GDF quer usar até lote em área ambiental para pagar dívida com servidor
Presente de grego. Boa parte dos 44 imóveis que serão dados ao Iprev para devolver R$ 1,2 bilhão usado pelo governo para pagar salários, no ano passsado, tem restrições. Alguns estão nas poucas áreas de lazer em cidades como Samambaia
atualizado
Compartilhar notícia
Pressionado a devolver R$ 1,2 bilhão ao fundo do Instituto de Previdência dos Servidores do DF (Iprev), dinheiro sacado para pagar os salários dos servidores no ano passado, o governo decidiu quitar o débito com terrenos de sua propriedade, abrindo mão de seu patrimônio. Só que os 44 imóveis escolhidos pelo Palácio do Buriti para recompor o fundo podem se tornar um verdadeiro presente de grego. Boa parte dos lotes listados está ocupado ou tem destinação específica, o que dificulta qualquer tipo de comercialização. Um deles, inclusive, está em Área de Proteção Ambiental (APA).
É o caso do lote G, na QI 8 do Lago Sul. O terreno era destinado à construção de um jardim de infância público. Mas a iniciativa nunca saiu do papel, justamente por se tratar de uma área de proteção. As secretarias de Planejamento, Orçamento e Gestão (Seplag) e de Gestão do Território e Habitação (Segeth) reconhecem que o endereço é, de fato, um parque e área de proteção permanente. E que a inserção na lista foi “equivocada”.A secretaria garante que vai retirar o lote da lista. O documento será enviado à Câmara Legislativa no mês que vem para que os distritais chancelem o “pagamento” da dívida com o Iprev usando os terrenos do GDF. “Estamos estudando a substituição desse terreno por outra área desafetada que possa ser transferida ao Instituto, sem prejudicar a administração e o interesse público”, explicou o órgão em nota à reportagem.
João Goulart
Um outro terreno incluído na lista promete causar dor de cabeça pelo histórico de polêmica em que foi envolvido. Em 2015, no local situado entre a Catedral Rainha da Paz e o Memorial JK seria construído o memorial dedicado ao presidente deposto pelo regime militar em 1964. Mas, após reação de entidades representativas da sociedade, como o Ministério Público, o governo anulou o convênio entre a Secretaria de Cultura e o Instituto João Goulart.
Sete meses depois, o espaço está novamente na mira de uma possível polêmica. O governo relacionou a área para transferí-la ao patrimônio do Iprev. Porém, se o instituto quiser se desfazer do terreno situado no canteiro central do Eixo Monumental, o comprador terá de brigar na Justiça se não quiser obedecer às normas urbanísticas impostas a ele.
De olho na negociação, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) avisa: “Quem comprar o imóvel deve seguir os padrões urbanísticos que estão definidos para o local. Não pode, evidentemente, construir o que quiser”. Maiores interessados no negócio, os servidores também estão preocupados.
É preciso avaliar com critério a verdadeira liquidez e potencial de retorno dos terrenos. Não queremos colocar a aposentadoria de trabalhadores em risco.
André Luiz da Conceição, presidente do Sindicato dos Servidores (Sindser)
O secretário-adjunto de Planejamento, Orçamento e Gestão, Renato Brown, admite que nem todos os imóveis são apropriados para a venda. “Mas podem dar receita contínua ao Iprev. Caberá ao instituto definir, baseando-se em estudos, o que será feito com cada local”, defende.
Clube de Golfe
Em reportagem na semana passada, o Metrópoles já havia antecipado um outro problema. O terreno onde atualmente funciona o Clube de Golfe, entregue para administração privada por concessão de 30 anos, também faz parte da lista dos imóveis que serão dados para garantir a aposentadoria dos servidores do GDF. “O terreno não valerá nada para o Iprev. O local é tombado e não poderão vender um centímetro”, disparou Sérgio Pimentel, conselheiro do Clube de Golfe.
Para resolver o imbróglio, o governo promete mudar a destinação do uso da área, o que vai permitir, por exemplo, a construção de um hotel no local, o que, em princípio, deixou satisfeita a direção do Iprev, cujo o comando é nomeado pelo Palácio do Buriti.
Comunidade será afetada
Os “equívocos” na lista, entretanto, não param por aí. O GDF também colocou na relação espaços destinados a praças de lazer e cultura, que serviriam para o divertimento da comunidade. Em Samambaia, um grupo de crianças jogava futebol em meio ao alambrado enferrujado e sobre o piso áspero de uma quadra da Área Especial 1 da QN 319, na noite de quarta-feira (23/3), quando parou ao avistar a reportagem. Um deles perguntou à queima-roupa: “Vão reformar a quadra?”
Com a faixa etária entre 6 e 12 anos, a meninada se divertia aos cuidados do conferente Carlos Alberto Maçal, 48 anos. Ao saber da intenção do governo de vender o terreno onde há um campo de várzea, o morador se desesperou: “Não podem fazer isso! Eu joguei bola nesse terrão quando era mais novo. Eles só deveriam acabar com o campo para construir uma pracinha de lazer”, lamentou o morador.
Por meio de nota, a assessoria do governo explicou que o GDF possui – na mesma área em Samambaia – outros terrenos que podem ser usados. “Cabe lembrar que este endereço, cujo patrimônio o projeto pretende transferir ao Iprev, tem como destinação a construção de campos de esportes e jogos”.
A lista de terrenos também pode estragar a brincadeira e o lazer de outras comunidades. Em Taguatinga, está prevista a doação de um espaço situado no Setor Sul da QSD. Lá, deveria ser construída uma praça de esportes e playground para a criançada e alunos da Escola Classe 10, que fica próxima. Um sinal de que para cobrir um santo, o GDF vai acabar descobrindo outros.