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Tiros e ameaças: PF investiga grileiros em área que abriga Mesa de JK

Região tem relevante importância ambiental e histórica e passou a ser alvo de invasores de terra nos últimos anos

atualizado

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Venda de lotes em unidade de preservação, ARIE. Riacho Fundo. II, Brasília(DF), 26/02/2019
1 de 1 Venda de lotes em unidade de preservação, ARIE. Riacho Fundo. II, Brasília(DF), 26/02/2019 - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

A região que abriga a histórica mesa de reuniões usada pelo ex-presidente Juscelino Kubitschek durante a construção de Brasília tem sido marcada por disputas que resultaram em pelo menos cinco ameaças de morte nos últimos anos. Criada há duas décadas por meio de decreto, a Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) Granja do Ipê, no Riacho Fundo II, deveria preservar espécimes típicas do Cerrado, mas se tornou alvo da cobiça de grileiros, como mostrou o Metrópoles em reportagem publicada no domingo (3/3). O caso chegou à Polícia Federal, que investiga as denúncias.

Desde 2012, grupos interessados em manter a gleba intacta travam batalha com invasores que parcelaram e criaram pelo menos 22 lotes irregulares. Um defensor da Arie tentou impedir que um poço artesiano fosse perfurado próximo a uma nascente. Após alguns dias, a casa dele amanheceu com um tiro de espingarda na parede.

Pouco tempo depois, a moradora de uma chácara denunciou à polícia ter sido enganada por grileiros ao pagar por um terreno não passível de comercialização. Não demorou para um misterioso incêndio atingir parte de sua propriedade e destruir um pomar de laranja. “Toda vez que a gente ‘coloca quente’ para cima dos grileiros e não permite que façam o que bem entendem, ameaças começam a ocorrer”, disse um homem que preferiu não se identificar.

A reportagem também conversou com um ex-morador que diz ter sido acusado de perseguição por grileiros. “Eles estavam querendo parcelar terras numa área extremamente sensível. Eu denunciei e, no outro dia, a Seops [Subsecretaria de Operações de Segurança] derrubou a estrutura que eles tinham acabado de começar a construir. Tiveram a cara de pau de irem à delegacia para me acusar de perseguição”, conta.

As denúncias de grilagem e ameaças a moradores motivaram a Delegacia de Meio Ambiente e Patrimônio Histórico (Delemaph), da Polícia Federal, a instaurar inquérito para apurar os casos na Arie Granja do Ipê. Segundo lideranças comunitárias da unidade de conservação, agentes da PF voltaram à região, em pelo menos outras duas ocasiões, a fim de reunir elementos para subsidiar as investigações. Além disso, dezenas de depoimentos foram colhidos.

A reportagem solicitou à Polícia Federal informações sobre o andamento da diligência. A resposta será acrescida a esta matéria tão logo a corporação enviar o texto.

Veja imagens da Arie Granja do Ipê, no Riacho Fundo II:

6 imagens
Local abriga preciosos sítios arqueológicos, agora ameaçados por grileiros
Mesa onde JK despachava, no meio da mata, fica a menos de 600 metros da invasão
Para não chamar atenção dos fiscais, grileiros parcelam lotes públicos no meio da mata
Em algumas localidades, mata nativa foi retirada
Lotes são vendidos a valores que variam de R$ 30 mil a R$ 100 mil
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Região grilada fica na Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) da Granja do Ipê, no Riacho Fundo II

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Local abriga preciosos sítios arqueológicos, agora ameaçados por grileiros

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Mesa onde JK despachava, no meio da mata, fica a menos de 600 metros da invasão

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Para não chamar atenção dos fiscais, grileiros parcelam lotes públicos no meio da mata

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Em algumas localidades, mata nativa foi retirada

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Lotes são vendidos a valores que variam de R$ 30 mil a R$ 100 mil

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Audiência pública na CLDF
No domingo (3), o Metrópoles mostrou que a poligonal de 1.143,82 hectares é protegida por diversas legislações ambientais e sofre com as invasões. Pela estrada de chão, o único sinal visível das ocupações clandestinas são arames que cercam uma extensa área pública de propriedade da União. É pelo alto que se tem a dimensão do estrago produzido no meio ambiente.

O drone do portal sobrevoou o local e detectou a construção de casas que colocam em risco importantes cursos d’água, como o Córrego Capão Preto, que passa sob a Mesa de JK. Ele desemboca no Córrego Ipê Coqueiro, que, por sua vez, deságua no Córrego Riacho Fundo, sendo esse o último afluente do Lago Paranoá.

Após a reportagem, o deputado distrital Leandro Grass (Rede) conversou com lideranças da Arie da Granja do Ipê e anunciou que, nos próximos dias, irá propor uma audiência pública na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) a fim de debater soluções para a região.

“É um local muito importante do ponto de vista ambiental e histórico. É preciso que esse tema faça parte da agenda pública do Executivo e do Legislativo, pois já vimos que, no passado, a grilagem ali contou com a conivência de agentes públicos. É preciso verificar se isso não continua a ocorrer”, destaca o parlamentar.

