Superação, força e final feliz. Leia histórias incríveis de prematuros
No Mês da Prematuridade, mães abrem o coração para falar sobre os desafios e as vitórias do nascimento de bebês prematuros
atualizado
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A noite de 15 de agosto de 2018 ficou marcada na vida da técnica de enfermagem Gizelle Cardoso, 28 anos. Foi o nascimento de Athos Cardoso, seu segundo filho, numa batalha que transformou a rotina da família por causa da prematuridade – a condição caracteriza-se pelo parto antes das 37 semanas de gestação.
No caso de Athos, o menino veio ao mundo por meio de uma cesárea de emergência na Maternidade de Brasília, durante a 30ª semana, por causa de um descolamento prévio da placenta.
Veja imagens:
Gizelle conta que, mesmo diante da situação adversa, teve de se manter forte. “Estava com medo de ele nascer e não sobreviver, mas sabia que eu não podia paralisar. Sabia que tinha de tomar atitude e ser o mais colaborativa possível”, lembra.
Após o parto, Athos precisou dos cuidados da unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal da unidade de saúde. Além disso, a criança apresentava uma infecção no fígado e precisaria de uma dieta total. Diante disso, a mãe não poderia amamentar.
“Uma mãe com o seio cheio de leite, sem o filho para poder dar o mamar… Respirei fundo e sempre ia pedindo a Deus consolo, forças para não me entregar e para lutar por ele e por mim”, ressaltou a técnica de enfermagem.
No meio do processo, a jovem e o marido se separaram. Sozinha, ela encontrou, na Maternidade Brasília, forças na amizade com outra mãe, que também acompanhava a luta do filho pela vida na UTI pediátrica. À época, Gizelle passava 36h consecutivas no hospital.
Quando a saúde de Athos melhorou, a jovem, enfim, começou o treinamento para amamentar. “Nessa hora, eu me senti mãe. Foi quando meu filho veio ao meu seio entendi que ele tinha nascido e não estava mais na minha barriga”, diz.
Após mais de um ano entre idas e vindas ao hospital, além de cirurgias, medicações e internações, o bebê se recuperou e, aos 3 anos, é uma criança saudável. Fala, anda e se desenvolveu.
A experiência mostrou-se dolorosa, mas transformadora para Gizelle. Hoje, ela reatou o relacionamento com o marido e faz faculdade de fonoaudiologia para atuar com bebês prematuros e dar a outras mães a alegria de ver o filho renascer.
“A UTI me ensinou a ser mais tolerante, ter paciência, expressar meus sentimentos, confiar em Deus e, principalmente, ser agradecida por tudo”, comemora.
Luta solitária
No caso da moradora de Samambaia Kelly Coimbra, 33, um dos momentos mais dolorosos da gestação foi deixar o hospital sem o filho nos braços. Eduardo nasceu com 28 semanas de gestação e ficou 61 dias internado na UTI neonatal da Maternidade Brasília.
Até então, a técnica de laboratório passava por uma gravidez tranquila e fazia o acompanhamento regularmente. Porém, uma infecção aguda na placenta a obrigou a enfrentar um parto de emergência. “Ele [Eduardo] teve muito mais chances aqui fora do que na barriga”, explica.
O nascimento precoce causou no bebê problemas respiratórios, hidrocefalia e retinopatia da prematuridade, doença que se desenvolve nos olhos e provoca cegueira em recém-nascidos.
Durante todo o tempo, a mãe teve o apoio do marido, mas a luta era solitária. Segundo ela, a falta de conhecimento das pessoas sobre a prematuridade se revelou outra barreira. “Ninguém entendia por que aquilo tinha acontecido”, relembra.
“As pessoas perguntavam: ‘Cadê o bebê?’. E, a cada pergunta, era mais como se fosse uma facada no coração.”
Kelly emociona-se ao lembrar da época que o filho passou na UTI. O desespero, a insegurança e a desesperança eram constantes, mas cada pequeno avanço era comemorado. “A cada graminha que ele ganhava era uma vitória.”
O dia em que Eduardo saiu da UTI foi o de maior alegria. “Minha bochecha doía de tanto que eu ria, do tanto que eu estava feliz”, recorda. “Agora, quem tinha de cuidar dele era eu, quem tinha que trocar [as fraldas]… e [a maternidade] começou ali”, acrescenta.
