Testes de Covid no DF foram jogados no chão, apontam investigadores
Há indícios de que os exames foram transportados em picape Fiat/Toro, de maneira irregular, fora dos padrões da Anvisa
atualizado
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Os testes para identificar casos de Covid-19 na capital da República – e sob os quais pesa suspeita de superfaturamento – foram transportados fora dos padrões exigidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Os produtos, comprados em ação milionária, tiveram a entrega realizada em um veículo Fiat/Toro e foram colocados no chão.
As informações de falta de higiene sanitária estão nas investigações conduzidas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). A apuração segue identificando fraudes que lesaram os cofres públicos e colocaram em risco a saúde da população da capital federal.
O problema no transporte dos testes é apurado na quarta fase da Operação Falso Negativo, deflagrada nessa quarta-feira (3/3). Ela expõe esquema fraudulento envolvendo suspeitos de corrupção que, até então, não tinham sido identificados.
Segundo informações as quais o Metrópoles teve acesso, os investigadores anexaram ao processo fotos dos materiais “colocados no chão sem qualquer cautela”.
O responsável por receber os testes era o servidor Alexandro Luciano. Segundo apurações da quarta fase da Falso Negativo, ele teria “recebido testes rápidos entregues de forma fraudulenta”. E assinado um recibo da empresa Beier, que, segundo conta das apurações, seriam de testes da marca Livzon.
Esses fatos isolados, no entanto, não colocam o servidor na mira do MPDFT ou da polícia. A suspeita é que Alexandre tenha recebido os testes a mando da Secretaria de Saúde. “Não houve nos autos outros elementos comprobatórios da ciência desse servidor de participação em esquema supostamente delituoso”, apontam os investigadores.
Fábio Gonçalves
A Fiat/Toro seria, de acordo com investigações, da empresa Campos Representação, de propriedade do ex-secretário parlamentar na Câmara dos Deputados Fábio Gonçalves Campos.
Promotores e policiais localizaram, manhã de quarta-feira (3/3), R$ 280 mil em espécie em outro carro dele. A quantia estava no porta-malas de um Corolla da cor branca, estacionado em frente ao prédio onde Fábio mora com a esposa Renata Mesquita D’Aguiar, na Asa Sul, que também é investigada.
Dispensa de licitações
O grupo investigado na quarta fase da Operação Falso Negativo, que estava instalado na Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) e no Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen), seguia o mesmo modus operandi na maioria dos contratos, realizando procedimento de dispensa de licitação para aquisição de testes rápidos para detecção da Covid-19. Diversas empresas teriam sido beneficiadas com direcionamento do certames, superfaturamento de produtos e conluio para fraudar a competitividade.
De acordo com as apurações, o esquema seria capitaneado por Jorge Antônio Chamon Júnior, ex-diretor do Lacen, com auxilio de Iohan Andrade Struck, então subsecretário de Administração Geral da SES-DF. Ambos foram presos em fases anteriores da operação.
A nova etapa da investigação apura outras duas dispensas de licitação. As fornecedoras teriam oferecido produtos a preços superfaturados causando prejuízo aos cofres públicos de, no mínimo, R$ 10 milhões.
Superfaturado e ineficaz
Além das irregularidades que afetam os princípios da administração pública, a saúde dos brasilienses foi colocada em risco diante da pandemia mundial do novo coronavírus, uma vez que os produtos superfaturados foram adquiridos e, posteriormente, substituídos pela marca Livzon, teste chinês de eficácia duvidosa, segundo apurações.
Veja imagens da 4ª fase da Falso Negativo:
A substituição feita pela empresa Matias Machado foi deferida pelo então diretor do Lacen, Jorge Chamon. O teste, que vale cerca de R$ 32,38 a unidade, foi comercializado para o GDF a R$ 186. A entrega dos testes foi feita e atestada pelo servidor Alexandre Luciano, em 7 de maio de 2020.
Embora o pedido de troca para a marca chinesa tenha sido feito em 8 de maio, o empenho efetivado em 12 de maio e o extrato publicado no dia 14 do mesmo mês, Matias já havia levado o produto desde o dia 6 de maio à Farmácia Central.
Empresa “emprestada”
Ao analisar arquivos apreendidos, os promotores descobriram que Fábio Gonçalves Campos, ex-secretário parlamentar lotado no gabinete do deputado federal pela Bahia João Carlos Bacelar (PL), atuou em nome da empresa Matias Machado para fazer negócios ilícitos com a Secretaria de Saúde do DF.
Fábio Campos teria se aproveitado da relação com o então secretário de Saúde, Francisco Araújo, o qual foi padrinho de casamento de Fábio. A festa luxuosa (foto abaixo) ocorreu em 2019, no Rio de Janeiro. Além das imagens da cerimônia divulgadas pela imprensa, também foram apresentados diálogos que comprovam toda a negociação ilegal que ocorreu nos bastidores.
Campos permaneceu na Câmara dos Deputados até 26 de agosto do ano passado. Foi exonerado um dia após a deflagração da segunda fase da Operação Falso Negativo. A ação revelou inúmeras ilicitudes relacionadas à Dispensa de Licitação nº 18/2020 e à contratação da Matias Machado.
Em razão da íntima relação com o chefe da Secretaria de Saúde do DF, Fábio não poderia aparecer de forma ostensiva no procedimento licitatório, para isso, pegou “emprestado” o nome de Matias Machado para auferir lucros em acordo predeterminado com Francisco.
Uma conversa registrada em 24 de abril do ano passado, Fábio envia a seguinte mensagem para Matias: “Puder falar, meu irmão, me liga ai que eu queria ver um negócio da empresa contigo ai, que aqui no GDF eu não posso botar minha empresa, eu queria ver se você poderia me emprestar a sua ai para eu mandar uma proposta para o GDF”.
Matias concordou; assinou todos os documentos que lhe foram solicitados para que a empresa pudesse ser habilitada a apresentar propostas e respondeu:
“Fábio, o que você precisar ai, referente essa empresa minha, você pode me ligar, viu? que eu mando pra você, tá bom?”. A conversa ocorreu mesmo antes da dispensa de licitação ser concluída.
O que diz a Secretaria de Saúde
Em nota, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal informou que “tem colaborado com as investigações, fornecendo todos os documentos necessários para a apuração dos fatos relativos à Operação Falso Negativo, desde a fase inicial. A atual gestão tem tomado todas as medidas para esclarecer dúvidas, acatar recomendações e aprimorar os mecanismos de transparência dos atos e das ações da pasta junto à sociedade.”
O Metrópoles tenta contato com os advogados de todos os investigados. O espaço segue aberto a manifestações.