Servidores fraudavam CEB há 10 anos. Esquema desviava até lacres
Funcionários do Centro de Operações e do almoxarifado tinham autorização para agir diretamente no sistema e “limpar” dívidas
atualizado
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A segunda fase da Operação Apate, deflagrada pela Polícia Civil (PCDF) e pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), descobriu novo patamar no esquema de fraudes cometidas dentro da Companhia Energética de Brasília (CEB). Um dos servidores, alvo de prisão temporária, era o responsável pelo Centro de Operações do órgão.
O arranjo já durava 10 anos e causou prejuízo aproximado de R$ 20 milhões à companhia, em apenas quatro meses. Os envolvidos cobravam propina de 10%.
O servidor do Centro de Operações tinha acesso aos dados cadastrais e fazia alterações de titularidade de forma irregular, mediante pagamento de usuários. Outro investigado, que também foi preso, desviava materiais do almoxarifado. Objetos como medidores, lacres e uniformes estavam na casa dele. Tudo isso dava um ar de “legalidade” ao esquema.
“Eles tinham papel fundamental no esquema usando as funções em prol do crime. São os responsáveis por manipular diretamente os sistemas informatizados da CEB para dar a aparência de licitude”, explicou o delegado-chefe da Draco, Adriano Valente.
Segundo a Polícia Civil, ao menos 25 pessoas são suspeitas de cometer as fraudes. “Vamos apurar se há participação de mais servidores assim como as suas respectivas funções”, acrescentou o delegado da Draco Jean Felipe Mendes.
“As pessoas que contrataram os serviços clandestinos também devem ser identificadas e responsabilizadas pelo crime de corrupção ativa”, destacou Mendes.
O esquema funcionava do seguinte modo: o interessado passava a quantia referente a 10% do valor da dívida. O servidor que trabalhava no almoxarifado desviava medidores, lacres e uniforme.
Um eletricista da quadrilha, devidamente vestido com o uniforme da CEB (desviado), ia a casas ou empresas dos “clientes” e fazia a instalação dos equipamentos. Então, o servidor do Centro de Operações realizava as mudanças necessárias no sistema para “limpar” a dívida.
R$ 20 milhões
Segundo as investigações, apenas com a transferência da titularidade do cliente inadimplente sem o necessário pagamento do débito, o grupo causou prejuízo de aproximadamente R$ 20 milhões à CEB, em um período de quatro meses.
A polícia identificou que as dívidas variavam entre R$ 59 mil, R$ 190 mil e R$ 250 mil.
Para cometer a fraude, os suspeitos cobravam 10% desses valores. As pessoas continuavam recebendo o serviço pelo novo contrato, e a CEB ficava com a dívida. A nova conta seguia em nome de um laranja e o fornecimento de energia não era interrompido.
Um dos investigados, preso durante a primeira fase da operação, afirmou que o crime é praticado na empresa há pelo menos uma década.
De acordo com a PCDF, o grupo composto por pelo menos seis núcleos criminosos faturava também prestando serviços particulares a um valor mais baixo, apesar de formalmente executados pela CEB.
Ele também adulterava medidores de energia elétrica para cobrança de valores menores e fornecia luz a áreas com obras embargadas, graças ao pagamento de propina.
Os núcleos incluíam eletricistas, que arregimentavam os clientes. Eles, geralmente, tinham contato de um funcionário da linha operacional, que trabalha com instalação de medidores.
O servidor, por sua vez, contatava as pessoas que mexem com o cadastro de clientes. Os integrantes de diferentes nichos da companhia se comunicavam entre si.
As diligências seguem para apurar outros participantes, inclusive clientes.
Fotos da segunda fase:
Primeira fase
A primeira fase da Operação Apate ocorreu em 31 de outubro de 2019. Naquele dia, foram cumpridos 19 mandados de prisão temporária e 24 de busca e apreensão. As investigações apontaram indícios de que o grupo criminoso atuava em diversas frentes – entre elas, na cobrança de propina para a religação do fornecimento de energia para os devedores; troca de titularidade das contas da CEB e da Caesb; além do cancelamento de dívidas, mediante pagamento de suborno.
As apurações tiveram início seis meses após a análise do material coletado no aparelho celular de um dos presos na Operação Horus, na qual foram presos grileiros e policiais militares envolvidos no parcelamento irregular de terras públicas no Condomínio Sol Nascente, em Ceilândia.
De acordo com a PCDF, o grupo composto por pelo menos seis núcleos criminosos faturava também prestando serviços particulares a um valor mais baixo, apesar de formalmente executados pela CEB, e adulterando medidores de energia elétrica para cobrança de valores menores e fornecendo luz a áreas com obras embargadas, graças ao pagamento de propina.
Além disso, os acusados transferiam a titularidade do ponto de energia sem o necessário pagamento de dívida acumulada pelo cliente. O fornecimento, nesse caso, era repassado ao nome de um terceiro.
A conduta, segundo os investigadores, teria favorecido empresas de grande porte do Distrito Federal, o que explica, ao menos em parte, o inadimplemento de mais de R$ 600 milhões de devedores da empresa. O nome da operação vem da deusa grega Apate, que representa a fraude.
Imagens da primeira fase:
Em crise financeira e com rombo bilionário nas contas, a CEB e a Caesb estão na lista de privatização do GDF. Enquanto os editais não são publicados, as estatais se viram para tentar cobrir parte do rombo milionário.
Em setembro, por exemplo, a Companhia Energética de Brasília iniciou licitação para a venda de terrenos da empresa localizados no Lago Sul, Guará I, Riacho Fundo I, Cruzeiro Velho e na Asa Norte. Juntos, os imóveis estão avaliados em R$ 16,7 milhões.