GDF cobra R$ 3,8 milhões pagos indevidamente a servidores
Segundo auditoria do TCDF, 1.624 pessoas têm dívidas com o Executivo local por receberem auxílio-alimentação em duplicidade
atualizado
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O Governo do Distrito Federal (GDF) tenta reaver R$ 3,8 milhões pagos indevidamente a servidores públicos da Educação e da Saúde em forma de auxílio-alimentação. Segundo levantamento feito pelas duas pastas, 1.624 pessoas têm dívidas com o Executivo local por receberem o benefício em duplicidade. Em alguns casos, o débito passa dos R$ 17 mil. No último dia 22 de novembro, a Secretaria de Educação convocou 97 servidores para tratar do assunto.
Entre os problemas encontrados na auditoria estava a acumulação, desde maio de 2002, de benefícios de auxílio-alimentação com outros de espécie semelhante, como auxílio-cesta básica ou qualquer outro que tenha o objetivo de custear subsistência. A acumulação do benefício é proibida pela Lei n° 786/1994.A cobrança para ressarcir os cofres públicos é resultado de uma determinação do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF). Em 2006, a Corte abriu processo para apurar a regularidade de pagamentos na área de pessoal e na execução de contratos de vigilância e limpeza da antiga Secretaria de Ação Social, atual Secretaria Adjunta de Desenvolvimento Social (Sedestmidh-DF), entre 2000 e 2006.
Após o achado, em 2007, o TCDF determinou à Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag) que fizesse um levantamento dos casos de recebimento em duplicidade do benefícios em toda a administração local, com o objetivo de extinguir a prática e recuperar os valores repassados indevidamente.
A pesquisa da Seplag encontrou 2.737 servidores que receberam os recursos e, em 2011, a Corte de Contas determinou a realização de medidas para o ressarcimento do dinheiro. Até hoje, no entanto, a questão ainda se arrasta e parte dos valores não foi devolvida.
Em 2015, o TCDF oficiou 33 órgãos da administração direta e indireta para que notificassem os funcionários devedores. A maioria esmagadora dos casos estava nas secretarias de Educação e de Saúde, com 1.535 e 787, respectivamente.
Lista de órgãos com servidores devedores em 2015 by Metropoles on Scribd
Em junho do ano passado, o TCDF reiterou a determinação de medidas para o ressarcimento, “alertando seus titulares quanto à possibilidade de a Corte aplicar aos responsáveis, em caso de descumprimento, a multa prevista no inciso IV do artigo 57 da Lei Complementar nº 1/94”. A penalidade pode custar até R$ 976.
Em abril deste ano, apesar das determinações do TCDF, um novo levantamento realizado pela Corte encontrou a persistência do problema em dois órgãos: Secretaria de Educação e Secretaria de Saúde. Segundo a auditoria, a primeira ainda liderava o número de servidores devedores por largos números, com 1.422 casos, totalizando uma dívida de R$ 2.012.126,95. Já a SES-DF possuía 303 trabalhadores na mesma situação, com um valor total de R$ 1.981.673,37 – a pasta havia recuperado R$ 928.308,25 desde a determinação do TCDF.
A mais recente atualização do caso foi a convocação, pela Secretaria de Educação, de 97 servidores para o andamento do processo de ressarcimento. A notificação foi publicada no Diário Oficial do DF e orienta os trabalhadores a comparecerem à sede da pasta. A data limite foi a última quarta-feira (29/11).
Acionada pelo Metrópoles, a Secretaria de Educação disse que “os valores devidos variam de acordo com o servidor, e funcionários nessa situação serão convocados a realizar os ressarcimentos à medida que os processos forem analisados”. A devolução dos recursos será feita conforme o disposto na Lei nº 840/2011, conclui o órgão.
Ainda de acordo com a pasta, o pagamento indevido começou em 2002, quando “os servidores passaram a receber valores adicionais, posteriormente considerados semelhantes ao auxílio-alimentação, sendo que a legislação brasileira não permite o acúmulo de benefícios com o mesmo fim”. Por fim, a secretaria acrescenta que “todos terão o prazo para ampla defesa e contraditório”.
Questionadas pela reportagem, nem a Secretaria de Educação nem a de Saúde informou se, desde abril, houve mudanças no valor da dívida ou no número de servidores em débito.
Recursos
Com o objetivo de evitar a devolução do dinheiro, trabalhadores têm recorrido à Justiça e, em alguns casos, saído vitoriosos. Segundo a Secretaria de Saúde, “foram abertos processos de ressarcimento ao erário para todos os casos apurados como pagamento indevido. Porém, muitos impetraram ação para que o GDF se abstenha da cobrança do auxílio-alimentação pago em duplicidade”.
Um desses processos foi ajuizado por um servidor que tinha dois cargos na administração pública e acumulou o auxílio-alimentação de ambos por 10 anos, de 2002 a 2012. Quando a situação foi descoberta, o débito do trabalhador com a Secretaria de Saúde foi calculado em R$ 11.943,57. A pasta, então, passou a descontar R$ 350 do salário do servidor, o que ocorreu por seis meses, até ele decidir acionar a Justiça.
Em primeira instância, o juiz Enilton Alves Fernandes, do Terceiro Juizado Especial da Fazenda Pública do DF, deu razão ao trabalhador: “No caso, o auxílio-alimentação foi pago em duplicidade por mais de 10 anos, sendo possível inferir que o servidor não contribuiu para o engano (a má-fé não se presume e não foi alegada nem comprovada pelo requerido). Não tendo o servidor atuado de má-fé, não pode sofrer o desconto da verba em seus vencimentos anos depois do recebimento”, afirmou o Fernandes na decisão.
O magistrado determinou ainda a restituição dos valores descontados do salário do servidor pelo GDF. O Executivo entrou com recurso, mas a determinação foi mantida pela 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal.
“Restou incontroverso que o pagamento em duplicidade do auxílio-alimentação se deu em razão de erro da administração. Assim, o desconto em folha de pagamento do que fora recebido pelo servidor público, mesmo que indevidamente, não se afigura possível diante da presunção de boa-fé”, afirmou o relator do caso, desembargador Vitor Feltrim Barbosa, na sentença.
Já em um outro caso, de um servidor que acumulava cargos nas secretarias de Saúde e de Educação e recebeu auxílio-alimentação de ambos os órgãos por uma década, o entendimento da Justiça também foi o mesmo.
Não se pode negar à administração pública o poder de rever seus próprios atos, quando eivados de erro ou ilegalidade, como no caso em análise, em que foi constatado equívoco no pagamento de servidor. Entretanto, essa revisão não possibilita que seja imposta ao servidor a devolução do que indevidamente recebeu, quando se tratar de verba de caráter alimentar, recebida de boa-fé e não tendo contribuído para o equívoco que resultou no pagamento a maior
Marco Antonio do Amaral, juiz do TJDFT
O Metrópoles solicitou ao Tribunal de Justiça do DF e Territórios o levantamento de todas as ações que protestam o ressarcimento de auxílio-alimentação pelo GDF. No entanto, a Corte afirmou que a realização da pesquisa não seria possível, “uma vez que os processos são classificados de forma genérica, sem esse tipo de detalhamento”.
Já o Tribunal de Contas do DF afirmou que, para evitar novos casos de pagamento indevido de auxílio-alimentação, “tem recomendado o aprimoramento dos controles internos permanentes relativos ao pagamento desse benefício”.