Tabela de preços de combustíveis de cartel era decidida via WhatsApp
Justiça acatou denúncia do MPDFT contra 28 pessoas, entre empresários e funcionários. Combinação contra concorrência era feita por telefone
atualizado
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Relatórios de análise de mídias apreendidas pela Justiça no âmbito da Operação Dubai mostram a combinação de preços de gasolina, álcool e diesel em estabelecimentos do Distrito Federal e no Entorno. São diálogos entre integrantes de um suposto esquema de cartel envolvendo distribuidoras e empresas donas de postos.
As conversas, que começaram em reuniões a portas fechadas, migraram para o WhatsApp, segundo os investigadores. O farto material colhido na apuração – ao qual o Metrópoles teve acesso – embasou a denúncia do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), que foi aceita pela Justiça nessa terça-feira (31/7).
Estima-se que, apenas em 2014, o lucro obtido ilegalmente variou de R$ 800 milhões a R$ 1 bilhão. Na época, as investigações apontaram que a ação do grupo impactava em um aumento de até 30% no preço do combustível no Distrito Federal, lesando os consumidores.
O MPDFT ofereceu denúncia contra 28 pessoas (confira a lista completa no fim da reportagem), entre donos de postos e funcionários das empresas. Na terça, a 1ª Vara Criminal de Brasília tornou os investigados réus, e os acusados vão responder por organização criminosa e crimes contra a ordem econômica. E podem ter de pagar R$ 148 milhões em multas e reparação de danos à ordem econômica.
De acordo com informações contidas no inquérito, a combinação de preços teve início entre 2010 e 2011, com reuniões na sede do Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes do Distrito Federal (ex-Sinpetro, hoje Sindicombustíveis).
Os organizadores, segundo a investigação, eram Cláudio Simm, sócio/administrador da rede Gasolline; e José Carlos Ulhôa, presidente do Sindcombustíveis à época e sócio do Posto dos Anões, além de pessoas da diretoria da Cascol e Marcelo Dorneles, da Rede JB. Todos os revendedores participavam da reunião. Não tinha quem não frequentasse, segundo foi apurado pelos investigadores.
Das mesas de reunião para o aplicativo de celular
Os líderes faziam as contas, indicavam o preço ideal e submetiam a proposta à aprovação de todos, sendo decidido por unanimidade o valor a ser praticado, de acordo com o inquérito. Depois disso, não foi mais necessário ter encontros presenciais. Os ajustes eram feitos por telefonemas ou encontros envolvendo poucas pessoas. A informação era repassada aos demais por meio de telefonemas em uma espécie de “corrente”.
Nas companhias, os aumentos eram feitos, geralmente, às sextas-feiras. Os postos analisavam o mercado durante o fim de semana, decidiam sobre o valor e repassavam para as bombas entre segunda-feira e terça-feira. Os funcionários da Rede Cascol tinham a função de “mensageiros”, ou seja, avisavam aos revendedores sobre o acordado e, muitas vezes, voltavam com sugestões de preços.
Antônio José Matias, sócio e diretor-executivo da Rede Gasol, afirmou, em delação feita no dia 20 de março de 2017, que José Carlos Ulhôa era uma pessoa articulada e, como presidente do sindicato, tinha fácil acesso aos demais revendedores, além de, também, participar bastante da fixação do preço a ser praticado, sendo que nem sempre a Cascol discutia com ele o valor a ser estabelecido.
De acordo com a delação, quando ocorria de um revendedor reduzir o preço, José Carlos era informado e entrava “em campo” para conversar com quem descumpria o combinado, a fim de que se voltasse à cifra estipulada, algo que nem sempre ele conseguia. Nesses casos, iniciava-se uma guerra de tarifas, que, às vezes, ficava localizada em uma determinada região e, em outras situações, espalhava-se.
Segundo Antônio Matias, os revendedores reclamavam para José Carlos Ulhôa a respeito do preço praticado pelas companhias.
