Sobe número de pacientes que acionam Justiça em busca de UTI no DF
Em contrapartida, diminuiu a quantidade de pessoas que provocam o Judiciário para conseguir remédios. Dados são da Defensoria Pública local
atualizado
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Quando a necessidade por um serviço da rede pública de saúde não é atendida conforme a gravidade que o caso demanda, a via judicial torna-se uma luz no fim do túnel. Desesperadas, pessoas procuram a Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF), que elabora ações judiciais e dá início ao processo quando as medidas administrativas não geram resultado ou não dispõem de tempo para surtir efeito.
Dados do Núcleo de Saúde da DPDF revelam a alta procura. No primeiro semestre de 2019, por exemplo, foram registrados 613 processos cujo objeto é pedido de leito de unidade de terapia intensiva (UTI). O número é um pouco maior que o do mesmo período de 2018: 575 ações judiciais. Por outro lado, a busca por processos para garantir medicamentos caiu quando comparados os primeiros seis meses de 2018 e 2019: de 1.094 para 775.
Diagnosticada com infecção nos rins e cálculo renal, a professora Helaine Oki Carvalho, 45 anos, disse ter indicação médica com prioridade para internação desde 29 de julho de 2019. Sem previsão de marcar o procedimento no Hospital Regional de Taguatinga (HRT), a moradora de Ceilândia procurou a DPDF. O órgão entrou com pedido administrativo com prazo de 10 dias, mas, sem resposta, Helaine foi, em 22 de agosto, pedir socorro judicial.
“A preocupação do médico é com a pielonefrite (infecção), e o meu rim está dilatado. O direito só funciona a 37%. Tem que fazer a desobstrução e a drenagem. Se fosse um caso de poder esperar, esperaria numa boa. Mas não é”, desabafou Helaine.
Desempregada e sem saber quem procurar para tratar o irmão Maurício, que tem doença mental e é usuário de drogas, Michele Pereira Lima, 34, foi até a Defensoria Pública. À reportagem, ela contou que busca internação compulsória para o familiar, que fugiu do Hospital São Vicente de Paulo em 20 de agosto.
“É ruim ver o irmão como mendigo, fedendo, no meio da rua. Só poderia fazer o pedido [judicial] se eu tivesse um laudo do psiquiatra. Eu consegui e voltei para tentar”, afirmou Michele. Ela foi orientada a reunir mais documentos essenciais para iniciar o processo. “Vou pedir a Deus para ele sobreviver até lá.”
Na avaliação do coordenador do Núcleo de Saúde da Defensoria Pública do DF, Ramiro Sant’ana, alguns serviços apresentaram avanço, enquanto outros foram em direção contrária. “De forma geral, melhoraram UTI, radioterapia e oncologia. Mas tem algumas áreas que pioraram, como oftalmologia, hemodiálise, exames de imagem e ressonância magnética – essa é calamitosa”, assinalou.
O defensor público se refere à fila para exames de ressonância, que saltou de 17.379 pedidos para 21.395 entre maio e agosto de 2019. O Metrópoles noticiou a situação no último dia 23. Segundo o governador Ibaneis Rocha (MDB), foi dado um “puxão de orelha” no secretário de Saúde, Osnei Okumoto. A previsão, de acordo com o emedebista, é zerar a fila em 60 dias.
Na sexta-feira (30/08/2019), a Secretaria de Saúde anunciou que voltou a ofertar exame de ressonância magnética graças ao credenciamento de clínicas de imagem particulares. A primeira a começar os atendimentos está localizada no Gama e, inicialmente, fará 250 exames por mês, todos agendados via Central de Regulação da pasta.
Apesar do dados compilados no levantamento, Ramiro Sant’ana ressaltou que apenas com os números não é possível concluir se houve piora ou melhora no sistema de saúde. O órgão agora prepara um levantamento minucioso sobre os atendimentos na DPDF relacionados à área em 2019 a fim de traçar um cenário mais preciso.
Ações civis públicas
Além de atender a pedidos individuais, a DPDF também vai à Justiça com pedidos abrangentes. As defensorias públicas do Distrito Federal e da União são autoras, em conjunto, de duas recentes ações civis públicas sobre UTIs e fila para atendimento em neurologia pediatra.
Um dos processos resultou em decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que determinou disponibilização mínima, na rede pública ou particular, de 314 leitos de UTI para adultos, 80 neonatais e 64 pediátricos, até 15 de novembro de 2019. A deliberação é do juiz da 21ª Vara Cível Marcelo Velasco Nascimento Albernaz.
Além da falta de leitos, Sant’ana alertou para outro problema: a indicação de UTI desnecessária, “seja por uma atuação defensiva dos médicos para indicarem e depois não serem responsabilizados ou por pressão da família”.
Leitos fechados
Presidente do Sindicato dos Médicos do DF (SindMédico-DF), Gutemberg Fialho reforçou a quantidade inadequada de UTIs. “Há leitos fechados por falta de manutenção e recursos humanos”, acrescentou. O sindicalista disse que as indicações para a unidade de terapia intensiva são exclusivamente médicas e passam por duas etapas. “O profissional indica a vaga, e o responsável pela UTI analisa o quadro clínico para aceitar ou recusar”, pontuou.
O outro processo é sobre a extensa fila para atendimento em neurologia pediátrica, cuja espera é de até sete anos, conforme argumentaram os autores da ação, com base em relatório da Secretaria de Saúde. Em 2 de agosto deste ano, o juiz da Vara da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) Renato Rodovalho Scussel deu 30 dias para que a pasta apresente cadastro atualizado relacionado ao atendimento de consultas na especialidade.
“O tempo de espera de uma criança com indicação para atendimento em neurologia pediátrica na rede pública do DF é de cinco a sete anos, o que viola frontalmente o direito de proteção integral de receberem, com prioridade absoluta, o tratamento necessário”, ressaltou o magistrado na decisão. Os dados devem basear julgamento do pedido de apresentação de planos para ações estratégias a fim de atender a todas as crianças e adolescentes cadastrados.
O outro lado
Em nota enviada pela Secretaria de Saúde, a direção do Hospital Regional de Taguatinga afirmou que Helaine realizou duas consultas ambulatoriais (em 3 de junho e 29 de julho) e, na última, o médico solicitou exames pré-operatórios, Mas ela, segundo o HRT, não teria retornado à unidade. “É necessário que a paciente apresente os exames para que seja marcada a cirurgia”, concluiu sobre o caso.
A respeito do irmão de Michele, a pasta disse que não tem como obrigar alguém a manter tratamento nem a permanecer em hospital, ainda que seja paciente psiquiátrico. Frisou ainda que não recebeu nenhum processo judicializado com o nome dele para internação.
A secretaria informou que tem 416 leitos de UTI atualmente, mas 26 estão bloqueados por falta de recursos humanos ou equipamentos. “A pasta está tomando todas as providências para adequação dos leitos no prazo estipulado”, disse.
“Quanto à especialidade de neurologia pediátrica, a secretaria informa que o atendimento é realizado pelos hospitais da Criança, Materno Infantil (Hmib) e regionais de Sobradinho e Taguatinga. Os casos mais graves são priorizados, de acordo com a classificação de risco”, finalizou.