Servidores da educação são os que mais sofrem de doenças mentais no DF
Sem estrutura, esses trabalhadores e os da Secretaria de Saúde lideram o ranking de órgãos do GDF com maior número de atestados médicos
atualizado
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Os problemas do serviço público no Distrito Federal põem à prova a saúde física e, principalmente, mental dos trabalhadores. Em consequência, essas adversidades desencadeiam neles doenças como depressão e ansiedade, afastando-os da profissão por meio de atestados médicos.
Levantamento elaborado pelas secretarias de Educação (SEE) e Planejamento, Orçamento e Gestão (Seplag) obtido pelo Metrópoles mostra que, em 2017, 22% dos afastamentos no serviço público distrital ocorreram por transtornos mentais e comportamentais (TMCs). Segundo o relatório, os profissionais do ensino e os da saúde lideram as pastas que mais obtiveram atestados por esse motivo: somente essas duas correspondem a 90% das ocorrências. As principais causas são depressão (44% dos casos) e ansiedade (29%).
De acordo com o documento, houve 7,6 mil atestados na educação por transtorno mental e comportamental no ano passado, em um universo de 37,3 mil servidores dessa área. A Seplag explica que parte dos trabalhadores do ensino público obteve mais de um afastamento naquele período. Ou seja, o número de profissionais licenciados é menor do que 7,6 mil.
A pasta acrescentou que os trabalhadores da SEE representavam a maior fatia dos 83,5 mil servidores ativos do Governo do Distrito Federal (GDF) à época: 44%. Por isso, segundo a Seplag, há, naquela secretaria, maior número de atestados.
Apesar disso, o índice de atestados é desproporcional. Os trabalhadores da Educação e da Saúde representam 82% dos servidores do GDF. Porém, o número de afastamentos concedidos a profissionais dessas áreas é igual a 90% do total. Enquanto isso, nos outros órgãos do governo (17% do quadro inteiro), ocorreram 9,5% dessas ausências.
“Fui diagnosticada com transtorno de ansiedade e irritabilidade crônica. Nos primeiros meses, não conseguia sair de casa. Colocava a cabeça para fora da janela e tinha sensação de que morreria”, conta a professora Maria Alves de Castro, 50 anos. Servidora da educação no DF há 21 anos, ela está afastada das salas de aula desde 2016.
Indisciplina em sala
A falta de estrutura e a indisciplina dos estudantes, segundo Maria, estão entre as principais causas dos transtornos, hoje combatidos com uso de medicamento. “Na primeira vez que entrei em sala de aula para trabalhar, em 1997, numa escola rural, havia bichos e fezes. Tínhamos péssimas condições para nos alimentarmos”, relembra.
Em agosto, reportagem do Metrópoles mostrou que 90% das escolas públicas no Distrito Federal precisam de reformas, de acordo com relatório do Tribunal de Contas local (TCDF). Além disso, dos R$ 287 milhões previstos na Lei Orçamentária Anual (LOA) para a educação no primeiro trimestre de 2018, o GDF empenhou apenas 6% em reparos nas unidades de ensino.
Nós, professores, já tivemos de dividir banheiro com crianças na escola por causa de reformas. Em outra ocasião, tivemos de trocar telhado. Também não há local adequado para trabalhar educação física. Às vezes, os estudantes jogam em um quadradinho
Maria Alves de Castro, professora da rede pública de ensino do DF
Maria reclama também sobre a falta de respeito por parte dos estudantes na relação com os docentes. A gota-d’água para o afastamento da professora ocorreu por causa disso, em abril de 2014, quando lecionava para alunos do ensino fundamental na Escola Classe 12 de Sobradinho.
“Um estudante me provocava ao máximo. Fazia piadas de mau gosto e dizia que ‘chamaria os malas’ para me matar, me chamou de ‘cadela’. Isso era constante. Eu conversava com a mãe do menino, mas ele negava. Fiquei desmoralizada diante dos colegas dele”, relembra.
A responsabilidade dos pais
A docente também responsabiliza pais e mães pelos embates entre estudantes e professores. “Os pais não têm tanto compromisso com a educação dos filhos e transmitem essa apatia. Temos de ensinar os alunos a comer de boca fechada, respeitar o colega, não desperdiçar lanche da escola… Coisas que deveriam ser aprendidas em casa”, explica.
