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Todos os dias, 46 mulheres são agredidas dentro de casa no DF, diz SSP

Números dizem respeito ao último levantamento anual da SSP-DF, de 2022, que apontou a maior incidência do crime na capital desde 2010

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1 de 1 Ilustração Sem Título - Foto: Mila/ Arte Metrópoles

Em 27 de novembro de 2022, Maria*, 29 anos, foi brutalmente agredida dentro da própria casa, pelo ex-namorado. A data, segundo ela, é memorável por ser o dia do seu aniversário. À época, a estudante de nutrição recebeu amigos e familiares para uma celebração. No fim da festa, porém, foi espancada e injuriada pelo ex-companheiro por ter “passado tempo demais” conversando com um “velho amigo”.

A jovem, assim como outras 169.49 mulheres no Distrito Federal, foi vítima de um crime que, apesar de ter até lei com nome – Maria da Penha –, cresce a cada dia na capital da República. Os dados são da Secretária de Segurança do DF (SSP-DF).

“Era meu aniversário e eu estava comemorando com pessoas que amo. Um amigo de infância veio de longe para me ver e ficamos conversando. Durante a madrugada, após todos irem embora, meu ex me derrubou no chão, passou a chutar o meu estômago e a socar o meu rosto. Enquanto ele me agredia, desmaiei. Retomei os sentidos quando senti uma pancada na têmpora – ele tinha me levantado e batido a minha cabeça da quina da janela e eu nem percebi”, narrou a mulher.

“Em seguida, apaguei novamente, acordando apenas no hospital. À época, não o denunciei, fiquei com muito medo, e ele prometeu não fazer novamente. Dois dias depois, porém, voltou com as agressões verbais. De repente, os xingamentos deram lugar aos ataques. No fim, quando ele tinha um dia ruim, bebia demais ou era repreendido por alguém, descontava em mim. Com um ano de relacionamento, eu tive o braço e o pé quebrados. Se minha família não interviesse , hoje não estaria aqui”, declarou Maria.

Casos nos quais a violência verbal evolui para agressão física são mais comuns do que se imagina. Apesar de tapas ou socos serem a primeira representação quando se trata de violência contra a mulher, não é apenas a agressão física que define um relacionamento abusivo. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, todos os dias, cerca de 46 mulheres são agredidas dentro do próprio lar pelo companheiro (a) ou familiar no Distrito Federal.

Além disso, conforme o mais recente levantamento da pasta, em 2022, a violência doméstica teve maior incidência na capital do país desde 2010. No ano foram registrados 16.949 casos, seguido de 16.861 (em 2019), e 16.791 (em 2021).

Gráficos revelam a evolução de casos no DF:

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Dentre as violências domésticas, e por mais um ano, a violência psicológica continua com a maior incidência
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De acordo com o último levantamento da SSP-DF, em 2022, a violência doméstica teve maior incidência na capital do país desde 2010. No ano foram registrados 16949 casos, seguido de 16861, em 2019, e 16791, em 2021

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Dentre as violências domésticas, e por mais um ano, a violência psicológica continua com a maior incidência

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Vítima de violência física e psicológica, a bancária Ana*, 25 anos, enfrentou uma verdadeira batalha para conseguir livrar-se de um relacionamento abusivo. Isso porque o medo e as ameaças que sofria constantemente por parte da ex-companheira, a impediram, por anos, de procurar ajuda. Foi somente após uma tentativa de homicídio que a jovem conseguiu registrar queixa e solicitar medidas protetivas.

“Minha ex-namorada me traía sempre que podia. Quando eu descobria, a confrontava. No entanto, ela logo invertia a situação e, no fim, me obrigava a pedir desculpas. No decorrer da nossa relação, ela passou a bater no meu rosto, me chutar enquanto eu dormia e me ameaçar de morte. Por não ter família aqui no DF, eu sentia medo e nunca revidava. Em todas as vezes que tentei terminar, ela me espancava e dizia que se não ficasse com ela, eu não ficaria com mais ninguém”, contou.

“Certa vez, eu voltei tarde do trabalho, pois o ônibus que eu peguei tinha quebrado. Ela ficou irada. Antes mesmo de eu entrar em casa, ela começou a jogar coisas em mim. Assustada, corri para a casa de uma amiga, que ficava no mesmo lote, mas ela veio atrás com uma facão nas mãos. Tive os braços e as pernas lesionadas. Até hoje carrego sequelas do que ela fez comigo”, desabafou Ana.

De acordo com a psicóloga Luciana Lopes, os primeiros sinais de violência doméstica podem ser sutis, “mas não devem ser ignorados”. A especialista explica que pessoas expostas a esse crime podem apresentar ansiedade, depressão, transtorno de estresse pós-traumático, síndrome do pânico, distúrbios do sono, dificuldades ligadas à sexualidade, entre outros.

“Um dos principais indicadores da violência doméstica é o controle excessivo do parceiro sobre a vida da mulher. Isso pode incluir proibições de sair com amigos ou até mesmo trabalhar. O agressor pode, ainda, monitorar as atividades da companheira, controlar o dinheiro dela (violência patrimonial), ou fazer com que ela se sinta diminuída – proferindo comentários negativos sobre a aparência ou a capacidade dela (violência psicológica), por exemplo. Tudo isso pode anteceder também agressões físicas”, declarou.

