Sindicatos enfrentam crise com fim da contribuição obrigatória
Algumas entidades perderam 65% da arrecadação e demitiram funcionários. Outras fizeram acordos coletivos para substituir o imposto
atualizado
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A reforma trabalhista que entrou em vigor em 2017 e acabou com a contribuição sindical obrigatória resultou em uma perda de receita entre 60% a 70% para sindicatos, segundo entidades do Distrito Federal. O maior prejuízo é para os que representam empregados do setor privado. Nesse ramo, a rotatividade é alta nos postos de trabalho, o que interfere diretamente no maior meio de sustento dessas entidades: as mensalidades.
Para sobreviver sem os aportes anuais, os sindicatos foram obrigados a demitir, compartilhar estruturas físicas, fazer campanhas de filiação e se reinventar. Um dos maiores sindicatos de empregados da área privada na capital do país, o Sindicato dos Comerciários do DF (Sindicom-DF), com 10 mil filiados, perdeu 65% de sua arrecadação e teve que demitir 50% dos empregados.
Na tentativa de recompor as receitas, a entidade oferece uma série de benefícios aos cadastrados, além das tratativas da convenção coletiva, que estabelece direitos dos trabalhadores.
“Os sindicatos ficaram mais fracos e só os patrões ganham com isso. Para sobreviver, continuamos com uma campanha sistemática nas filiações. Porém, no comércio, a rotatividade é muito grande. No mesmo mês em que filiamos 500 trabalhadores, outros 1 mil saem dos quadros de filiados, principalmente por terem sido demitidos”, afirmou a presidente do Sindicom-DF, Geralda Godinho.
O Sindicato dos Comerciários é uma das 100 entidades filiadas à Central Única dos Trabalhadores (CUT). O presidente da entidade, Rodrigo Rodrigues, analisa o cenário: “O fim do imposto sindical trouxe graves problemas financeiros para toda a estrutura sindical. Essa medida faz parte de um projeto de enfraquecimento dos sindicatos dentro daquilo que eles representam: a defesa dos trabalhadores”, disse.
Desde a entrada em vigor da Lei n° 13.467/2017, que reformou mais de 100 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a previsão do desconto de um dia de trabalho a fim de financiar sindicatos passou a ser opcional, mediante autorização prévia do trabalhador.
“É facultado a empregados e empregadores, na vigência ou não do contrato de emprego, firmar o termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, perante o sindicato dos empregados da categoria”, diz o artigo 507 da norma.
Alternativas concretas
A nova legislação atinge não somente as entidades ligadas a trabalhadores. Os sindicatos das empresas, representados pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Distrito Federal (Fecomércio-DF), precisaram se reinventar em busca de recursos.
Hoje, no DF, a Fecomércio representa 195 mil empresas, responsáveis por 95% do PIB da capital. São elas que geram os empregos e negociam com os empregados as condições de trabalho.
O presidente da federação, Francisco Maia, lembra que a contribuição sindical era a espinha dorsal das entidades. “Sindicatos fecharam as portas, confederações estão fechando”, disse. Segundo ele, durante a última convenção coletiva, foi encontrada uma solução para o segmento varejista.
“Há uma previsão na legislação que pode ser adotada. Acordamos com os empresários de estabelecer uma cobrança: a contribuição assistencial. Todo comércio vai pagar de acordo com o faturamento. O pagamento começa agora em fevereiro”, disse.
Capacitação profissional
A contribuição assistencial foi firmada com apoio da Confederação Nacional do Comércio (CNC). Com o pagamento da taxa, que varia de acordo com o segmento, os empresários terão direito à capacitação profissional, orientação de gestão, assessoria econômica, jurídica e parlamentar, até acesso a serviços essenciais para o funcionamento do empreendimento, como a certificação digital, por exemplo.
“Em 2019, o projeto Cartão Material Escolar, apoiado pelo sindicato, evitou que inúmeras papelarias fechassem as portas. Essas empresas corriam risco de falir, mas graças ao material escolar, elas ganharam um novo fôlego para continuar no mercado”, defendeu o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Material de Escritório, Papelaria e Livraria (Sindipel-DF), José Aparecido.
O proprietário de farmácias Erivan Araújo comenta que, neste momento difícil pelo qual a economia tem passado, o sindicato pode defender os lucros e interesses da classe. “Acredito que essa taxa assistencial é primordial para manter a estrutura dos sindicatos, para que eles possam continuar defendendo o comércio, além de ofertar diversos serviços para as empresas”, reforçou o empresário.
O presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos (Sincofarma-DF), Francisco Messias, defende o pagamento da taxa. “Estamos com uma demanda gigantesca em prol do empresariado: são ações jurídicas, defesa na vigilância sanitária, ações contra cobranças indevidas. Além, é claro, de oferecer a convenção coletiva, benefícios como convênios e planos e descontos em cursos”, disse Messias.
Representantes dos empregados do serviço público
A norma que prevê o fim da contribuição obrigatória também é aplicada para os representantes do serviço público. Sindicatos como o dos professores (Sinpro-DF) e o Sindicato dos Servidores Públicos Civis da Administração Direta, Autarquias, Fundações e Tribunal de Contas do Distrito Federal (Sindireta), entre outros, não foram diretamente afetados por terem uma base de filiados consolidada, com pouca rotatividade. Mesmo antes da lei, eles abriram mão da cobrança.
Com um modelo de recebimento de taxa diferente, o Sindicato dos Médicos (SindMédico) também não dependia da contribuição anual. Porém, outros servidores pagavam seus sindicatos por meio da taxa.
O Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde de Brasília (SindSaúde) afirmou ter sido muito afetado. “Entendemos que essa medida do governo federal tem o objetivo claro de engessar o movimento sindical e tentar acabar com qualquer oposição. Mas os trabalhadores não vão parar a luta jamais”, disse a presidente da entidade, Marli Rodrigues.
Reforma trabalhista
A reforma trabalhista feita durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) entrou em vigor em novembro de 2017 e alterou pontos como o fim da obrigatoriedade de pagar a contribuição sindical, que passou a depender de autorização dos trabalhadores.
As mudanças afetaram os sindicatos, que tiveram queda na arrecadação. As entidades angariaram R$ 3,6 bilhões em 2017. O valor despencou para R$ 500 milhões, em 2018, sem a contribuição sindical. A cobrança era feita com base em um dia de trabalho por ano de desconto da folha salarial dos trabalhadores.