havia cumprido com suas obrigações eleitorais naquele ano.
Ninguém sabe por que a mulher sumiu. A suspeita da família é de que possa ter tido depressão pós-parto. Quando Narci saiu de casa, a filha mais nova tinha apenas seis meses e problemas de saúde. Antes, ela tinha perdido uma recém-nascida, de apenas três meses de vida.
Rosana nunca se conformou com o sumiço da mãe. Chegou a mandar cartas para programas de TV e, até hoje, coloca postagens nas redes sociais na esperança de que alguém saiba o paradeiro de Narci. “Já fizemos buscas bem minuciosas. É uma frustração muito grande, uma interrogação na vida da gente essa falta de resposta”, diz Rosana, que hoje, aos 39 anos, é professora da rede pública e tem um casal de filhos.
Moradora de Samambaia, a professora acredita que, se a mãe estiver viva, formou outra família, pois “era uma mulher muito bonita”. Ela estaria hoje com 56 anos. “Quero reencontrá-la para que veja os netos crescerem e eu tenha alguém para chamar de mãe”, diz.
Distante da família, Narci perdeu todas as fases da vida das filhas. “Ela não nos viu crescer, se formar, se casar, ter nossos filhos. Por conta disso, minha adolescência foi de muita revolta. Tive problemas emocionais. Mas não tenho mágoa dela”, garante a professora.
Busca
Como Rosana, centenas de famílias pelo Distrito Federal procuram por parentes desaparecidos. Apenas entre o dia 1º de janeiro e 21 de julho deste ano, o DF registrou 1.477 ocorrências desta natureza. Do total, 1.201 pessoas foram encontradas e outras 276 permanecem sem paradeiro definido ou não tiveram seus nomes baixados do sistema da Polícia Civil.
Os dados são da Delegacia de Repressão a Sequestros (DRS), responsável por casos que envolvem crimes. O delegado-adjunto da DRS, Paulo Renato Alvarenga Fayão, explica que a maioria das ocorrências de desaparecimento é investigada por delegacias comuns, porém sua equipe faz um pente-fino para saber se há algum delito envolvido.
Em 2016, das 2.910 ocorrências, 1.214 (ou 41%) envolviam adolescentes entre 13 e 17 anos. “Eles saem de casa por desentendimento com a família ou para ir a algum lugar com amigos. Por isso, é importante saber com quem andam e acompanhar com quem falam nas redes sociais”, aconselha Fayão.
Dica importante
Para o delegado, a família deve ser a primeira a iniciar as buscas e não pode esperar o prazo de 24 horas para avisar a Polícia Civil (confira entrevista abaixo).
A Lei nº 5.537, de 8 de setembro de 2015, do deputado distrital Bispo Renato (PR), sancionada pelo governador Rodrigo Rollemberg (PSB), prevê que todos os sites do GDF tenham links para páginas com fotografias e dados dos desaparecidos.
Porém, apenas uma pequena parte tem o link. Até a última atualização desta reportagem, o GDF não havia informado as causas dessa falta de informação sobre desaparecidos nas páginas dos órgãos ligados ao Executivo local.
Além disso, o próprio site para o qual o internauta é direcionado está desatualizado. O Ministério da Justiça informa que passou a responsabilidade de alimentar a página para a Secretaria Especial de Direitos Humanos. Já a pasta ligada à Presidência da República respondeu que a área de atuação continua sob tutela da Justiça.
Organizações não governamentais (ONGs) também fazem o trabalho de divulgação, por meio de redes sociais. O delegado Fayão diz que o ideal seria um sistema integrado, no qual fosse automática a inclusão de pessoas desaparecidas em um banco de dados.
Quem tiver informações sobre o paradeiro de Narci pode entrar em contato com a família pelo telefone (61) 98124-2124.