Conforme relatou a psicóloga, para quebrar o ciclo de violência é preciso que a vítima reconheça que há um problema, e que ele não pode ser normalizado. “Quando a mulher decide denunciar o agressor, ela não apenas busca proteção para si, mas também impede que outras passem pela mesma situação. Denunciar a violência é essencial para proteger a vítima, punir o criminoso e impedir que o abuso continue”, finalizou Luciana.

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À época, a OEA responsabilizou o Brasil e o acusou de omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres. Além disso, a entidade recomendou que o governo não só punisse o agressor de Maria, como prosseguisse com uma reforma para evitar que casos como esse voltassem a ocorrer
Em 2002, diante da negligência do Estado, ONGs feministas elaboraram a primeira versão de uma lei de combate à violência doméstica contra a mulher. Somente em 2006, no entanto, a Câmara e o Senado discutiram sobre o caso e aprovaram o texto sobre o crime
Em 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) foi sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com 46 artigos distribuídos em sete títulos, a legislação visa coibir a violência doméstica contra a mulher, em conformidade com a Constituição Federal
A lei entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006, e o primeiro caso de prisão com base nas novas normas foi a de um homem que tentou estrangular a esposa, no Rio de Janeiro
A Lei Maria da Penha altera o Código Penal e determina que agressores de mulheres não possam mais ser punidos com penas alternativas, como era usual. O dispositivo legal aumenta o tempo máximo de detenção, de 1 para 3 anos, e estabelece ainda medidas, como a proibição da proximidade com a mulher agredida e os filhos
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O nome da lei homenageia Maria da Penha, mulher que sofreu tentativa de feminicídio, em 1983, que a deixou paraplégica. O caso ganhou repercussão internacional e foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA)

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À época, a OEA responsabilizou o Brasil e o acusou de omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres. Além disso, a entidade recomendou que o governo não só punisse o agressor de Maria, como prosseguisse com uma reforma para evitar que casos como esse voltassem a ocorrer

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Em 2002, diante da negligência do Estado, ONGs feministas elaboraram a primeira versão de uma lei de combate à violência doméstica contra a mulher. Somente em 2006, no entanto, a Câmara e o Senado discutiram sobre o caso e aprovaram o texto sobre o crime

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Em 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) foi sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com 46 artigos distribuídos em sete títulos, a legislação visa coibir a violência doméstica contra a mulher, em conformidade com a Constituição Federal

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A lei entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006, e o primeiro caso de prisão com base nas novas normas foi a de um homem que tentou estrangular a esposa, no Rio de Janeiro

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A Lei Maria da Penha altera o Código Penal e determina que agressores de mulheres não possam mais ser punidos com penas alternativas, como era usual. O dispositivo legal aumenta o tempo máximo de detenção, de 1 para 3 anos, e estabelece ainda medidas, como a proibição da proximidade com a mulher agredida e os filhos

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No entanto, foi somente em 2012 que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a constitucionalidade dessa lei

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Bater em alguém é crime no Brasil desde 1940. Contudo, a Lei Maria da Penha foi criada para olhar com mais rigor para casos que têm mulheres como vítima, na esfera afetiva, familiar e doméstica

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Em outras palavras, a aplicação da Lei Maria da Penha acontece dentro do conceito de vínculo afetivo. O(a) agressor(a) não necessariamente precisa ter relação amorosa com a vítima, já que a lei também se aplica a sogro, sogra, padrasto, madrasta, cunhado, cunhada, filho, filha ou agregados, desde que a vítima seja mulher

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Além disso, não importa se o agressor deixou ou não marcas físicas; um tapa ou até mesmo um beliscão é suficiente para que a ocorrência seja registrada

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Segundo o advogado Newton Valeriano, “não é necessário ter testemunhas”. “Esse tipo de violência ocorre, principalmente, quando não há pessoas por perto. Portanto, a palavra da vítima é o que vale para começar uma investigação. Além disso, o boletim de ocorrência e a medida protetiva não podem ser negados”, disse o especialista

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Apesar do que muitos pensam, a agressão física contra a mulher não é o único tipo de violência que se enquadra na legislação. O artigo 7º da Lei Maria da Penha enumera os crimes tipificados pela norma: violência psicológica, sexual, patrimonial ou moral

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Caracteriza-se como violência psicológica qualquer conduta que cause dano emocional e que vise controlar decisões. Além disso, ameaças, constrangimento, humilhação, chantagem, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação

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Caracteriza-se como violência sexual qualquer conduta: que constranja a mulher a presenciar ou participar de relações sexuais não desejadas; que a induza a usar a sexualidade; que a impeça de utilizar contraceptivos; que force uma gravidez ou um aborto; e que limite ou anule o exercício de direitos sexuais e reprodutivos

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Já a violência patrimonial é entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores, direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer necessidades

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Violência moral é considerada qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria

