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Tesouro cultural: atolado em dívidas, Teatro Dulcina vai a leilão e pode fechar

Atualmente, o palco iluminado está sem luzes. As contas de energia somam quase R$ 300 mil; é preciso lanterna para frequentar o local

Breno Esaki/Metrópoles
teatro dulcina brasília
1 de 1 teatro dulcina brasília - Foto: Breno Esaki/Metrópoles

atualizado

Mais antiga que a construção de Brasília, a Fundação Brasileira de Teatro está atolada em dívidas. A entidade que guarda 70 anos da história do teatro nacional tem sua sede no Conic, coração do Plano Piloto. No mesmo lugar, há o prédio tombado do Teatro Dulcina de Moraes e a Faculdade de Artes Dulcina de Moraes – mantidos pela fundação. As dívidas estão acumuladas em R$ 20 milhões, e o prédio de aproximadamente 5 mil metros quadrados deve ir a leilão para pagar apenas R$ 328.467,34.

A data já foi definida por leiloeiros, e a previsão é a venda do prédio em 14 de setembro deste ano. Caso não seja arrematado nesse dia, outra data também já foi previamente estabelecida: 28 de setembro. Se o processo correr, a partir de outubro o cenário do Conic pode começar por mudanças.

Atualmente, o palco iluminado está sem luzes. As contas somam quase R$ 300 mil e é necessário usar lanternas para frequentar o espaço projetado por Oscar Niemeyer e com 480 cadeiras desenhadas pelo arquiteto e designer brasileiro reconhecido internacionalmente Sérgio Rodrigues.

Os administradores atuais da fundação correm contra o tempo para evitar a venda de um prédio tombado, que pode resultar no fechamento do teatro e da faculdade que fazem parte da história do Distrito Federal. Estratégias jurídicas têm sido aventadas a fim de conseguir um fôlego. Uma das apostas é tentar fazer parcelamento de forma extrajudicial das dívidas, e que seja feito de forma parcelada. Também há possibilidade de entrar com pedido de recuperação judicial, como uma maneira de liberar provisoriamente as certidões e fazer a negociação e parcelamento de cada processo.

Quando Dulcina sai de cena

Em 1993, Dulcina de Moraes, com 83 anos, se afastou da fundação porque estaria em uma condição avançada de demência causada pela idade. Em 28 de agosto de 1996, morreu uma estrela: a morte de Dulcina agravou os problemas financeiros dentro da instituição.

A complicada situação financeira da fundação é antiga. Em 2013, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) afastou os antigos dirigentes da instituição por supostas irregularidades, conforme foi apontado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. A fundação chegou a ficar sob intervenção. Em 2017, um novo conselho foi definido pelo MPDFT com o apoio do corpo docente e discente para dar sequência às atividades. Em 2022, houve a primeira eleição para definir um conselho.

Tempos áureos, em que espetáculos se apresentavam no teatro Dulcina com a casa cheia

“Com a morte da Dulcina, a sucessão de quem tomava conta era feita por uma panelinha que formava o conselho. Então, em 20 anos, houve poucas mudanças na gestão”, afirmou Débora Aquino, administradora judicial pelo Ministério Público do DF na Fundação Brasileira de Teatro e na Faculdade Dulcina de Moraes em 2017.

“A fundação estava passando por uma dilapidação por parte das pessoas que estavam gerindo o espaço”, alegou. De acordo com ela, o leilão seria o ponto final na obra de Dulcina. “Um espaço como esse ser vendido por uma bagatela dessas que nem paga a dívida é um absurdo, é um descaso. A gente vai perder no coração de Brasília mais um ponto cultural, uma riqueza e um patrimônio do DF e do país”, disse.

As dívidas

As dívidas são de origem diversas, como trabalhistas, previdenciárias, multas tributárias, débitos com Governo do Distrito Federal, juros acumulados, processos, entre outros. A maior fatia desse bolo de dívidas é a previdenciária – são R$ 16.023.637,63. O endividamento deixa o CNPJ da fundação em condição negativa, o que não permite receber emendas e outros tipos de repasses financeiros.