José Carlos Ulhôa foi o único presidente a receber salário, estabelecido pelos associados no meio do seu primeiro mandato, entre R$ 7 mil e R$ 9 mil
Antônio José Matias, em delação
De acordo com Matias, no DF, ninguém ficava de fora dos acordos, mesmo a pessoa que tinha “apenas um postinho”. Se um revendedor baixasse o preço, a tendência era de que todos os demais fizessem o mesmo, até “dar a rodada do Distrito Federal”, ou seja, alcançar por completo a unidade federativa.
Guerra
Segundo a delação de Antônio Matias, houve uma guerra de preços na Avenida Hélio Prates, em Taguatinga Norte, em novembro de 2015. A disputa teria envolvido os revendedores Alemão Canhedo e Rivanaldo, tendo sido iniciada pelo primeiro.
Antônio José Matias contou ter se reunido com Rivanaldo, pois temia que a desavença atingisse todo o Distrito Federal. Rivanaldo prometeu que resolveria o problema, mas isso não aconteceu de imediato.
De acordo com outros diálogos ocorridos entre os dias 24 de dezembro de 2014 e 20 de novembro de 2015, que estavam em um iPhone 6 Plus pertencente a Ivan Ornelas Lara, sócio da Rede São Roque, era uma prática comum entre os donos de postos de combustíveis fazer acordos sobre preços de gasolina, álcool e diesel para obter valores mais competitivos do que a concorrência e manter os consumidores “sob controle”. O celular foi apreendido na casa de Lara, no Lago Sul, em 24 de novembro de 2015, após cumprimento de mandado de busca e apreensão.
Os arquivos mostram, quase que diariamente, as tabelas de preços dos integrantes dos diálogos. E, também, as negociações informais entre os empresários.
Relatório Análise de Mídia Apreendida by Metropoles on Scribd
Veja trecho da transcrição de interceptação telefônica feita pela polícia. A conversa é de 15 de novembro de 2014, entre Ivan Ornelas Lara e Jean Rodrigo dos Santos Vicente:
Ivan: Doutor, estou verificando aqui os preços, vocês aproximaram bastante da Shell agora.
Jean: Vamos ver como vai ficar a acomodação semana que vem. O chefe vai ajustar ponto a ponto. Usa esse softwear. Vou mandar pra você.
Ivan: De quê?
Jean: Criptografia segura. De ponta a ponta.
Nos dias 25 e 26 de junho de 2015, outro diálogo, dessa vez envolvendo Ivan Ornelas Lara e Marquinhos Br:
Marquinhos: Ivan, você tem informação dos preços praticados na região pela concorrência?
Ivan: (Envia uma série de tabelas) Marquinhos, seguem os preços de custo do posto do Ricardo Porto.
No dia 1º de julho de 2015, os policiais flagraram outro diálogo entre Ivan e Marquinhos:
Ivan: Bom dia, Marquinhos. Achei aqui nas fotos os preços da Disbrave de Valparaíso (posto do shopping). O preço dele é CIF, então tem que descontar cerca de 1,5 centavos de frete.
Já no dia 12 de fevereiro de 2015, Ivan conversa com Ronaldo Corbal:
Ivan: Leva amanhã as vendas do Guará de janeiro e fevereiro até ontem. Pega apenas gasolina e etanol pra gente comprar esse efeito Petrobras.
Ronaldo: Fechado! Vou levar de Sobradinho, também.
No dia 21 de outubro de 2015, outro diálogo envolveu Ivan Ornelas Lara e Ronaldo Corbal:
Ivan: Consegui reduzir mais um pouco, vamos continuar na luta, né? Vou trabalhar em cima da BR agora. Tenho que melhorar a gasolina da Shell ainda.
Ronaldo: Certeza! Vou conversar com Jean, também.
Ivan: Me passa seus preços da BR de HOJE, por favor.