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Há alguns anos, debates sobre a inclusão de mulheres transexuais na Lei Maria da Penha influenciaram decisões judiciais que garantiram medidas protetivas a elas. Sentenças dos Tribunais de Justiça do Distrito Federal, de Santa Catarina e de Anápolis abriram precedentes para a discussão

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Apesar disso, nas vezes em que foram incluídas, as mulheres trans precisavam ter passado pela cirurgia de redesignação ou alterado o registro civil

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No início de abril de 2022, no entanto, o STJ concedeu, por unanimidade, medidas protetivas por meio da Lei Maria da Penha para uma mulher transexual. Por ser a primeira vez que uma decisão nesse sentido foi tomada por um tribunal superior, a determinação poderá servir de base para que outros processos na Justiça utilizem o mesmo entendimento

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Espancada por um militar

Recentemente, o Metrópoles noticiou o caso em que um major da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) foi preso por agredir, injuriar, ameaçar e cuspir na própria esposa dentro da residência onde morava o casal, em Ceilândia.

O caso aconteceu em 18 de março de 2023. À época, Eduardo Ferreira Coelho, sabendo que a vítima estaria se recuperando de uma cirurgia na coluna, sentou no quadril dela e passou a espancá-la, bem como a cuspir em seu rosto. A mulher chegou a gritar pedindo para cessar as agressões, mas o militar passou a pular sobre a coluna dela “provocando muito mais dor”.

O ataque foi presenciado pela filha do casal, de 2 anos. Enquanto a criança tentava entender o que estava acontecendo, o PM teria dito a ela que a esposa “havia feito algo muito feio” e que “mulher que faz coisa feia merece apanhar”. Ao mesmo tempo que falava com a bebê, o major continuava as agressões contra a companheira.

O crime aconteceu por ciúme. Eduardo teria agredido a esposa após ela ter mandado uma mensagem ao ex-marido, pai do primeiro filho dela, agradecendo um celular que ele deu a criança.

A reportagem apurou que o major já teria agredido a esposa em outras ocasiões. Certa vez, ele teria empurrado a vítima de um carro em movimento e apontado uma arma para a cabeça dela. Ao Metrópoles a PMDF disse que, agora, Eduardo está em trabalho administrativo, foi matriculado em um curso de violência doméstica e está sendo investigado pela corporação. Ele segue em liberdade.

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O caso aconteceu na residência onde morava o casal, em Ceilândia, em 18 de março
Eduardo coelho recebeu liberdade provisória na audiência de custódia e segue na PMDF
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Eduardo Ferreira Coelho, 42 anos, major da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) preso por agredir, injuriar, ameaçar e cuspir na própria esposa

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O caso aconteceu na residência onde morava o casal, em Ceilândia, em 18 de março

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Eduardo coelho recebeu liberdade provisória na audiência de custódia e segue na PMDF

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A importância da denúncia

Apesar disso, Thalita Borin Nóbrega, 40 anos, delegada de polícia da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher 2 (Deam 2), disse ao Metrópoles que somente a denúncia é capaz de surtir efeito em casos de violência contra a mulher. “Talvez algumas mulheres acreditem que ‘para adiantar algo’ o agressor deva ser preso. Porém, pela experiência que eu tenho, não necessariamente a prisão fará o agressor entender que a mulher não é sua propriedade”, começou Thalita.

“Nesses anos de Deam eu vi que muitos agressores, quando são chamados à delegacia, percebem que as atitudes que tiveram estão erradas e que a sociedade não tolera mais esse tipo de conduta. Então, todos os casos registrados dão algum tipo de resultado. É importante que as mulheres entendam isso”, pontuou.

Segundo a delegada, o primeiro passo para registrar a denúncia é procurar uma delegacia. “Em especial as Deams, que têm um atendimento diferenciado e mais sensível”, informou. Em seguida, a casa da mulher brasileira.

“Em certos casos, a mulher está vulnerável e se sente só. Por conta disso, muitas não conseguem largar o ciclo vicioso, sendo de extrema importância uma ajuda. No DF, por exemplo, temos uma rede de apoio para ajudar essas mulheres. Além das delegacias, o Judiciário e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (PMDFT) têm programas que prestam apoio psicológico e social. Acredito que todos esses passos são importantes para mostrar que a mulher não está sozinha”, esclareceu a policial.

Boletins de ocorrência também podem ser registrados pela internet.

Sinal Vermelho

Um projeto aprovado em 2021 pelo Congresso assegura em lei a campanha Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica.

Na fotografia colorida, a mulher mostra a mão levantada com o sinal vermelho

iniciativa estabelece um protocolo para a mulher que sofre violência denunciar em segurança. A campanha sugere que a vítima faça um “X” em vermelho na palma da mão e mostre, discretamente, a atendentes de farmácias, órgãos públicos e agências bancárias. Nesse caso, os funcionários são orientados a acionar imediatamente a polícia para acolhimento da vítima.

Pela proposta aprovada, os poderes Executivo e Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e órgãos de segurança podem atuar junto a entidades privadas para a promoção do programa – permitindo, portanto, o convênio de outras empresas além das farmácias, como hotéis, mercados, repartições públicas e outros.

* Nomes fictícios para resguardar a identidade e garantir a segurança das vítimas

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