Na sequência, foi estimado o montante de R$ 3.451.081,58 em dívidas, decorrentes de processos que a fundação perdeu. “A grande maioria desses processos só foi perdido à revelia, inclusive a ponto de serem executados em razão da falta de defesa técnica”, disse o atual secretário-executivo da Fundação Brasileira de Teatro, Roberto Neiva.

De acordo com Neiva, além de recorrer no que for possível e tentar negociações com as dívidas, o conselho quer entrar com pedido ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para o reconhecimento do espaço como patrimônio federal. “Estamos correndo, organizando o inventário de tudo que se tem aqui e está parado em caixas para dar início às tratativas.” A previsão é que seja feito neste mês. O objetivo é que essa medida permita suspender a previsão de leilão.

“Com o leilão suspenso, as dívidas negociadas a gente consegue atuar na raiz dos problemas que estão postos e, em paralelo, construir ações positivas que estejam aptas a ser implementadas”, acrescentou.

Um dos planos é revitalização do prédio para gerar receita com aluguel, retorno das aulas presenciais, disponibilização do acervo para exposições, reformulação do plano pedagógico da faculdade para ofertar cursos técnicos em artes, além dos tradicionais de bacharelado. Outro ponto é voltar com o teatro para apresentações. “Essa é a segunda maior sala de teatro do Distrito Federal, só perde para a Villa-Lobos no Teatro Nacional, que também está fechada.”

“Dulcina é um patrimônio nacional”

“O ator que sou hoje é porque eu passei pela faculdade Dulcina de Moraes”, afirmou o ator Deo Garcez, que fez grandes obras nacionais, como as novelas Xica da Silva, O Cravo e a Rosa, e está há oito anos em cartaz com a peça Luiz Gama – Uma Voz pela Liberdade. Deo chegou a ter aula com Dulcina e ressaltou a importância da atriz para sua formação.

“É o símbolo mesmo do profissionalismo, da qualidade técnica, da qualidade artística. A atriz grandiosa, genial e ao mesmo tempo mestra, porque ela ensinava muito bem, ela valorizava talentos”, contou em tom de admiração. O ator tinha saído do Maranhão para morar em Brasília e encontrou uma oportunidade de crescer na carreira artísticas estudando na fundação.

Veja a entrevista na íntegra: 

“A Dulcina é um patrimônio nacional, até um patrimônio histórico cultural do Brasil e, porque não dizer, do mundo. Uma mulher que teve toda a importância no século passado. Ela foi uma heroína, ela é uma heroína”, emendou o ex-aluno e ator global. Para ele, a admiração pela Dulcina aparece como uma bênção antes de entrar em cena. “No camarim, eu tenho sempre um porta-retrato com a foto dela ali, como uma inspiração. Ela é o meu amuleto”, declarou-se.

A Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, criada e mantida pela Fundação Brasileira de Teatro (FBT), é fruto do sonho e do compromisso da atriz Dulcina de Moraes com a formação de artistas e arte-educadores no Brasil. A faculdade, com mais de 40 anos de atuação, foi criada em 1982, em Brasília, oferecendo originalmente os cursos de Licenciatura em Educação Artística, Bacharelado em Artes Cênicas e Bacharelado em Música.

A mantenedora é a Fundação Brasileira de Teatro, uma das mais antigas fundações da área artística, instituída em 1955, ainda no Rio de Janeiro. Depois de 17 anos de funcionamento naquela cidade, transferiu sua sede para Brasília, onde se encontra até o presente momento. Assim como a faculdade, sua criação foi um empreendimento de Dulcina e de seu marido, o também ator Odilon Azevedo.

O Metrópoles entrou em contato com o Iphan para saber se há um movimento para transformar o espaço em patrimônio nacional. Em nota, o instituto respondeu que “o tombamento do Teatro Dulcina de Moraes é distrital, portanto, de responsabilidade da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa. Não há, até o momento, nenhuma solicitação ou estudo visando ao seu tombamento em nível federal”.

A Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF também foi questionada para saber se há interesse da pasta em incentivo para recuperação do espaço. O órgão respondeu apenas que “o Teatro Dulcina não está sob a gestão da secretaria”.

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