“Tive muito medo de ser isolada”, diz 1ª mulher a comandar o CBMDF
A coronel Mônica de Mesquita Miranda, 54 anos, entrou na corporação em 1993. Ela foi a primeira mulher a ocupar o cargo de comandante-geral
atualizado
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Um ano e três meses após assumir a chefia do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF), a coronel Mônica de Mesquita Miranda, 54 anos, aposentou-se, com a sensação de que fez “um bom comando”.
Primeira mulher na América Latina a ocupar o cargo de maior prestígio dentro da corporação, ela conversou com o Metrópoles sobre os desafios enfrentados, a presença feminina na tropa, o seu legado, e o temor de não ser ouvida.
“Eu tive muito medo no início, por ser mulher, de ser isolada, mas isso não aconteceu. Pelo contrário, eu acho que eu fui muito ouvida, muito acolhida e respeitada na minha função. E esse legado não é só meu, é de todas nós.”
Confira a entrevista:
Após 31 anos no CBMDF, o anúncio da aposentadoria, que já era esperado, foi dado no último dia 15. “A nossa legislação prevê que, não tendo promoções para o cargo de sua função, o posto de coronel e os mais velhos vão para a reserva de forma compulsória. E, como eu sou a mais velha, tive que não só pedir minha reserva remunerada, como eu mesma a assinei. Ossos do ofício”, contou a coronel.
Entrada nos bombeiros
Natural de Brasília, Mônica é mãe de três filhas – de 24, 16 e 9 anos – e casada há mais de duas décadas. Ela entrou para o CBMDF na primeira turma do curso de formação de oficiais com participação feminina, em 1993.
À época, entre 120 alunos, havia apenas ela e mais duas mulheres. O número aumentou ao longo dos anos e, atualmente, há em torno de 1,2 mil bombeiras na corporação.
O ingresso no comando-geral foi marcado por desafios. Mônica foi nomeada em 4 de janeiro de 2023, às vésperas da invasão e depredação da sede dos Três Poderes, em Brasília. Sentindo-se na obrigação de não errar como primeira mulher no cargo, a coronel avalia que “fez um bom comando”.
“Eu avalio que nós fizemos um bom comando. Um comando que teve muitos desafios, começando com a minha recepção, no dia 8 de janeiro. Mas acredito que eu acertei mais do que cometi equívocos. Eu tive o apoio do meu alto comando e dos oficiais da tropa, em geral. E tive muito apoio do Governo do Distrito Federal. Então, eu consegui trazer a essência da palavra comandar na sua prática, que é ‘mandar com'”, comenta.
Legado
A coronel acredita que cumpriu a árdua missão de deixar um legado para outras mulheres dentro da corporação: “Fui a pioneira, mas não quero ser a última”.
“Tive que quebrar resistências que você traz no decorrer da vida, da formação e do seu núcleo familiar. Deixo um legado de que uma mulher pode, sim, assumir uma força militar”, celebrou Mônica.
Entres as conquistas, a coronel mencionou a criação do Comitê Nacional de Bombeiras Militares, com um olhar mais acolhedor para licença-maternidade e demais afastamentos dentro da corporação, bem como a ocorrência de um concurso público com um número significativo de participação feminina.
“Eu posso dizer que nós fizemos a maior quantidade de promoções de mulheres dentro da instituição nesse um ano no comando. Então, nós tivemos essa felicidade de termos mulheres aptas, no momento adequado, para assumir as funções, e que fizeram um excelente trabalho“, disse ela.
Saúde mental
Graduada em psicologia, Mônica tinha a preocupação de deixar também um legado na área da saúde mental. A sua primeira atividade na corporação, logo após passar pelo curso de formação de oficiais da CBMDF, foi como chefe da sessão de psicologia da Academia de Bombeiro Militar.
Depois, retornou como aspirante para a Academia e assumiu o cargo de comandante no Centro de Assistência, onde atuou como psicóloga.
“Nós fizemos o ingresso de seis psiquiatras, uma assistente social e duas psicólogas nesse último concurso. Hoje temos cursos voltados não só para a saúde mental, mas também para a educação financeira, para a questão também de como se preparar para a inatividade”, exemplificou.
Ganhos para corporação
Embora sua passagem pelo comando-geral do CBMDF tenha sido curta, a coronel avalia que que viveu um ano de muitas conquistas para a corporação. “Nós fizemos 50 ações, muita coisa para um ano. Mas eu tinha pressa, porque eu sabia que meu tempo era exíguo”, salientou.
Uma das ações implementadas por ela foi a mudança no regulamento de uniforme dos bombeiros. “Conseguimos tirar do papel, após 10 anos tentando, trazer um uniforme mais prático, que desse condição de trabalho. Compramos também novas aeronaves e viaturas”, destacou.
“Nós tivemos também uma entrega que muito me emocionou, que foi a inauguração do Oitavo Grupamento de Bombeiro Militar, que fica em Ceilândia. Foi entregue não só para a nossa instituição, mas também para a população da Ceilândia, que é uma comunidade muito querida”, comemorou a coronel.
Novo ciclo
Oficialmente aposentada da corporação, Mônica quer resgatar alguns projetos que ficaram guardados na estante por conta dos deveres como bombeira. E, o mais importante: cuidar mais da família.
“Eles tiveram uma parceria imensa, entenderam, na sua plenitude, que aquele era um momento educacional e que eu precisava ser instituição. Então eles me acolheram, me ajudaram, me compreenderam, me amaram”, declarou-se à família.
A coronel, no entanto, não pretende parar de trabalhar tão cedo. Recentemente, ela recebeu um convite do secretário de Segurança Pública do DF, Sandro Avelar, para trabalhar na pasta.
“Terei saudade de usar a farda que, por 31 anos, ergui. A gente encerra uma etapa e inicia outra, mas a missão de ajudar sempre estará comigo”, finalizou.