Ronaldo: Tô pegando aqui, já te passo! Mas estava R$ 3,33. Vou checar se baixou. Fala sério, o nosso subiu!
Ivan: Shell subiu a gasolina justificando o álcool. Procede aí, também?
Em outro diálogo, no dia 7 de fevereiro de 2015, Ivan Ornelas e Vitor Lazzart falam sobre a divulgação de informações relacionadas aos preços dos combustíveis:
Ivan: Só não pode passar os meus preços certinhos senão eles prejudicam nós dois. Vão sempre colocar nossos preços iguais. Sempre que falo que tem alguém mais barato, falo com 1 centavo a menos ou a mais.
Vitor: Obrigado, Ivan, pode ficar tranquilo em relação às informações. Faço da forma como você falou, passo um aproximado, um pouco abaixo ou acima.
Outro lado
O Metrópoles tenta, desde essa terça (31), contato com as defesas dos citados. Apenas a Cascol e a Raízen, licenciada da Shell no Brasil, tinham se manifestado até a última atualização desta matéria.
“A Cascol ressalta que, em abril do ano passado, assinou um acordo com o Cade e o MP, que vem sendo rigorosamente cumprido, reiterando o seu compromisso de respeito à livre concorrência, de renovação das suas práticas empresariais e de implementação de rigorosas políticas de compliance”, assinalou o grupo.
Em relação à Operação Dubai, de 2015, a Raízen “informa que recebeu com surpresa a denúncia oferecida pelo MP estendendo à empresa e seu funcionário implicações que não encontram respaldo no amplo processo de investigação conduzido nos últimos anos com a participação de diversos órgãos, incluindo o Cade. A Raízen está convicta de que não teve qualquer participação nas ações apontadas no processo e, portanto, prosseguirá contestando a denúncia e buscando a correta elucidação dos fatos”.
Confira a lista dos denunciados:
Cláudio José Simm – sócio/administrador da rede Gasolline
Marcos Pereira Lombardi (Marcola) – sócio/administrador da rede Gasolline
José Carlos Ulhôa Fonseca – presidente do Sindcombustíveis (à época) e sócio do Posto dos Anões
Antônio José Matias de Sousa – sócio e diretor executivo da Rede Cascol
Marcello Donelles Cordeiro – administrador da Rede JB
Ulisses Canhedo Azevedo – ex-sócio-proprietário da Rede Auto Shopping
Daniel Alves de Oliveira – sócio da Rede Auto Shopping
Isnard Montenegro de Queiroz Neto – sócio do Posto Petrus
Ivan Ornelas Lara – sócio da Rede São Roque
Rivanaldo Gomes de Araújo – sócio/administrador da Rede Original
Braz Alves de Moura – sócio/administrador da Rede JB
Odilon Roberto Prado de Souza – proprietário/administrador da Rede Planalto
Ilson Moreira de Andrade – sócio/administrador da Rede Braga
Marco Antonio Modesto – sócio/administrador da Rede Karserv
Abdallah Jarjour – sócio/administrador dos postos Jarjour
Celso de Paula e Silva Filho – sócio/administrador do Posto PB
Paulo Roberto Marcondes – gerente da Distribuidora Petrobras
Alexandre Bristos Borges – gerente da Distribuidora Ipiranga
Adão do Nascimento Pereira – gerente da Distribuidora Petrobras
André Rodrigues Toledo – gerente da Distribuidora Ipiranga
Marc de Melo Lima – gerente da Distribuidora Raízen (Shell)
Valdeni Duques de Oliveira – supervisor geral da Rede Cascol
Roberto Jardim – coordenador da Rede Cascol
Cleison Silva dos Santos – gerente da Rede Auto Shopping
José Aquino Neto – coordenador da Rede Karserv
Valnei Martins dos Santos – gerente da Rede Braga
Vicente de Paulo Martins – gerente da Distribuidora Petrobras
Adeilza Silva Santana – supervisora da Rede Original