Em agosto de 2014, a professora saiu de licença por um mês. Quando voltou a lecionar, as más lembranças da sala de aula vieram à tona e a impediram de retornar à função. Passou a trabalhar em área de apoio aos demais professores da escola. Em 2016, tentou novo regresso à classe. Não logrou êxito.
Quando falamos em adoecimento, parece que ocorreu do dia para a noite. Mas é uma sucessão de fatos. Demorei 19 anos para chegar ao limite. Hoje, vejo colegas atingindo esse ponto após quatro, cinco anos de trabalho
Maria Alves de Castro, professora da rede pública
Ameaça com canivete
Vice-diretor no Centro de Ensino Fundamental 507, em Samambaia, Alex Cruz Brasil, 45, também ficou psicologicamente abalado por conflitos com estudantes no ambiente de trabalho. O episódio mais recente ocorreu nessa segunda-feira (10/9), quando ele foi agredido e recebeu ameaças de um aluno de 16 anos. O jovem chegou a sacar um canivete para atacar o docente. Por causa disso, o servidor considerou pedir afastamento do trabalho.
“Tive problemas em casa, minha família e amigos me aconselharam a pedir afastamento ou remoção para outra escola. Mas eu já tinha um certo preparo para lidar com esse tipo de situação, desde que fui pedagogo na Polícia Federal”, explica.
Alex trabalha no centro de ensino há 15 anos e descarta sair de lá no momento, pois, segundo ele, o corpo docente e administrativo da escola está desfalcado. Uma eventual saída dele, acredita, agravaria a situação.
“Ainda estou com medo. Em estado total de alerta, por causa das ameaças de morte recebidas. Se chega uma moto e para ao lado do meu carro, por exemplo, já fico tenso. Também tenho evitado andar pelos corredores da escola”, conta.
Saúde
Responsáveis por cuidar de pacientes, entre outras incumbências, os profissionais da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) também precisam de atenção especial. Eles lidam, todos os dias, com situações que minam a resistência psicológica. Entre elas, as más condições de trabalho.
“Houve época em que não tínhamos impressora. Hoje, falta medicamento, seringa… A gente chega a comprar insumos com dinheiro próprio porque ficamos com dó dos pacientes. Nossa condição é imoral”, lamenta uma técnica em enfermagem (foto em destaque) de um hospital regional do DF, sob condição de anonimato por medo de retaliação.
Desrespeito
Dos 50 anos de idade da servidora, 28 foram dedicados à Secretaria de Saúde – até que, em 2017, ela foi afastada por síndrome do pânico e depressão. O estopim para esses problemas ocorreu após desentendimento com chefes em 2016. Segundo ela, a falta de estrutura contribui, no dia a dia, para elevar o nervosismo entre os profissionais.
“Fui agredida verbalmente por um médico porque ele abandonou o trabalho. Alguém o denunciou e ele achou que fui eu. Ele me xingou, disse que era ‘X-9’ [gíria para delator]”, narra. O incidente desencadeou transtornos mentais. A servidora, então, afastou-se do trabalho por alguns meses.
De acordo com ela, por pressão de colegas, regressou à função antes de estar totalmente reabilitada. O retorno foi pior que o esperado. “Escorreguei em uma poça-d’água no hospital e fraturei o cóccix. Fiquei afastada de novo, por oito meses. Quando voltei, comecei a ser marginalizada pela chefia. Passaram a me trocar de local, para áreas nas quais eu não tinha condições, como pequenas cirurgias e cubículo da endoscopia”, relatou.
Ainda segundo a técnica em enfermagem, uma chefe a ameaçou dizendo “ou faz o que estou pedindo ou te coloco na endoscopia e jogo a chave fora”.
O outro lado
A Secretaria de Educação do DF informa que possui uma diretoria específica voltada para o apoio e o acompanhamento dos servidores. A área, segundo a pasta, realiza atividades e palestras com o objetivo de prevenir o adoecimento profissional.
Já a Secretaria de Saúde diz que os 19 Núcleos de Medicina do Trabalho do órgão desenvolvem ações voltadas para a qualidade de vida dos servidores.
“Isso envolve exames periódicos para diagnóstico precoce de doenças, ações relacionadas à nutrição para combate à obesidade e controle de doenças como diabetes, palestras sobre saúde mental e riscos no trabalho”, afirma a pasta, em nota. De acordo com o órgão, em 2017, 20 mil servidores foram convocados para realizar exames periódicos.