O menino tem 3 anos, não tem sequelas e vive uma infância normal, apesar de fazer acompanhamento médico para ajudar no desenvolvimento.
Dados preocupantes
A experiência de Kelly e Gizelle reflete a batalha de milhares de famílias com bebês prematuros. Até setembro deste ano, o Distrito Federal registrou cerca de 4,7 mil nascimentos até 37 semanas de gestação.
O índice de prematuridade da capital está acima da média nacional. O número é de 12%, enquanto no país é 11,1%.
Para Miriam Santos, médica pediatra da Secretaria de Saúde e coordenadora das Políticas de Aleitamento Materno e Banco de Leite Humano do DF, é preciso pensar em ações para diminuir a ocorrência desses casos.
Ela explica que a pasta tem participado de discussões com o Ministério da Saúde e treina profissionais para atuarem em casos de gravidez de alto risco.
“O objetivo é a gente qualificar o nosso atendimento às gestantes e a esses bebês prematuros para que eles saiam do tratamento com o menor índice de sequelas possível e consigam atingir todo o seu potencial quando adultos.”
A vice-diretora executiva da ONG Prematuridade.com, Aline Hennemann, esclarece que os elementos que contribuem para os nascimentos prematuros são diversos e vão desde doenças preexistentes a fatores socioeconômicos.
Em todos os casos, o pré-natal é crucial para identificar possíveis problemas que possam resultar em gravidez de risco. A partir dele, é possível pensar em meios de reduzir danos para a mãe e o bebê.
Além disso, o planejamento da gravidez é um fator que pode diminuir a ocorrência de nascimentos prematuros. “Falar sobre prematuridade é, principalmente, falar que existem formas de prevenir”, destaca Aline.
Importância da família
O mês de novembro é dedicado a ações de conscientização sobre a prematuridade. A campanha deste ano, simbolizada pela cor roxa, chama a atenção para a necessidade do contato do pai e da mãe com o recém-nascido no período de internação. Durante a pandemia de Covid-19, o acesso dos pais aos recém-nascidos ficou restringido.
Miriam Santos, da Secretaria de Saúde, explica que o convívio familiar é fundamental para a recuperação do bebê. O contato pele a pele garante à criança o acesso às bactérias “boas” e não só às do hospital. Além disso, o leite materno, quando a mãe tiver condições, é o melhor alimento que se pode dar.
“Alimentação, carinho, aconchego… tudo isso faz parte do tratamento da criança. Não é só o medicamento, não é só colocar a criança numa incubadora, não é colocar no ventilador [mecânico]. Ele precisa também escutar a voz da mãe, igual quando estava na barriga”, esclarece Miriam.
Para a médica Caren Cupertino (foto em destaque), 48, a preocupação veio em dose tripla. Ela esperava trigêmeos e, no pré-natal, soube dos riscos do nascimento prematuro. A partir daí, começou o planejamento para diminuir os danos.
Quando os bebês nasceram, também na Maternidade Brasília, o contato constante com os filhos mostrou-se primordial para a melhora de Júlia, Miguel e Olívia. “Passava o dia todo com eles e, à noite, ia para casa ficar com minha [filha] mais velha, que à época tinha 6 anos.”
Após 45 dias de internação, os trigêmeos tiveram alta e continuaram a evoluir bem no tratamento. As crianças têm hoje 3 anos e não tiveram sequelas.
“Julgo que o fato de ter acompanhado meus filhos de perto, poder tocar, segurar e o uso do método canguru tenha influenciado a recuperação e o melhor desenvolvimento neurológico deles”, avalia.
O método canguru é uma estratégia adotada pelo Ministério da Saúde para tratamento de bebês prematuros no país. O método é centrado no recém-nascido e tem como um dos pilares a participação da família no tratamento.
Aline Hennemann, da ONG Prematuridade.com, destaca a importância de campanhas como o Novembro Roxo para a conscientização sobre o tema. Segundo ela, muitas pessoas ainda não conhecem o conceito de prematuridade. “A gente precisa minimizar isso. Precisamos garantir que esse bebê prematuro nasça em um ambiente adequado, que tenha condições, acesso à tecnologia do cuidado, que tenha pessoas capacitadas. Então, precisamos muito falar sobre prematuridade.”