“Situação grave”: cortes de verbas na UnB deixam bolsistas apreensivos
Bloqueio de verbas pelo governo federal retirou mais de R$ 17 milhões da UnB. Entre os impactos está o não pagamento de bolsas de pesquisa
atualizado
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O bloqueio de verbas que retirou mais de R$ 17 milhões da Universidade de Brasília (UnB) afeta não apenas o futuro de pesquisas na instituição, como também o cotidiano de bolsistas, que dependem do pagamento mensal para o próprio sustento.
Doutoranda na UnB desde agosto deste ano, Mônica Ottoboni, 25 anos, é bolsista e representante discente do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais. Ela mora em Uberlândia (MG) e quase toda semana viaja até Brasília de ônibus para as aulas na universidade. “Vou, passo dois dias, que é quando tenho aula, e volto”, diz.
“As normativas da Capes exigem essa dedicação exclusiva, então a gente não pode ter vínculo empregatício enquanto recebemos a bolsa”, comenta Mônica. Atualmente seu foco de pesquisa é a chamada Revisão Periódica Universal, é um mecanismo de avaliação da situação dos direitos humanos nos Estados membros da Organização das Nações Unidas (ONU).
Bolsistas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) recebem o pagamento todo mês até o quinto dia útil. Em dezembro, portanto, o valor deveria entrar na conta dos estudantes até essa quarta-feira (7/12). Mas já não caiu para Mônica.
“A Capes anunciou que não conseguiria honrar os pagamentos desse mês e não recebemos. Isso já nos dá uma grande insegurança financeira, porque pesquisadores bolsistas muitas vezes só têm essa renda, e isso afeta o pagamento das nossas contas, bem como dificulta o acesso à universidade”, comenta a doutoranda.
Por morar em outro estado, Mônica diz que não sabe nem como manterá a frequência na instituição neste mês. “A bolsa me ajuda a pagar a viagem e meus custos de vida como pesquisadora. Esse corte dificulta minha presença na universidade”, lamenta.
De acordo com a discente, alunos do Instituto de Relações Internacionais se articulam para conversar com professores sobre os projetos acadêmicos, que serão afetados pelo bloqueio de verbas. “Toda essa situação nos tira o foco acadêmico. Então, estamos nos organizando para levar uma carta aos professores, pedindo apoio com relação às atividades, prazos e presenças em sala de aula neste momento”, narra.
Bolsa sem reajuste
Formada em economia, Bárbara Maia, 29, faz doutorado em ciência política na UnB desde 2019. Em sua pesquisa sobre difusão de políticas públicas ela avalia quais fatores levam um governo adotar ou não alguma política. Mas, para seguir desenvolvendo o estudo a aluna depende da bolsa, que já não recebeu neste mês.
“São R$ 2.200 de bolsa. É um valor baixo, especialmente para alguém como eu, que precisou mudar de cidade para estudar. E ainda está sem reajuste há quase 10 anos”, pontua.
Bárbara mudou-se de Natal (RN) para Brasília em 2019 para fazer o doutorado na UnB. Uma vez que a bolsa exige dedicação exclusiva, ela se preocupa com sua condição financeira ao longo do mês.
“A gente pode ter outros tipos de trabalho conciliáveis com a bolsa, como por exemplo consultoria. Eu mesma participo de alguns trabalhos nesse contexto. Mas, agora, estou sem perspectiva, apreensiva. É muito difícil não conseguir pagar as contas enquanto temos que ir para aula e estudar”, desabafa Bárbara.
“Os alunos bolsistas se envolvem em vários trabalhos, dão aula, participam de congresso, de revista científica. Agora, vamos passar o mês sem renda. Normalmente, em dezembro, recebemos o pagamento no início do mês, e recebemos o valor de janeiro ainda no final de dezembro também. Então, talvez a bolsa só caia agora em fevereiro. É uma situação grave”, reclama.
Auxílio estudantil
A estudante de história Monna Rodrigues de Sousa, 21 anos, participa do Programa de Bolsas de Iniciação Científica (PBIC) e recebe auxílio estudantil para realizar três refeições no Restaurante Universitário.
A jovem é coordenadora-geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da universidade e coordenadora do centro acadêmico de história. “O que mais tem nos preocupado com esses cortes é a assistência estudantil e a questão das bolsas”, afirma.
“O mês virou e o estudante não recebeu a bolsa. Por mais que a UnB não vá fechar agora, é um prejuízo gigantesco. Há estudantes que não sabem como vão continuar em Brasília, como vão comer hoje, como vão continuar estudando e até sobrevivendo mesmo”, comenta.
Para Monna, a assistência estudantil da UnB tem sido fundamental para sua permanência na universidade. “Essa situação é muito preocupante. Por isso, faremos um ato em frente ao MEC nesta quinta (8/12), para tentar reverter esses cortes”, finaliza. A manifestação está marcada para 16h.
Cortes na UnB
O Ministério da Economia voltou a bloquear verbas de universidades e institutos federais, horas depois do desbloqueio anunciado pelo Ministério da Educação, em 1º de dezembro. O MEC havia liberado R$ 344 milhões para as instituições, que foram retidos em 28 de novembro. O governo federal tem feito bloqueios orçamentários em várias áreas nesta reta final da gestão de Jair Bolsonaro (PL).
De acordo com a UnB, não há recursos para pagar auxílio estudantil e contratos do Restaurante Universitário, da segurança, de manutenção, de limpeza e demais despesas, incluindo projetos de pesquisadores.
Em junho, antes dos novos bloqueios, a Universidade de Brasília perdeu 7,19% do orçamento, o equivalente a, aproximadamente, R$ 36,3 milhões. Em comunicado, a instituição repudiou os cortes e alertou que os estudantes e trabalhadores assalariados serão os mais afetados.
“A UnB repudia veementemente essa situação e a herança calamitosa na Educação, Ciência e Tecnologia que o governo federal parece ter decidido deixar para o seu sucessor, em janeiro de 2023. A medida desconsidera, mais uma vez, que os principais atingidos pelos ataques às instituições públicas são as parcelas mais vulneráveis da sociedade brasileira. No caso das universidades, os mais afetados são os estudantes vulneráveis socioeconomicamente e os trabalhadores assalariados das empresas terceirizadas.”
A UnB finalizou a nota destacando que busca diálogo com o Congresso Nacional para tentar reverter a situação.