TCDF: próteses compradas em esquema poderiam “quebrar” em pacientes
Auditoria aponta que os materiais adquiridos em contrato alvo de investigação do MPDFT estavam incompletos e eram “inservíveis”
atualizado
Compartilhar notícia
Auditoria feita pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) em 2015 apontou indícios graves da má qualidade de Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPMEs) adquiridas pela Secretaria de Saúde por meio de ata de preços, cujo contrato está na mira da Operação Conexão Brasília, deflagrada nessa quinta-feira (29/11) pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT).
Os técnicos da Corte de Contas percorreram vários hospitais públicos e encontraram problemas de toda sorte. Desde materiais jogados, mal acondicionados, em número inferior ao que constava no sistema, até aqueles que efetivamente poderiam causar riscos à saúde dos pacientes e cirurgiões.
Os próprios servidores disseram que as próteses e órteses não tinham serventia e poderiam, inclusive, quebrar após serem implantadas em pacientes da rede pública de saúde. Muitas também estavam incompletas. O principal motivo, porém, de estarem jogadas, apesar de terem custado milhões de reais, seria “a ausência de praticidade e dificuldade de implantação, havendo problemas de durabilidade, inclusive com quebra de produtos em pacientes”.
“O que se afirma no documento juntado é que os cirurgiões vêm considerando tais materiais inservíveis em função de sua qualidade, que colocaria em risco a segurança do paciente e do cirurgião”, aponta o relatório, produzido em 2015.
O estudo ressalta que o cenário se agravou quando visitas técnicas foram feitas nos hospitais pela equipe de auditoria nos hospitais de Sobradinho, Gama, Paranoá e Base, entre os meses de maio e junho daquele ano. “Em todas essas repartições, foi relatado aos auditores que tais OPMEs não estavam sendo utilizadas e nem o seriam, divergindo, contudo, as causas informadas para o desperdício”, apontam os auditores.
As próteses e órteses foram adquiridas de forma suspeita. De acordo com as investigações do MPDFT, somente um contrato firmado com a Aga Med, por meio de ata de preços feita pela Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro, teria causado prejuízo de R$ 19 milhões.
Centenas de contratos estão sendo investigados pelos promotores. A suspeita é de que a fraude ultrapasse R$ 2 bilhões, no período entre 2007 e 2015. Os materiais comprados por meio de suposto esquema de corrupção – que levou à cadeia os ex-secretários de Saúde do DF Rafael Barbosa e Elias Miziara – apodreceram nos depósitos dos hospitais.
Os que não perderam a validade foram incinerados pela Secretaria de Saúde, conforme mostrou o Metrópoles. “Parte foi trocada, por meio de um Termo de Ajuste de Conduta, para evitar perda por data de validade, e outra parte foi incinerada”, informou o órgão, mediante nota enviada por e-mail.
Outro problema foi apontado no relatório produzido pelo TCDF e encaminhado ao MP: os materiais de nada serviriam porque a empresa, a Aga Med, sob o fundamento de que o contrato estaria encerrado, recusou-se a fornecer instrumentadores aptos a utilizarem os equipamentos.
AUDITORIA DE REGULARIDADE – RELATÓRIO FINAL by Metropoles on Scribd
As próteses e órteses foram adquiridas em 2013. “Se a aquisição das OPMEs houvesse sido feita com base em demanda efetiva e planejamento adequado não haveria, a esta altura [dois anos depois], estoque dos produtos desses materiais”, apontou o relatório do TCDF.
“Mercado da morte”
Coordenador da Operação Conexão Brasília, o promotor Luís Henrique Ishihara ressaltou que a Aga Med nem chegou a fornecer o material mas, sim, empresas que fariam parte do cartel formado no Rio para fraudar licitações.
“Enquanto a rede pública de saúde do DF permanece desabastecida ou com excessivo número de materiais inservíveis ou desnecessários, com reflexos até mesmo na vida dos pacientes do SUS, as empresas privadas vêm lucrando com esse mercado da morte”, destacaram os promotores, durante coletiva de imprensa nessa quinta (29).
Durante a operação deflagrada nessa quinta (30), o MPDFT cumpriu 44 mandados de busca e apreensão no Distrito Federal, no Rio de Janeiro e em São Paulo, além de 12 de prisão preventiva.
O grupo é investigado por peculato, corrupção ativa e passiva, fraude em licitação e organização criminosa. Rafael Barbosa e Elias Miziara foram secretários de Saúde na gestão de Agnelo Queiroz (PT). Eles estão presos preventivamente no Complexo Penitenciário da Papuda.
Segundo fontes da Polícia Civil, na casa de Rafael Barbosa, no Park Way, foram apreendidos R$ 25 mil em dinheiro, mídias digitais, pen-drives e documentos que podem ajudar nas investigações. A sede da Secretaria de Saúde, no fim da Asa Norte, foi alvo de busca. A pasta informou, em nota, que está colaborando com as investigações.
A Secretaria de Saúde informou ainda que não possui contrato com a empresa citada na Operação Conexão Brasília e que as órteses e próteses adquiridas no ano de 2013 estão indisponíveis para uso”.
“O material é classificado como bem inservível por fazer parte de kit parcialmente utilizado, não havendo possibilidade de uso sem as partes já aplicadas, ou por ter vencido o prazo de validade”, acrescentou.
Ainda de acordo com a pasta, “desse modo, cumprindo determinação do Tribunal de Contas do Distrito Federal no processo 14.528/2018-e, as órteses e próteses foram recolhidas ao estoque da Secretaria de Saúde, e a destinação final, pelo procedimento padrão, é a incineração”.