A coordenadora do Movimento Diálogos da Arie Granja do Ipê, Regina Fittipaldi, pretende reunir a comunidade nos próximos dias com o objetivo de discutir estratégias para preservar a unidade de conservação. “Temos percebido que, apesar de todos os esforços, a área ainda está muito vulnerável. É preciso levantar essa questão urgentemente”, diz Fittipaldi, que também é pró-reitora de Meio Ambiente da Universidade da Paz (Unipaz).

Ex-coordenador da Casa Civil
Uma das maiores ocupações clandestinas da Arie da Granja do Ipê tem pelo menos seis hectares. Ela pertence a Ana Maria Cardoso de Moura, mãe de Luiz Franklin, que foi coordenador adjunto da Coordenadoria de Cidades da Casa Civil no governo de Agnelo Queiroz (PT).

Para não chamar atenção dos fiscais, o acesso se dá por meio de uma estrada improvisada. No trajeto pela trilha, é possível ver que uma parte da mata foi cortada para abrir espaço aos veículos. Ana Maria e Luiz Franklin têm autorização para ocupar o local como produtores rurais, mas, nos últimos anos, fracionaram parte da gleba e venderam lotes.

A permissão para mãe e filho se instalarem na localidade foi dada pela ex-superintendente da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) Lúcia Carvalho, exonerada em 2013 do cargo justamente por ser apontada pela Polícia Federal como a responsável por um esquema de demarcações clandestinas de terrenos em Vicente Pires. A SPU é a gestora da gleba na Granja do Ipê.

Batalhão
A invasão deveria ter cedido lugar, ainda em 2013, a uma unidade do Batalhão de Polícia Militar Ambiental (BPMA). Justamente por ser uma área sensível, o projeto da guarnição previa material 100% ecológico, com estrutura suspensa, madeira e bambu. Caberia à SPU determinar a liberação do terreno de Ana Maria, o que não ocorreu até o momento. O projeto acabou ficando pelo meio do caminho.

Outra edificação impressiona pelas dimensões. A entrada do “quintal” da casa de uma mulher identificada como Wilma Mazute tem até portal. Visto de terra firme, o lugar parece contar apenas com uma residência simples; mas, do alto, é possível observar pelo menos seis construções de alvenaria no meio das árvores.

Por se apresentar como produtora rural, Wilma teria direito a plantar lavouras em uma área limitada da unidade de conservação de uso sustentável, mas jamais poderia parcelar e vender lotes na Arie – como vem fazendo nos últimos anos.

Uma outra invasão foi construída em cima de um sítio arqueológico da região, que, antes da fundação de Brasília, foi habitada por índios. Em 2017, o responsável por ocupar clandestinamente o terreno foi notificado pela Secretaria de Meio Ambiente (Sema) para desocupar a área. No entanto, Luiz Raimundo Pereira nunca cumpriu a determinação.

Área histórica
A Arie da Granja do Ipê, onde está a Mesa de JK, fica numa região carregada de simbolismo para a história da capital do país. A seis quilômetros dali, chega-se ao Catetinho, a primeira residência oficial do ex-presidente Juscelino Kubitschek.

Projetada por Oscar Niemeyer, a casa chegou a abrigar alguns oficias das Forças Armadas durante a ditadura militar no Brasil. O imóvel fica aberto para visitação de terça a domingo, das 9h às 17h.

Resposta
Metrópoles tentou contato com todos os citados no texto. Luiz Franklin não atendeu as ligações, mas, por WhatsApp, disse que só responderia se a reportagem fosse até a sua residência. Nas mensagens, limitou-se a dizer que o “Ibram [Instituto Brasília Ambiental], a Agefis [Agência de Fiscalização] e a Associação dos Produtores têm respostas para a imprensa”, mas não explicou quais seriam elas.

Wilma Mazute e Luiz Raimundo não foram localizados.

Em nota, a Superintendência do Patrimônio da União no Distrito Federal informou “não ter recebido nenhuma denúncia de grilagem na área” e que “realiza regularmente fiscalizações nos seus imóveis”. Ainda de acordo com o texto, “identificada qualquer irregularidade, os envolvidos serão autuados, e as medidas administrativas e judiciais serão tomadas”.

Também em nota, o Ibram ressaltou que a “Superintendência de Fiscalização do Ibram tem realizado ações fiscais pontuais”. O órgão diz, ainda, que o atual governo está avaliando todo o processo de ocupação da área. “Deve ocorrer uma ação governamental para a definitiva retirada de possíveis ocupantes irregulares do polígono da Granja do Ipê.”

Comitê
Na última sexta-feira (1°), o Governo do Distrito Federal criou um comitê de gestão integrada responsável pela prevenção e combate à invasão irregular de terrenos e áreas de interesse ambiental. A formação do grupo deverá ser oficializada pelo governador Ibaneis Rocha (MDB), por meio de um decreto.

A ideia é usar os serviços de inteligência das polícias Civil (PCDF) e Militar (PMDF) para evitar que assentamentos ilegais se espalhem pela cidade. O comitê será coordenado pela Casa Civil e contará com integrantes destas secretarias: de Segurança; de Habitação; da Agricultura; do Desenvolvimento Social; do Meio Ambiente e de Comunicação – além de PCDF, PMDF, Ibram, Agefis e Agência de Desenvolvimento (Terracap).

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